O americano tranquilo

Outsiders
16/12/2015
Histórias de Pilotos
11/01/2016

A fascinante história de Phil Hill, campeão mundial de 1961.

Phil Hill é provavelmente uma das mais brilhantes mentes a passar pela Fórmula 1. Uma pessoa com enorme sensibilidade para pessoas, máquinas, artes e técnicas – que o levaram a ser não apenas um piloto muito completo, mas como também uma pessoa com habilidades múltiplas.

Phil nasceu 20 de abril de 1927, em Miami, no estado da Flórida. Seu pai muda com a família para a Califórnia, se estabelecendo na cidade de Santa Monica, onde Hill tem uma vida tranquila até o final da adolescência.

Quando completa 18 anos, ele entra na Universidade do Sul da Califórnia. Seu interesse pelos estudos, porém, é muito pouco. Já que o ambiente acadêmico não o fascina o suficiente, ele abandona a faculdade para trabalhar numa oficina especializada em restauração de carros antigos.

Hill nutre uma verdadeira paixão pela restauração e acaba se tornando uma pessoa de gosto refinado. Essa paixão o faz gostar não apenas dos clássicos automóveis, como também da pintura, arquitetura e especialmente da música. Ele era um excelente afinador de pianos!

Em pouco tempo, Phil desperta seu interesse por corridas. Começou a competir amadoristicamente em 1949. Não no gosto americano de corridas em ovais, com stock cars, mas sim com carros esportivos, um nicho que não havia na indústria americana de carros com seus sedans enormes e macios. Em sua corrida de estreia, em Carrell Speedway, uma vitória logo de cara, a bordo de um clássico MG inglês.

Hill mirava os carros europeus, os modelos de Turismo e Gran Turismo. Como lembra Dan Gurney, grande piloto e construtor norte-americano dos anos 60, Phil era apaixonado pela História do automobilismo. E lendo sobre as glórias da Alfa Romeo em competições por toda a Europa antes da II Guerra, queria importar um carro da marca para competir.

Em 1951, consegue comprar uma Alfa Romeo 8C 2900 de segunda mão, que havia vencido a Mille Miglia de 1938. Hill acaba sendo o introdutor da marca italiana em competições de carros esporte nos EUA. Na primeira corrida que faz com o carro, em Pebble Beach, Califórnia, vitória com um carro que já tinha 13 anos, competindo contra modelos muito mais novos.

Em seguida, resolve ir para a Europa para fazer um curso de aperfeiçoamento na Jaguar. Vende sua Alfa 2.9 por 4 mil dólares (hoje elas valem algo como 5 milhões de dólares, mas quem vai adivinhar o futuro, né?!).

Em seu retorno para os Estados Unidos, Hill traz na bagagem um modelo XK 120. Ele investe seu esforço e dinheiro na sua carreira e participa com seu Jaguar de diversas corridas, obtendo uma vitória em Palm Beach na classe de carros esportivos.

Em 1951, tendo recebido a herança de seus pais, resolve comprar uma Ferrari 212 e começa a ganhar notoriedade ao vencer diversas provas. O ano seguinte é o da sua primeira participação em eventos internacionais, indo à Argentina participar dos 1000 km de Buenos Aires.

Na famosa Carrera Panamericana, no México, ele compete fazendo dupla com o também americano Richie Ginther, em uma Ferrari particular. Ambos obtêm um excelente sexto lugar, o que desperta o interesse de ninguém menos que Enzo Ferrari, que acompanhava tudo lá da Itália. E é na categoria Esporte que Hill começa a chamar a atenção no meio automobilístico. Voltando a disputar a grande corrida do México, fica com um excelente 2º lugar na edição de 1954, novamente de Ferrari particular.

Curiosamente, Enzo Ferrari reluta em levá-lo a sua equipe de Fórmula 1. Um nome seria responsável pela mudança de mentalidade do velho comendador: Luigi Chinetti. Foi ele quem percebeu o potencial de Hill e convenceu Ferrari a lhe dar uma chance.

Vale lembrar que Chinetti era reverenciado por ser o primeiro homem a ganhar em Le Mans pilotando uma Ferrari e nessa época era o importador oficial da Ferrari nos EUA. Seu argumento foi simples:

– Deixe um americano pilotar que vamos vender muitos mais carros por lá.

Entre 1953, até meados de 1958, Phil Hill ganha diversas provas para carros esportivos, inclusive as 24 horas de Le Mans 1958. No fim daquele ano, finamente consegue sua chance na escuderia principal e acaba ajudando Mike Hawthorn a conquistar o título de 1958.

Essa ajuda vem de sua excelente corrida em Monza, onde ele ataca Stirling Moss, o que acaba forçando o abandono do inglês. Na sequência, Phil cede o segundo lugar para Hawthorn. Na corrida seguinte, no Marrocos, ele novamente cede a passagem para que Hawthorn termine em segundo e conquiste o título pela apertada margem de 1 ponto.

Na temporada seguinte, em 1959, Hill é considerado o 3° piloto da equipe, tendo como companheiros os pilotos Tony Brooks e Jean Behra. A Fórmula 1 começa a se acostumar com a presença deste californiano nem um pouco convencional, até destoante dos demais pilotos, em sua forma de encarar o automobilismo.

Ele é motivado apenas pelo prazer de pilotar: “É um raro prazer, quase inexplicável, assumir o volante e pilotar de um carro de corrida em uma manhã ensolarada, com a pista ainda limpa sem sujeira ou óleo e as arquibancadas vazias”.

Seu jeito o levava a não participar das festas e eventos que sucediam as provas e as noitadas que os demais pilotos costumavam participar. Ele preferia ficar no hotel, ouvindo óperas. Muitas vezes, enquanto residiu na Europa, ia ao Scala de Milão para assistir as peças em cartaz.

Chegar à F1 não significou para Hill o abandono das corridas de endurance. Tendo vencido 3 provas em Sebring (1958, 1959, 1961) e por 3 vezes as 24 horas de Le Mans (1958, 1961 e 1962), todas pela Ferrari e tendo como companheiro o belga Olivier Gendebien, eles formaram a melhor dupla do mundo em corridas de duração naquela época.

O ano de 1960 é de altos e baixos na F1, pela insistência de Enzo com carros de motor dianteiro, se opondo à revolução do Cooper. Chegando ao GP da Itália, em Monza, a 9ª prova do campeonato, os organizadores resolvem que a prova seria disputada no circuito completo, que incluía o famoso anel de curvas inclinadas.

As equipes inglesas ficam revoltadas com a decisão, que nitidamente foi tomada para favorecer a Ferrari. Em protesto, vários times decidem boicotar o evento. Nestas circunstâncias, Phil conquista sua primeira pole e na corrida, vence.

Esse resultado é emblemático por duas razões. A primeira é que essa é a primeira vitória de um americano na categoria, excetuando as 500 Milhas de Indianápolis computadas nos anos 50. E segunda é que essa prova acabou marcando a ultima vitória de um carro equipado com motor dianteiro na Fórmula 1.

A temporada de Fórmula 1 1961 marca uma mudança de regulamento, com a redução da cilindrada dos motores de 2,5 litros para 1,5 litros. As novas regras pegam a maior parte das equipes despreparadas.

A Ferrari finalmente domina a arte da fabricação de carros com motor traseiro e prepara o modelo 156, que ficou conhecido por “nariz de tubarão”. De imediato são considerados como grandes favoritos na corrida para o título mundial.

No primeiro Grande Prêmio da temporada, em Mônaco, a franca favorita Ferrari acaba sendo surpreendida por um Stirling Moss no seu auge. Mesmo com uma pouco potente Lotus da equipe Rob Walker, consegue vencer.

A partir das corridas seguintes, a Ferrari volta a ter protagonismo quase total. Behra havia morrido, Brooks tomou outros rumos e agora Hill tinha como companheiro o conde alemão Wolfgang Von Trips, com quem divide a maior parte das vitórias do ano. Enquanto isso, Hill continuava dominando as endurances, sempre em companhia de Gendebien.

O GP da Itália, penúltima etapa, novamente é disputado na pista completa.  Marchas longas e batalhas no vácuo eram a ordem do dia. Hill coleciona a maioria das poles do ano, mas em Monza, Von Trips, que tem 4 pontos a mais na tabela, é o mais rápido.

Na largada, porém, Phil larga melhor. Na segunda volta, a tragédia. Von Trips tenta sair do vácuo na tomada da Parabolica, mas não vê a Lotus do ascendente Jim Clark ao seu lado. Os carros se tocam. Clark roda em direção ao gramado interno, enquanto a Ferrari do alemão vai diretamente para o público em alta velocidade. Piloto e mais 14 espectadores morrem, naquela que continua sendo a maior tragédia da história da F1.

Organizadores, a título de não provocar tumulto, dão continuidade à corrida. Diferentemente do acontecido em Le Mans 6 anos antes, quando a Mercedes retirou seus carros após ser pivô do acidente fatal que marcou aquela prova, Enzo mantém Hill na pista, rumo à vitória. Triunfo e luto.

Aos 34 anos, Phil Hill se estabelecia no status de lenda ao se tornar o primeiro americano campeão de Fórmula 1 no mesmo ano em que venceu as 24 horas de Le Mans, feito que ninguém repetiu até hoje.

Alguns anos depois, quando perguntado sobre sua relação com Enzo Ferrari, Hill falou: “Eu ganhei muitas corridas para ele, mas não fui o seu tipo de piloto, vi muitos morrerem pela escuderia e Enzo só fazia favores pelos que corriam risco acima do normal por ele. Só que eu não quis me tornar um mártir para ele”.

O americano resolve sair do time ao fim de 1962, junto com muitos outros engenheiros que formariam o natimorto projeto ATS. Em 1964 ainda corre uma temporada discreta pela Cooper, antes de abandonar a F1.

Continuou, porém, nas endurances. Sua última prova na carreira foi a BOAC 500 1967, disputada em Brands Hatch. O homem que começou a competir vencendo, encerrou a carreira também vencendo, a bordo de um Chaparral.

Homem de tantos talentos, Hill voltou aos seus dias de juventude, curtindo as décadas seguintes a restaurar carros e a participar ativamente de eventos históricos, como o pomposo festival Pebble Beach. Também restaurava pianos, participou como comentarista de transmissões de TV, escreveu vários artigos para a revista Road & Track, além, claro, de beber incansavelmente de cultura.

Hill não queria superar ninguém. Não tinha competitividade no sangue. Não queria ser um herói. Não era um guerreiro, era um pacifista que apenas queria o prazer das boas coisas da vida, como o de tratar um carro de competição como ele merece.

O americano tranquilo se despediu da vida em 2008, entrando para a história do esporte que tanto o fascinava na juventude.

Termino meu ano no GPTotal com desejos de um excelente 2016!

P.S.: Este foi meu primeiro texto em dupla com Lucas Giavoni. Outros podem surgir pelo caminho nessa parceria…

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

6 Comments

  1. Ronaldo disse:

    VOOOOOOLTEEEEEMMMM!!!!!!!!!!

  2. Fernando Marques disse:

    Estou de volta para meu ultimo comentário do ano.
    O ano de 2015 para o GEPETO foi de arromba … muita coisa boa foi dita e debatida … se na Formula 1 a temporada foi meio que chata aqui no GEPETO foi ao contrário … foi bom de ver, de ler e de comentar durante o ano inteiro. O que me faz a cada dia mais fã do site …
    Desejo um grande Natal para todos
    Desejo uma grande virada de ano e um feliz ano de 2016 com crise e tudo para todos!!!!
    Tudo de bom!!!!

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Sandro disse:

    “Tim Randolph” “correu” com uma McLaren-Ford Serenissima 4.7 litros Em Spa 1966. Era um “carro-camera”.
    Era o personagem de Phill Hill em Grand Prix!

  4. Mauro Santana disse:

    Bela coluna, amigos Lucas e Mário, Parabéns!!!

    Esta época em que os pilotos eram mais “versáteis”, sem duvida fez com que muitos brilhassem em outras categorias sem ser a F1, e o Phil Hill provou isto.

    Tempos românticos no automobilismo.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  5. Fernando Marques disse:

    Mario,

    para mi as suas colunas foram as grandes surpresas do GEPETO em 2015. Não tenho duvidas, ainda mais agora com a parceria do Lucas Giavoni, que elas serão um tremendo sucesso em 2016.
    Quanto ao Phil Hill, confesso que sabia pouco ou quase nada sobre ele … e lendo a sua coluna fiquei mais uma vez impressionado pela história. Muito bom.
    Uma coisa interessante é que pouco se fala ou se escuta sobre os feitos do Phil Hill na terra do Tio Sam. Os grandes ídolos são todos da Nascar. A impressão que tenho é que se o Mario Andretti não fosse feliz na Indy também estaria esquecido, mesmo tendo sido campeão na Formula 1.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Marcelo C.Souza disse:

      Fernando

      A F-Indy não possui a mesma popularidade da NASCAR mas também produziu grandes ídolos nos EUA, como o Rick Mears(o mestre dos ovais), o clã dos Unsers ( o Al Unser Sr., o Bobby Unser e o Al Unser Jr.), o clã dos Andrettis(o Mario Andretti e o Michael Andretti), o Bobby Rahal, o Robby “Flash” Gordon e até mesmo pilotos estrangeiros muito queridos pelo público norte-americano, como o Emerson Fittipaldi, o Alex Zanardi e o “holandês voador” Arie Luwendyk.

      Mas a grande verdade é que as “categorias do Tio Sam” nunca deixaram a F-1 decolar por lá por serem muito mais equilibradas, coisa que vem faltando no “circo do Tio Bernie” já há muito tempo.

      Um forte abraço a todos do GPTotal e um excelente 2016!

      Marcelo C.Souza
      Amargosa-BA

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *