Amortecedores de massa

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Em 2006, uma decisão muito polêmica da FIA: proibição dos amortecedores de massa, utilizado pela Renault. Os rumos do campeonato mudariam completamente...

Nos mais de 50 anos de mundial de Fórmula 1, diversas decisões polêmicas afetaram o equilíbrio de forças de um campeonato. Uma das mais recentes foi a proibição dos amortecedores de massa na temporada 2006, sob alegação de ser um dispositivo aerodinâmico móvel. Este artefato vinha sendo pesquisado pela Renault F1 desde 2004, e havia sido utilizado com sucesso pelos franceses na reta final do campeonato de 2005. Para 2006, o novo Renault R26 havia sido projetado para aproveitar ao máximo os benefícios do sistema, e acabou tendo seu desempenho bastante prejudicado na metade final da temporada pela decisão da FIA.

Mas afinal, como funcionavam os amortecedores de massa e quais as vantagens do seu uso?

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Basicamente, os “mass dampers” são dispositivos compostos por um conjunto massa-mola, cuja finalidade é filtrar vibrações às quais grandes estruturas possam estar submetidas. Dessa forma, as estruturas que possuem esse tipo de sistema são menos propensas a falhas por esforços de vibrações. Em um prédio de apartamentos, por exemplo, além de resguardar a estrutura, os amortecedores de massa podem auxiliar na segurança dos habitantes em casos de grandes oscilações (como terremotos). Nestes casos, os amortecedores de massa atuam como um pêndulo, reduzindo a oscilação da estrutura por meio da inércia de sua massa. Em outras palavras, enquanto o prédio balança para um lado, o amortecedor de massa puxa a estrutura na direção contrária, tentando trazê-la para a posição original.

O sistema da Renault F1, localizado no bico do carro, era composto por cilindros em cujo interior estava localizada uma massa em forma de disco, suspensa por um par de molas. O interior do cilindro era, então, preenchido com fluido amortecedor. O disco era livre para se mover para cima e para baixo, tendo seu movimento restringido somente pela atuação das molas e do fluido amortecedor. O movimento do disco nada mais é do que a resposta do sistema a uma excitação imposta pela movimentação do próprio cilindro, este sim ligado rigidamente ao veículo. Desta forma, ao oscilar, a massa suspensa impõe ao cilindro (e por tabela ao veículo) uma força oposta à da excitação, de maneira a neutralizar os efeitos do movimento vertical da carroceria causado por irregularidades na pista, além de fortes acelerações ou frenagens.

Amortecedor de Massa

A grande vantagem da utilização do sistema advém do fato de que o carro mantem uma altura mais constante em relação ao solo, mesmo ao passar por zebras ou saliências na pista ou quando da aceleração e desaceleração nas saídas e entradas de curvas. Assim, mantendo a altura em relação ao solo mais uniforme, o grip aerodinâmico flutua o menos possível tanto em retas quanto em curvas, permitindo uma maior velocidade em ambas as situações. Além disso, o contato dos pneus com o solo é maior e mais uniforme, aumentando também o grip mecânico do veículo.

Portanto, o amortecedor de massa consegue reduzir as vibrações e o mergulho do carro, ajudando a estabilizar a extremidade frontal. E por ser projetado para maximizar os benefícios do sistema, o Renault R26 usa a área de contato do pneu de maneira mais eficaz, além de também se beneficiar em termos aerodinâmicos uma vez que a extremidade dianteira do carro é mais estável.

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E o que dizer da legalidade do sistema?

Durante o fim da temporada 2005, o sistema passou desapercebido. O R25 já era superior à concorrência, e o uso do amortecedor de massa nas últimas provas da temporada apenas reforçou o domínio francês. Porém, no fim do ano alguns técnicos da Renault deixaram a equipe e levaram para outras equipes o conhecimento da tecnologia. Inclusive o criador do sistema, Rob Marshall, foi contratado pela Red Bull para 2006.

No início da temporada, a FIA questionou o sistema devido à denúncia da McLaren (que havia tentado implantar sua versão do dispositivo, sem sucesso). Após conversas e análises junto às equipes que possuíam o domínio da tecnologia, o órgão regulador chegou à conclusão de que o objetivo principal do sistema era o aumento da área de contato dos pneus com o solo, considerando-o dentro das regras. Porém, na semana do GP da Alemanha – 12ª etapa da temporada – a FIA voltou atrás em sua opinião: “apesar de ter sido considerado um dispositivo legal no passado, novas evidências e desenvolvimentos do sistema por algumas equipes deixa claro que o principal objetivo dos sistemas é o aumento de performance aerodinâmica”. Com isso, passou-se a considerar que os amortecedores de massa influenciavam na aerodinâmica do veículo e, por serem móveis em relação à massa suspensa do carro, eram ilegais à luz do item 3.15 do regulamento técnico: “… qualquer parte específica do carro que influencie em sua aerodinâmica deve permanecer imóvel em relação às partes suspensas do veículo”.

Ainda durante o GP da Alemanha, a Renault apelou aos comissários da prova alegando novamente que o objetivo do sistema era melhorar o contato do pneu com o solo, obtendo decisão favorável. Porém, a FIA recorreu da decisão dos seus próprios comissários, e a questão foi parar na corte de apelações da FIA, que declarou o sistema ilegal em 22 de agosto.

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Considerando a letra fria do regulamento, os amortecedores de massa podem ser considerados como dispositivos que influenciam a aerodinâmica do carro e, por ser móvel, deveria ser banido. Mas o sistema de suspensão padrão dos carros, que também influenciam a aerodinâmica (mesmo que em menor escala) também não entram nessa classificação?

De qualquer maneira, muito mais do que uma discussão técnica, a proibição tardia dos amortecedores de massa tem um cunho político e comercial muito forte. Com a utilização do sistema em 2006, Fernando Alonso obteve 6 vitórias e 4 segundos lugares em 11 etapas, obtendo vantagem folgada de 17 pontos frente a Michael Schumacher. É possível, portanto, que a FIA tenha banido o sistema com o real objetivo de aumentar a “competitividade” de um campeonato praticamente decidido, já que, a partir da proibição, todos os 7 GPs subsequentes foram vencidos pela Ferrari, exceto o peculiar GP da Hungria, primeira vitória do inglês Jenson Button.

Além disso, é de conhecimento público a força política da Ferrari nas decisões da FIA. Apesar de utilizar o sistema de amortecedores de massa em 2006, a proibição seria um ótimo negócio para a equipe italiana. Basta dizer que os carros vermelhos não eram tão dependentes do sistema como a Renault, por terem sidos projetados independente da utilização do mesmo. Desta maneira, enquanto a Renault perderia mais de 0,5s por volta com a retirada do sistema (além de um desgaste prematuro de pneus) a Ferrari sofreria muito menos.

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httpv://www.youtube.com/watch?v=bzlJaVm32nk

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Fato é que, após dominar a primeira metade do campeonato de maneira absoluta, a Renault teve seu desempenho fortemente prejudicado pela proibição do sistema, permitindo à Ferrari dominar a segunda metade do certame, e a disputa pelo mundial de pilotos permaneceu em aberto até a última prova. E tenho comigo que, se não fosse pelo motor estourado no GP do Japão, hoje Schumacher teria mais um título mundial em sua conta.

Abraços

Cassio Yared
Cassio Yared
Engenheiro Mecânico, acompanha a F1 desde o milagre da sexta marcha. Possui especial interesse pelas tecnologias desenvolvidas na categoria.

12 Comments

  1. Maico Rian Mota da Silva disse:

    Há de se ressaltar que a Ferrari tentou aplicar o conceito do amortecedor de massa no 248F1, sem sucesso. O sistema não funcionou adequadamente com os pneus Bridgestone. Enfim, mais do que merecido o título do Alonso.

  2. Rafael Carvalho disse:

    Se não me falhe a memória, em 2006 a FIA obrigou a Michelin a mudar o “modelo” do pneu certo?

    • Marcel Pilatti disse:

      Foi em 2003, Rafael.

      Coincidentemente, também logo após grande vitória de Alonso (Hungria), e também após terrível performance de Schumacher/Ferrari.

      Abraço

    • Maico Rian Mota da Silva disse:

      Foi em 2003. Mas, nesse caso, as bandas de rodagem do pneu estava acima do permitido.

      • Manuel disse:

        Aqueles pneus da Michelin vinham sendo usados a dois anos com a autorizaçao da FIA, cujo regulamento dizia que qualquer modificaçao nos pneus devia ser informada aos fabricantes, como máximo, no mes de setembro anterior ao começo da temporada. Assim a FIA, tomou a decisao de proibir aqueles pneus em contra de seu próprio regulamento.
        A FIA, nao apresentou nenhuma evidência que sustentasse que a area em contato com o solo do pneu, superasse em algum momento o máximo permitido.
        A FIA simplesmete arguiu que a area de desgaste apresentada superava a largura máxima permitida. Porem, a Michelin demonstrou que isso éra devido à maior flexibilidade de seus pneus e que, em qualquer caso, quando alguma area alem da banda de rodagem entrava em contato com o solo, o lado oposto do pneu e devido à referida maior flexibilidade, perdia esse contato com o solo, de maneira que a area total nunca superava o máximo permitido.
        Assim, a conclusao mais obvia é que a proibiçao foi devida a espureos motivos.

  3. Lucas dos Santos disse:

    Essas “reinterpretações” de regulamento que a FIA costuma fazer no meio da temporada são curiosas.

    Se o sistema passou a ser considerado ilegal, deveriam ter desclassificado os pilotos que utilizaram tal aparato nas corridas anteriores. Afinal, os resultados – e pontos – teriam sido obtidos com um carro “fora do regulamento”. Mas, se tivesse feito isso, iriam acabar prejudicando a “toda poderosa” Ferrari, que também tinha tentado utilizar o sistema em algumas corridas.

    Logo, foi uma decisão totalmente arbitrária, mas a Renault deu a resposta na pista conquistando o campeonato de construtores e pilotos do mesmo jeito, já que o Schumacher não conseguiu levar adiante a vantagem conseguida com a quebra do Alonso em Monza.

    • Fernando Marques disse:

      Lucas,

      não me lembro, me corrija se tiver errado, de um carro que no inicio da temporada tenha se mostrado superior, vencido corridas e dado boa vantagem ao seu piloto na tabela do campeonato e tenha perdido um campeonato em razão de da FIA ter encontrado “algo ilegal” no meio da temporada.

      Fernando Marques

  4. Roberto disse:

    Texto perfeito!

    Só discordo do final: Na verdade, Alonso ganharia o mundial mesmo sem a quebra de Schumacher. Afinal, o próprio espanhol perdeu 6 pontos preciosíssimos justamente por conta de um motor quebrado, em Monza. Tudo isso sem contar a Hungria, provavelmente a melhor corrida da vida dele, em que teve um pneu mal colocado pela Renault… Eram outros 10 pontos.

    Na soma de tudo, Alonso perdeu mais pontos do que Schumy por influências e erros externos.

    Abraço

    • Lucas dos Santos disse:

      Exatamente! A quebra do motor do carro do Schumacher em Suzuka apenas “igualou” a disputa e anulou a vantagem ganha pelo alemão quando da quebra do motor do Alonso em Monza.

  5. Carlos Chiesa disse:

    Foi feita justiça. Não seria justo mais um título para MS.

  6. Mauro Santana disse:

    Belíssimo texto Cassio!

    E faço minhas as palavras do Fernando.

    O regulamento da F1 daquela década, só consegue ser melhor que o regulamento vigente da década a qual estamos vivendo.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  7. Fernando Marques disse:

    Cassio,

    interessante o seu texto …show de bola !!!

    Eu penso que aqueles pneus sulcados usados naquela época fizeram parte da pior Formula 1 já vista em termos de regulamento …
    A decisão de proibir os amortecedores de massa certamente foi mais politica do que propriamente esportiva. O poder da Ferrari naquela época era muito grande … na verdade ela não esperava ainda ver o Dick Vigarista tomando poeira na cara de um Alonso naqueles anos de 2005 e 2006 …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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