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Monza, 13 de setembro de 1925.

Nesse ano de 1925 havia uma profusão de marcas inglesas competindo no mercado europeu e usando as pistas para ganhar prestígio.

A Norton, fundada em 1898 em Birmingham por James L. Norton, começou a vencer em 1907, na Ilha de Man TT, categoria 2 cilindros, e logo foi conquistando reputação como marca vencedora também na Europa continental.

Era comum essas marcas usarem motores de outros fabricantes, como JAP, Mitchell, Blackburne. A Norton lançou uma moto com seu próprio motor em 1908.

No ano seguinte, a famosa Harrods, de Londres, passou a oferecer motos Norton, sinal de que o prestígio estava se traduzindo em bons resultados comerciais.

Em 1924, a Norton venceu a TT nas categorias senior e sidecar com a Model 18, de 500cc, seu primeiro motor com válvula na cabeça do cilindro.

A Sunbeam foi fundada por John Marston em 1905, na cidade de Wolverhampton, como fabricante de bicicletas de alto padrão em acabamento e realmente entregava o que prometia. Com ótima reputação, foi um caminho natural entrar no segmento de motocicletas, com a promessa de ser a “gentleman’s motor bicycle”. Em 1922, o piloto Alec Bennett venceu com facilidade o TT na categoria senior e essa foi a primeira de cinco vitórias da Sunbeam nessa prova. Em 1924 ela lançou seu Model 1 no segmento de 350cc e em 1925 introduziu freios a tambor.

A.J. “Joe” Stevens criou a AJS Motorcycles em 1909, também na cidade de Wolverhampton, com a colaboração de seus três filhos. Apresentou seu modelo inaugural no Motorcycle Show de 1910, uma moto de 300cc com câmbio de 2 marchas criada para competir na edição do ano seguinte da TT, na qual obteve 15º e 16º lugares. Foi o início de uma carreira de sucesso contínuo nas pistas, que se refletia positivamente em vendas. Entre outras particularidades, a marca obteve diversos recordes de velocidade.

A Rex, posteriormente Rex-Acme, foi fundada como fabricante de carros em Coventry, em 1899, pelos irmãos Pilkington. Cinco anos depois, entraram no segmento de motos, com uma 500cc mono-cilíndrica e uma 730cc bi-cilíndrica. A marca buscou sempre inovar. Introduziu o garfo telescópico em 1906 e entre outras inovações incluia-se válvulas rotativas. Em 1908, apresentou o tubo superior inclinado, mudando a posição do piloto, para abaixar o centro de gravidade.

Em 1924, obteve vitórias nos GPs de Ulster (Irlanda) e Bélgica. Seus modelos de 250cc e 350cc usavam motores Blackburne com válvulas na cabeça do cilindro. Seu principal piloto era Wal Handley, que também chefiava o departamento de competições.

Em 1885, Edoardo Bianchi fundou em Milão uma indústria destinada a produzir rolamentos esféricos, campainhas elétricas e instrumentos cirúrgicos. Gradualmente, começou a operar em outros segmentos, como bicicletas, motocicletas, carros, com alto nível tecnológico. Lançou sua primeira motocicletto em 1902. Uma evolução desse primeiro modelo foi a C75-500, motor com válvulas laterais, que se tornou veículo de ligação do Exército Italiano durante a 1a. Guerra. Também construiu veículos blindados durante esse conflito.

Após o armistício, a Bianchi voltou a lançar novos modelos de moto, inovadores, e a competir. Para as provas de 1925, tinha desenvolvido uma 350cc bastante avançada. Duplo comando de válvulas na cabeça (bialbero), tanque com um sistema de compensação para o deslocamento do combustível nas curvas, permitindo assim mais estabilidade. O centro de gravidade era mais baixo que o das Indian e Harley Davidson, que também competiam na Europa e que foram as marcas, assim como Norton e Garelli, com que Tazio Nuvolari obteve seus triunfos iniciais. Como o quadro era tradicionalmente pintado de azul claro, o azul Bianchi, essa moto foi apelidada Freccia Celeste (Flecha Celeste). Com ela, a Itália poderia enfrentar, com boas chances, a temível esquadra britânica.

 

 

Tazio tinha se sagrado campeão italiano no ano anterior com a Bianchi e vinha alternando competições em moto e em carros. No dia 13 de setembro, Monza seria palco do GP das Nações, no qual Nuvolari defenderia as honras italianas em duas rodas.

No dia 6 do mesmo mês, na mesma pista, ocorreria o GP da Italia para carros. A Alfa Romeo tinha dominado no ano anterior com seu modelo P2 e assim se tornado a favorita e principal representante das cores nacionais nessa prova.

Ocorre que seu piloto nº 1, Antonio Ascari, tinha morrido no final de julho, no GP da França, e Vittorio Jano, responsável pelo departamento de competições, procurava um substituto à altura. Ele e Nuvolari tinham agendado um teste com a vitoriosa P2 em Monza em 1º de setembro.

O mantuano logo mostra suas qualidades, virando cada vez mais rápido. Na quarta volta, iguala o tempo de Giuseppe Campari, o principal piloto Alfa após o desaparecimento de Ascari, e na volta seguinte, se aproxima do melhor tempo obtido pelo falecido no ano anterior.

Mas os pneus já estavam bastante desgastados, assim como os freios a tambor. Uma marcha escapa em momento crítico e… a P2 sai da pista na segunda curva de Lesmo e capota. Nuvolari não é expelido do assento, como era comum, mas sofre diversos ferimentos, espalhados pelo corpo, além de fraturas nas duas pernas.

Os médicos o examinam e declaram que, se tomar todos os devidos cuidados, em um mês poderá voltar a andar.

Mas…. e a Bianchi? Como ficaria nisso?

Não poderia mais contar com seu maior trunfo para bater os ingleses em território nacional, diante da sua principal clientela?

E a torcida? Ficará privada de sua principal atração? Deixará de ir a Monza?

E Tazio? Estará psicologicamente muito abalado pela gravidade do acidente?

O que você faria se estivesse no lugar dele?

Nuvolari revela de que material é feito: diante da responsabilidade de honrar seu contrato com a Bianchi e representar o melhor possível seu país, não hesita em partir para o sacrifício.

Cheio de feridas e fraturas, está coberto de gaze, parecendo uma múmia. Sob orientação do médico que o assiste e com a ajuda de um especialista em artefatos de couro, manda confeccionar uma espécie de espartilho, destinado a fixá-lo na posição em que um piloto de moto da época ficava quando em alta velocidade, o peito apoiado no tanque. Não terá como sair dessa posição sem ajuda. Se cair, será uma catástrofe. “Não caia, você ficará paralisado o resto da vida.” dizem os médicos.

Além disso há o problema da infecção.

“Nivola” estará febril até poucas horas antes da largada. E, mesmo assim, ele vai. Para o bem da Bianchi e da Itália, porque se torna o único piloto a fazer frente ao campeão europeu Jimmy Simpson (AJS) e o vice Wal Handley (Rex-Acme), ambos ingleses.

 

 

No início, Tazio disputa a ponta com Handley, ambos observados por Simpson.

Mais adiante este toma a liderança, mas os duelistas iniciais voltam a disputar a vitória na fase final.

Nuvolari se mantém na pista movido por uma colossal força de vontade, que só pessoas extraordinárias demonstram. Mesmo atordoado pelas dores incessantes, não desiste de perseguir Handley. Tinham que percorrer 300km! Cansativo mesmo para quem estava em perfeitas condições físicas. Sem forças para tentar uma ultrapassagem, imagina um estratagema e o põe em prática: enervar o rival. Coloca-se na pista de modo a incomodar o inglês. A esperança é que ele erre ou force demais sua Rex-Acme.

E dá certo: na última volta o motor de Handley perde rendimento.

Com a respiração suspensa, mas esperando pelo pior, a torcida entra em delírio quando vê uma mancha azul claro aparecer, encimada por outra mancha, vermelha, a cor da indumentária de Nivola.

A euforia toma conta do box da Bianchi, mas os mecânicos não descuidam e logo se aprestam a retirar o herói imobilizado no selim da Flecha Celeste.

Há uma lenda menor dentro dessa façanha provavelmente incomparável. Consta que Tazio logo comentou que sentia os pés úmidos dentro dos calçados, como se tivesse estado andando em um pântano. Não era água. Era sangue escorrendo dos ferimentos, após tanto esforço.

Não sei se 13 dá azar ou sorte. Para mim, esse dia 13 ficará marcado como uma combinação possivelmente única entre talento, dedicação e superação.

Grandeza talvez seja uma palavra-resumo. Nada mal para quem era “basso di statura”, não?

 

Mais Tazio aqui https://gptotal.com.br/lenda-1a-parte/ e https://gptotal.com.br/lenda-final/

 

Abraços

 

Carlos Chiesa

 

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

3 Comments

  1. Carlos disse:

    Tempos heróicos, literalmente, não acha Fernando?

    • Fernando marques disse:

      Não resta dúvidas …
      Fico aqui pensando … Eu com 10 anos de idade já sabia dirigir um carro sozinho. Meu pai era loteador, e ia com ele pras obras e lá, geralmente locais desertos, quase sem gente e trânsito, aprontava das minhas. Meu pai via e nunca me deu bronca pelos cavalos de pau que aprendi sozinho …
      Isso início dos anos 70.

      Coisa de doido né?

      Fernando Marques
      Niterói

  2. Fernando Marques disse:

    Chiesa,

    chego a ficar arrepiado só de imaginar o como eram as corridas, carros, motos e principalmente a coragem dos pilotos antigamente, ainda mais quando a história é sobre Nuvolari.
    A foto que abre a coluna é um espetáculo.

    Sensacional

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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