Diversidade x uniformidade

Um pouco de história, parte 3
23/11/2015
Ressaca
27/11/2015

Nas próximas semanas, em função de seus problemas atuais, é bastante possível que a Fórmula 1 retome um velho debate, entre duas concepções extremas de automobilismo: diversidade x uniformidade técnica.

Nas próximas semanas, em função de seus problemas atuais – a percepção geral de falta de competitiva e receitas decrescentes -, é bastante possível que a Fórmula 1 retome um velho debate, entre duas concepções extremas de automobilismo: diversidade x uniformidade técnica. Teremos motores, pneus e aerodinâmica únicas, como na Nascar, GP2 ou F-E? Ou prevalecerá a liberdade para projetistas e fabricantes, como vemos hoje na F1 e na WEC, por exemplo, ainda que, no primeiro caso, com imposição de limites draconianos para a concepção e desenvolvimento aerodinâmico e de motores, além de fornecedor único de pneus?

Não vou me demorar muito no significado de cada uma dessas opções para a F1. Valendo a diversidade, seguiremos tendo o espaço criativo e engenho humano (ainda que a curva de conhecimentos torne isso cada vez menos perceptível aos nossos olhos) mas com custos mais altos e a quase inevitável existência de uma hegemonia, como a exibida pela Mercedes nas últimas duas temporadas, já que o talento e competência não são distribuídas de maneira homogênea.

Em oposição, valendo a uniformidade, teremos um cenário técnico pálido, onde o carro em si pouco significa – quem sabe dizer, por exemplo, quem é o fabricante e qual é a arquitetura de um motor de GP2? –, com custos muito menores e maior probabilidade de corridas mais disputadas, principalmente se as autoridades esportivas exercerem vigilância estreita sobre o desenvolvimento dos carros, como acontece na Nascar.

Muito próxima de ter o seu comando comercial renovado – uma hora dessas, a CVC terá de vender o controle da categoria – e pressionada pela perda de receitas, a F1 pode estar madura para virar as costas para a diversidade técnica que a caracterizou desde sua fundação e abraçar a uniformidade, tantas vezes repudiada por equipes vaidosas da própria capacidade – Ferrari e McLaren à frente – mas que foi se infiltrando aos poucos na categoria, o movimento mais incisivo nesta direção sendo a definição da Pirelli como fornecedora única de pneus.

Vale dizer desde logo que a imposição de uma ideologia, se me permitem o termo, não significa necessariamente a perda de qualidade do espetáculo proporcionado pela outra visão de mundo.

E sempre é possível uma via alternativa, mediando as duas ideologias, indo além do que a F1 fez até o momento, ainda que seja difícil chegar a um ponto capaz de atrair a concordância de todos os atores da categoria. Veremos o dia em que a Ferrari concordará em fazer correr com a sua marca um carro que não tenha sido inteiramente construído em Maranello?

Verdade que a diversidade na F1 é e sempre foi matizada. Não havia imposição de uniformidade técnica nos anos 70, apontados por muitos leitores do GPTotal como o paraíso da F1.

Naquela altura, desculpem se repito coisas que vocês já sabem, havia grande liberdade para a definição da arquitetura dos motores – turbo ou aspirados, qualquer configuração e número de cilindros e até a possibilidade de que o motor não fosse a explosão. No entanto, havia um padrão ditado, digamos assim, pela mão invisível do mercado: os V8 da Ford Cosworth, que se impuseram pela combinação de preço e desempenho, de forma que chegaram a equipar 80% ou mais do grid. Estabelecido o padrão de excelência, os Ford Cosworth tornaram possível o salto da pesquisa aerodinâmica, concentrada inicialmente no gênio de Colin Chapman. E quando a hegemonia dos Ford foi finalmente rompida pela Ferrari, em 75, o foi de maneira competitiva, quase que delicada, a disputa entre Niki Lauda e Emerson Fittipaldi sendo estendida até a última prova do ano.

Seria a estabilidade dos motores o segredo de uma categoria feliz e saudável? Aparentemente sim, mas seria melhor que esta não fosse imposta por um regulamento que, hoje, chega a ditar o número de cilindros do motor.

Temo que a decisão entre diversidade e uniformidade será tomada mais por razões comerciais do que esportivas. Se assim for, vale lembrar que interesses comerciais majoritários tendem à uniformização, tanto pela menor sintonia com a história quanto pela promessa de custos contidos. Se assim for, vai na enxurrada toda a tradição diversionista da F1. O impasse atual do regulamento técnico apenas impulsiona o moinho dos defensores da uniformidade técnica.

Libertário por natureza, eu preferiria que o regulamento técnico fosse o mais aberto possível, deixando por conta das equipes a opção por investir no que bem entendessem, como fez a Renault em meados dos anos 70, quando decidiu desenvolver os motores turbo a um custo financeiro e humano inconcebível até então.

A coragem e desprendimento da montadora francesa foi uma das páginas mais eletrizantes da categoria, a ponto de mudar inteiramente a sua face, para o bem e para o mal.

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

3 Comments

  1. Lucas dos Santos disse:

    Creio que a essência da Fórmula 1 é a diversidade e assim deve permanecer.

    A competição não é entre pilotos, mas sim entre em equipes, para ver quem cria o projeto mais inovador tecnológico e competitivo. Era o que tínhamos nos anos 70 e 80. É claro que isso eleva os custos, mas faz parte. Quem não puder arcar com eles, que se retire da categoria. Nem que isso implique em um grid com duas equipes com dez carros cada! Pode parecer um tanto radical da minha parte, mas uniformizar o regulamento, para mim, é acabar com a Fórmula 1 e transformá-la em alguma outra “coisa”!

    O que deixa a WEC interessante é a divisão em classes. Dessa forma há lugar para todos, tanto para quem tem dinheiro quanto para quem não tem. Dessa forma, as equipes de ponta não precisam ser “niveladas por baixo”, para se igualarem às equipes menores como na Fórmula 1, e são livres para desenvolver seus carros até onde seu orçamento permitir. Equipes como Audi, Porsche e Toyota não competem diretamente com as demais equipes da LMP1. O mesmo vale para as demais classes.

    Talvez a saída fosse também segregar a F1 em classes, mas talvez isso descaracterize a categoria tanto quanto a idéia de uniformizá-la. Enfim, é uma situação complicada. Mas a diversificação é a chave. Até a Fórmula E está partindo para a diversificação, com as equipes, nesta segunda temporada, tendo a liberdade de escolher quais motores usar, quantos motores usar, e quantas marchas usar.

  2. Fernando Marques disse:

    O Grupo de Estratégia da Formula 1 confirmou que tudo segue como está, rejeitando a sugestão do Tio Bernie e J. Todt, para em 2017 as pequenas equipes pudessem usar um motor alternativo e mais barato … ou seja as unidades de potências continuarão sendo as mesmas … as montadoras prometem para 2017 ou no mais tardar 2018 baixar os custos das unidades e aumentar o ronco dos motores …
    Edu assim sendo entendo que tudo continuará como está … se tivermos alguma mudança esta será da Ferrari que promete andar na frente das Mercedes já no ano que vem …


    Mark Webber conquistou o Campeonato Mundial de Endurance pela Porsche em 2015. Este é o seu primeiro título de importância significativa em sua carreira …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Mauro Santana disse:

    Grande coluna Edu!

    To contigo, mas não consigo ver um futuro azul pra F1, infelizmente.

    Segue este pequeno vídeo da pré temporada de 1987.

    Interessante o comentário do Senna quado este fala “vai se gastar tanto quanto antes”.

    Então, este papo que a F1 tem que cortar custos, nunca vai colar.

    https://m.youtube.com/watch?v=07QwYiRkUKM

    Abraço

    Mauro Santana
    Curitiba-Pr

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