Revolution rock

Piquet e a Brabham mudam o jogo
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Austin
23/10/2015

Assim como o Rock, o automobilismo era apenas coisa de gente doida em meados do século passado.

Olá amigos do Gepeto. Eu poderia comentar sobre o incrível e espetacular (sem ironias) Grande Prêmio da Austrália de MotoGP, realizado no último domingo, mas prefiro esperar a temporada terminar em Valência para tecer palavras mais definitivas. Por enquanto, precisamos falar de um assunto mais sério. Precisamos falar sobre o que está acontecendo com a Fórmula 1.

Já perceberam que ninguém mais dá a mínima para a Fórmula 1? Não estou falando dos fãs como eu e você, que sempre irão se interessar pela categoria. Falo do espectador ocasional, do padeiro da esquina, do jornaleiro, da sua mãe, do seu enteado de dez anos. Já percebeu que ele não tem o mesmo entusiasmo que você tinha com a mesma idade? E que até os fãs verdadeiros estão indo embora?

A Fórmula 1 não está renovando o seu público. A categoria se tornou tão careta que é simplesmente desinteressante para os mais jovens. Curiosamente, o mesmo fenômeno também aconteceu na música, especialmente com o Rock ’n’ Roll. Então, resolvi fazer uma analogia entre o gênero musical mais popular do mundo com a corrida de carros mais famosa. E acredite. Eles têm muito em comum.

Quem tem algum conhecimento musical já deve ter ouvido falar na palavra Punk”. Aquele rock barulhento feito por gente de moicano com jaquetas de couro provocou uma revolução na indústria musical. A Fórmula 1 provavelmente precisa que o mesmo aconteça com ela.

Antes que pensem que esteja louco e fechem a página explico. Assim como nosso nobre colega Júlio ‘Slayer’ Oliveira, também sou músico. Tenho tocado contrabaixo em bandas nos últimos 15 anos e sempre tive a tendência a me aprofundar na história de tudo aquilo que me fascina. Com o Rock, não foi diferente.

Surgido das mãos calejadas de bluseiros negros norte-americanos na década de 50, o Rock ’n’ Roll nada mais era do que a fusão do blues e do country clássico tocado com mais velocidade, para ser mais empolgante. Jerry Lee Lewis e Little Richard deram o pontapé inicial, mas foi só com o surgimento de Elvis Presley e mais tarde com os Beatles que o estilo ganhou definitivamente as grandes massas.

Com cada vez mais dinheiro envolvido no jogo, o Rock começou receber influência das mais diversas formas. Sua essência mudou tanto, que no começo dos anos 70 pouco tinha a ver com o estilo criado pelos negros americanos. O som agora era trabalhado, com toques orquestrais, músicos com formação musical, letras filosóficas e plateia seletiva. Os shows também foram ficando cada vez mais caros e produzidos. O preço dos ingressos subiu à estratosfera e os músicos eram tratados com tanta pompa que estavam se achando deuses imortais.

Felizmente havia muita gente inconformada com isso. Começou a surgir uma onda de bandas que resgatavam o som simples, e básico do começo. Foi época do surgimento dos Ramones nos Estados Unidos e dos Sex Pistols na Inglaterra sinalizando tudo o que havia de errado no Rock da época. Eles (e muitos outros) mostraram o quanto o estilo havia se elitizado e perdido o contato com o público original. Deixaram um legado que dura até os dias de hoje, mudando o cenário musical para sempre.

Certo. Mas o que isso tem a ver com F1?

Assim como o Rock, o automobilismo era apenas coisa de gente doida em meados do século passado. Quem se interessava tinha gosto por aventura, nenhum medo de morrer e estava em busca de diversão. Apesar de serem potencialmente mortíferas, as corridas se popularizaram tanto que em 1950 criou-se o primeiro campeonato mundial organizado. “Fórmula 1” para os íntimos.

A Fórmula 1 também cresceu demais, praticamente na mesma época, graças ao advento do patrocínio. Alguém descobriu que estampando a logomarca da sua empresa na lataria dos carros, dava um enorme lucro. Não demorou muito para todo mundo fazer o mesmo, estimulados pela presença cada vez maior na televisão.

Estratégias de marketing elaboradas começaram a ser boladas. Quantias cada vez maiores de grana começaram a ser despejadas em busca da melhor promoção. Paralelamente a isso, as montadoras entraram de cabeça na competição buscando vencer o oponente na capacidade tecnológica que conseguia produzir. Em certo momento na década de 90, os carros estavam tão avançados que praticamente corriam sozinhos.

Nesse meio tempo, o dinheiro tomou conta da Fórmula 1, de tal maneira que apenas empresas multinacionais (todas efêmeras, que vem e vão sem deixar saudades) passaram a ter condições para bancar a brincadeira. Enquanto isso, equipes de tradição genuína, como Tyrrell, Lotus (a verdadeira), Ligier, e Brabham foram morrendo uma a uma. Restaram apenas Mclaren, Sauber e Williams, mesmo assim todas atravessam grandes dificuldades.

A festa acabou quando a grande crise econômica de 2008 começou. A  instabilidade fez a maioria das montadoras sair pela porta dos fundos enquanto que essas empresas (lembram-se da Hispania, Midland e Genii?) mostraram sua inconsistência e principalmente sua irrelevância ao telespectador. Você conseguiria engolir se o Corinthians fosse comprado por uma empresa imobiliária e passasse a se chamar algo como “Hispania Football Team”? Pois é…

Recentemente, recebemos notícias estarrecedoras de Dietrich Mateschitz, criador da Red Bull avisando que se não encontrasse um motor competitivo para o próximo ano iria retirar seus quatro carros (incluindo a Toro Rosso). A possibilidade é chocante por dois motivos: primeiro por escancarar um grid constrangedoramente magro em 2016. Afinal já não há uma lista de espera por gente querendo entrar na F1. Segundo, pelo descaso com a categoria, deixando claro que só permanecerá se tiver condições de vitória. Uma condição que uma equipe de corredores genuínos jamais faria.

Também temos que admitir que mudar completamente a configuração dos motores em 2014 mantendo a proibição de testes só serviu para aumentar o abismo que separava os grandes fabricantes das equipes menores. Como é que a McLaren-Honda, por exemplo, vai evoluir se não puderem testar, praticar, se aprimorar? E como outras marcas irão se interessar em participar desse jeito?

Hoje (20/10) surgiu a notícia de que Bernie Ecclestone pode trazer de volta os motores V8 aspirados para 2016 usando deliberadamente sua força política. Seria apenas mais uma das constantes mudanças nas regras realizadas nos últimos 13 anos, que só agravaria as já debilitadas finanças das equipes menores. Mais do que tudo, é uma declaração que revela que até o alto escalão não sabe mais o que fazer. A F1 está perdidinha.

É ai que ligo o Rock com a Fórmula 1: não seria a hora da categoria também fazer o seu “movimento Punk”? Se reinventar, realizar uma autoanálise, eliminar toda a futilidade adquirida nesses anos todos e voltar a olhar para o essencial? Os mesmíssimos problemas foram sentidos no Campeonato de Turismo Alemão (DTM), que implodiu durante a década de 90, devido aos altos custos. Foi preciso alguns anos até que o certame renascesse muito mais enxuto em 2000.

Convenhamos: não é necessário um motor home de dois hectares para trazer todo o equipamento. Do mesmo modo que também não é preciso transformar o paddock numa “Wall Street” reluzente. A chegada de novas equipes deveria ser bem vinda e facilitada, assim como o acesso ao público. Eles querem e tem direito de ver mais, afinal pagam caro por isso.

Falando em público, porque eles ficaram tão distantes? Quem deveria ser mais valorizado, o xeique árabe que mal sabe quem foi Jim Clark ou o sujeito na arquibancada que acorda cedo, enfrenta fila, sol e chuva para ver o seu ídolo passar na sua frente de longe? É inconcebível que em pleno século 21 o espectador tenha tão pouco acesso aos pilotos e à história da F1, que poderia ser muito bem usada nas imprescindíveis mídias sociais e não é.

A garotada não gosta de coisas das quais não possam se identificar. Não gostam de muitas regras e de gente sisuda dizendo-lhes o que fazer o tempo inteiro. O elitismo, o ambiente exageradamente prepotente e controlado, assim como a neura com o elemento de risco distanciaram a Fórmula 1 de seu público original, transformando-se numa categoria de velhos para velhos. Para um adolescente da atualidade, assistir uma corrida é tão interessante quanto ir à aula de física com o professor mais chato da escola.

Assim como dá para fazer um ótimo show de Rock, dá para se realizar uma excelente corrida, sem exorbitâncias. Mas, para que isso aconteça primeiro é preciso reconhecer os problemas e partir para a revolução, algo que tanto a categoria quanto o seu público atual parecem relutar em fazer. É como se todos tivessem se esquecido de que tudo isso começou com o propósito de ser algo divertido. Como diz aquele trecho da música “Revolution Rock”, da banda The Clash:

“Chame sua mãe, chame seu pai
Todo mundo vai se sentir legal
Você pode sentir isso? Não ignore.”

Até a Próxima!

Lucas Carioli
Lucas Carioli
Publicitário de formação, mas jornalista de coração. Sua primeira grande lembrança da F1 é o acidente de Gerhard Berger em Imola 1989.

9 Comments

  1. Ballista disse:

    Excelente texto! De fato, a F1 precisa passar por uma revolução, tanto em seu regulamento técnico quanto esportivo. Talvez não precise ser uma mudança tão radical quanto o punk foi para o rock, mas apenas retomando o foco naquilo que é essencial já seria o suficiente. A F1 não pode ser limitada a uma categoria de endurance dividida em baterias de 2h a cada 2 semanas.

    Em termos técnicos, deve-se voltar o foco ao desempenho, e não à confiabilidade. Em termos esportivos, simplificar a dinâmica das corridas, dando fim ao DRS, KERS, ERS, reabastecimento, troca obrigatória dos pneus de farofa, pontuação até para o 10º colocado, circuitos tilkeanos.

    Em resumo, mais graxa e menos perfume.

    Abraços

  2. Mauro Santana disse:

    Grande Texto Lucas!!

    Parabéns!!

    Também sou músico, toco bateria a 20 anos e dentre várias bandas de rock que já toquei, atualmente estou na Johnny B Blues, que rola somente clássicos dos anos 50, 60 e 70.

    Temos que marcar um som qualquer hora dessas.

    Revolução F1, Revolução!!!!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-pr

    • Fernando Marques disse:

      Mauro,

      me diz o que acha deste baterista, neste video do John Forgety (Creedence Clearwater Revival).
      https://www.youtube.com/watch?v=DIhwQCuoJ94

      Fernando Marques

      • Mauro Santana disse:

        Olá Fernando!!

        Este Batera é o Grande Kenny Aronoff, o cara tem um currículo fantástico, e tem uma levada que eu acho super importante para um Batera, que é tocar com pegada.

        Segue a lista com os artistas que ele já tocou, e como eu costumo dizer, um músico deste calibre, nunca poderá ser chamado de “perneta”.

        http://drumchannel.com.br/kenny-aronoff/

        Abraço!!

        Mauro

        • Fernando Marques disse:

          Só o fato dele ter tocado com John Forgety, Lynyrd Skynyrdf (minha banda predileta), Elton John entre outras feras demonstra que o cara é fera demais da conta.
          Eu gosto da batida dele … e se ele tocou no Lynyrd é por que certamente a sua batida era bem parecida com a de Artimus Pyle que foi o 2º baterista da banda e tocou com ela durante muito tempo. Ele inclusive é um dos sobreviventes da banda ao acidente de avião ocorrido em 1977.

          um pouquinho do Artimus Pyle com Lynyrd

          https://www.youtube.com/watch?v=SY63KTMrkTM

          Fernando Marques

        • Mauro Santana disse:

          Bem isso Fernando!!

          O Lynyrd é uma grande Banda, e o Artimus Pyle outro grande Batera!!

          Abraço!!

          Mauro

  3. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    o seu texto é de uma lucidez pouco vista tal quão é sábio.
    O mercantilismo tomou conta de vez de todos os esportes em geral. E não está fazendo bem ao espetáculo …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Marcelo C.Souza disse:

      Pois é, Fernando!!!

      Se a F-1 continuar com esta sua própria “auto-destruição” ininterrupta, e alguém não tomar o comando do Bernie Ecclestone o quanto antes para iniciar uma mudança radical no seu regulamento técnico e esportivo, infelizmente a categoria mais importante do automobilismo mundial vai se transformar em uma mera lembrança!

      Na realidade, ela já está em coma há um bom tempo, o perigo maior é o “Tio Bernie” desligar de vez os aparelhos que a mantém viva.

      Vamos orar e torcer de dedos cruzados para que isto não torne-se realidade, e que a tão esperada “revolução” finalmente ocorra!!!

      Um forte abraço a todos do GPTotal !!!

      Marcelo C.Souza
      Amargosa-BA

      • Bruno Salgado Lima disse:

        Talvez tenha que morrer mesmo, ou perto disso. Lembro-me que há pouco tempo o mundial de motoGP tinha poucas motos no grid e poucos interessados. Houve alguma mudança e hoje é o campeoanto, ao lado da F-E, que mais chama atenção mundialmente, opinião minha…

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