Replay – parte I

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Replay – parte II
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Acompanhe primeira parte da história do alemão Rolf Johann Stommelen

Desde o principio da civilização, o passo do tempo tem intrigado os filósofos e logo surgiram teorias que postulavam que todos os acontecimentos se repetiam numa seqüencia sem fim. Que o passado sempre retornava e que o futuro nada mais é que o passado ainda por voltar. Assim foi germinando o conceito chamado do eterno retorno, que estabelece o caráter recorrente da nossa existência e de como, cedo ou tarde, tudo volta a acontecer.

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, também tratou deste assunto faz mais de cem anos, e mantinha que nada retorna de maneira exata e cíclica, pois sempre haverá pequenas e sutis diferenças nas circunstâncias e no decorrer dos fatos, mesmo que o resultado seja muito similar. Por sua parte o escritor Hermann Hesse, em seu livro “Siddharta”, nos conta como o protagonista recorda com muita pena como sua desobediência havia sido origem de episódios de tristeza vividos com seu pai, e de como estes mesmos episódios agora se repetiam com seu próprio filho.

No dia 11 de julho de 1943, em pleno auge da segunda guerra mundial, as tropas aliadas iniciam a invasão da Sicilia. Nesse mesmo dia, muito longe dali, na pequena cidadezinha de Siegen, no sul da Alemanha, nasceria um menino que receberia o nome de Rolf Johann Stommelen. Desnecessário dizer que em tempos de dura guerra e de uma pós guerra de grandes necessidades, as coisas não eram fáceis para a familia Stommelen. Depois da guerra, se mudam para Coôonia e com muito trabalho, seu pai abre uma oficina mecânica.

Rolf nunca foi bom estudante, mas desfrutava muito ajudando o pai na oficina, pois do que gostava mesmo era de mecânica e de carros. Isto causaria nao poucos conflitos com o pai, quem insistia em que Rolf devia terminar seus estudos. Finalmente, com 19 anos de idade e esforçando-se bastante, o relutante Rolf termina os estudos e consegue um certificado técnico. Isto, mais uma recomendação do pai, lhe permitiriam ser admitido para trabalhar na principal concessionária VW-Porsche da cidade.

Muito satisfeito, o senhor Stommelen, premiaria seu único filho com um Porsche super 90, com o que Rolf começaria a descobrir o automobilismo e a “explorar” o circuito de Nürburgring. Após mostrar bastante talento ao volante em corridas locais para aficionados, subidas de montanha e gincanas, o pai, desta vez, lhe premia com um Porsche GTS 904 que havia comprado com grande sacrifício pois o carro, à época, custava uma pequena fortuna. Rolf, agora com 21 anos de idade, não decepcionaria a confiança que o pai havia depositado nele e logo na primeira corrida oficial importante na que se inscreve… termina em terceiro lugar!

Rolf continuaria mostrando muito talento durante 1965 com seu GTS 904, quando participa em varias provas do campeonato alemão de turismos e em algumas subidas de montanha. Em 10 participações, consegue cinco 2º lugares (um deles em sua primeira corrida em Nurburgring), dois 6º e um 7º. Também participa por primeira vez nas 24 horas de LeMans, junto ao francês Christian Poirot, mas sem poder terminar por problemas na caixa de câmbio. Contudo, seu talento não passa despercebido e Porsche o chama para que se integre em sua equipe oficial de LeMans para 1966 e corra com suas equipes cliente em outros eventos.

Assim, com um Porsche 906 e junto a Gunther Klass, Rolf venceria a prova francesa em sua categoria, ficando em 6º lugar na classificação geral. Com esta vitória, Rolf é chamado a formar parte da equipe oficial de Stuttgart para 1967, sendo, com 23 anos, seu mais jovem integrante. Na equipe havia gente veterana e consagrada como Jochen Neerpasch (4 anos mais velho), Gunther Klass (7 anos mais velho), Gerhard Mitter (8 anos mais velho), Jo Siffert (8 anos mais velho), Vic Elford (8 anos mais velho) ou Hans Herrmann (15 anos mais velho).

Já nesse ano de 1967, Rolf manteria uma dura disputa com Mitter no campeonato europeu de montanha, durando a emoção até a última prova em Geisberg, onde venceu Rolf. Assim, ambos acabariam com 4 vitorias cada um e Rolf perderia o titulo apenas devido ao seu abandono em Trento-Bondone, na Itália. Entrementes, no mês de maio se celebra a famosa Targa Florio na Sicilia e Porsche se apresenta com uma consistente dupla formada por Hans Herrmann e Jo Siffert, a bordo do modelo 910/8. Porsche também inscreve outro 910/8 para uma dupla improvisada no último momento: Rolf Stommelen e Paul Hawkins, piloto australiano, até então, de pouca relevância.

O chamado circuito de “La Madonnie” discorria por lugares onde se haviam ferido ferozes combates durante aquela invasão aliada de 1943 e resultava um verdadeiro desafio para os pilotos, com seus 72 km e 567 curvas. Surpreendentemente Rolf e Paul, que nunca haviam corrido ali, acabam vencendo enquanto que Herrmann-Siffert terminam em 6º lugar. Aquela seria a primeira grande vitória numa prova importante na historia da Porsche.

1968 começaria com uma vitória nas 24h de Daytona e pouco depois junto a Neerpasch, Rolf acaba 2º nos 1000km de Monza. Nas classificações para as 24h de LeMans em abril, Rolf é o piloto mais rápido da Porsche, tanto com o modelo 907 quanto com o 908, ainda que superado por Jackye Ickx e seu inalcançável Ford GT40. Na corrida, Rolf, novamente com Neerpasch, terminaria 3º, marcando a volta rápida da prova. Ainda em 1968, Rolf, junto a Herrmann, seria 2º nos 1000 km de Nurburgring e 3º nos 1000 km de Spa, para terminar a temporada vencendo nos 1000 km de Paris. Rolf também participava no campeonato europeu de montanha sendo, novamente, vice campeão atrás de Mitter.

Apesar da boa temporada no que a resultados se refere, dois acontecimentos tiveram grande impacto em Rolf. Em junho, no troféu de montanha de Rossfeld, Rolf quebra um braço numa feia saída de pista. A continuação, o italiano Ludovico Scarfiotti, verdadeiro as da especialidade que se havia unido à Porsche essa temporada, perde o controle do carro no mesmo lugar e da mesma forma que Rolf, mas deixando sua vida lá mesmo. Ambos pilotavam um 910. A Porsche, sempre tratou o assunto como um acidente de corrida, mas pairava no ar a sensação que os acidentes foram devidos a que os carros tinham um defeito de fabricação.

Poucos dias depois, Gunther Klass, com quem Rolf havia vencido sua primeira prova importante, perdia a vida testando no circuito de Mugello, na Itália. Isto, unido à atitude da Porsche de priorizar os pilotos estrangeiros como Elford, Attwood ou Siffert (possivelmente para promover suas vendas no exterior) relegando-o a piloto reserva, apesar de ser habitualmente o mais rápido de todos, levam Rolf a pensar sobre a possibilidade de se aventurar com os monopostos de formula. A tudo isto, se somaria a morte de Gerhard Mitter nos treinamentos para o GP da Alemanha em Nurburgring, em agosto.

Contudo, a idéia ficaria em suspenso quando a Porsche lhe diz que se prepare para 1969 e sua paixão pelo automobilismo se acaba impondo a tudo. Com o bom resultado em LeMans, a gente de Stuttgart estava decidida a vencer a prova e se dedica de cheio à tarefa de construir um novo carro. Teria um ligeiro chassi derivado do 908, mas equipando um novo motor de 4,5 litros com uma potencia estimada em torno aos 650 cv. O carro receberia o codinome 917.

Antes dos testes para a homologação do carro em LeMans, Rolf termina em 3º lugar nas 12 h. de Sebring com um 908. Enquanto isso, vários dos outros pilotos da Porsche haviam provado o 917, sendo o veredito unânime: o carro éra incontrolável! Vic Elford, Brian Redman, Hans Herrmann e Jo Siffert, apos provar o 917, haviam preferido correr com o 908 em Brands Hatch e Nurburgring, onde vencem Redman e Siffert. O trabalho no 917 continua e no principio de abril a equipe vai para os testes em LeMans.

Desta vez, o 917 é deixado nas mãos de Elford e de Rolf. Segundo os engenheiros da Porsche, se esperavam tempos de cerca de 3′ 26″ por volta, com uma velocidade máxima en torno a 320 mk/h. O australiano, depois de dar algumas voltas a bom ritmo diria: “É necessário um esforço sobrehumano para controlar esta besta ! “. A partir de entao, assim é como seria conhecido o 917: a besta. Depois seria a vez de Rolf.

O alemão, desde o principio, imprime um ritmo infernal e deixando a todos atônitos, bate o recorde do circuito com um tempo de 3′ 22,9″, superando a marca estabelecida por Denny Hulme em 3′ 23,6″ dois anos antes e alcançando incríveis 355 km/h na reta Mulsanne. Considerando que depois do recorde de Hulme, a pista havia recebido as chicane Ford, que aumentaram o tempo por volta em mais de 10”, o tempo de Rolf era uma verdadeira proeza. Rolf , além do mais, foi o primeiro piloto em superar a barreira dos 350 km/h em LeMans.

Para a corrida, Stommelen partiria da pole, com Elford em segundo, ambos com o 917. Desde a largada os dois logo de destacam do resto, mas Rolf imprime um ritmo tão forte que Vic vai ficando para tras. Contudo e com a vitória perto, a dupla Rolf – Arhens seria obrigada a abandonar na hora 20, depois de haver sofrido perdas de óleo desde varias horas antes e que lhes obrigavam a reabastecer óleo cada 15 voltas. Elford – Attwood também abandonariam pouco depois, deixando a vitória nas mãos de Icks e seu fiável GT40.

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httpv://youtu.be/ZhVnLObVF7Q

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Depois disso, e após haver “domado” o 917, Rolf assume a maior parte do trabalho de desenvolvimento do carro, ainda que não voltaria a pilotá-lo em provas oficias. O 917 avança mas só reapareceria na última corrida do campeonato mundial de marcas na Áustria, onde a dupla Siffert – Ahrens vence os 1000km de Zetweg. Rolf abandonaria a Porsche no fim da temporada deixando que fossem outros os que acabassem colhendo os frutos de seu árduo trabalho com o 917, que logo se converteria no carro a bater em 1970 e 1971. Agora Rolf estava na Alfa-Romeo onde, lhe esperava o trabalho de desenvolver o modelo T33. O trabalho de Rolf na Porsche não havia passado despercebido para Carlo Chiti, quem o queria em sua equipe. Nessa temporada de 1970, o 7º lugar nos 1000 km de Monza é seu melhor resultado.

Confira na próxima sexta a continuação dessa história

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

4 Comments

  1. MarcioD disse:

    Belo Texto Manuel!!

    Já gostei de cara ao ver a foto dos 3 917 em Daytona. Para mim trata-se do melhor esporte-protótipo de todos tempos, o mais belo, e com o ronco de motor mais bonito.
    O video de Le Mans 69 é show de bola, bem como a trilha sonora, na vitória apertada de IcKx com o GT40 sobre Hermann com o 908 cupê.
    Na verdade o 917 de 69, com motor de 4,5 litros tinha uma potência de 580 cv, e apresentava problemas de instabilidade em curvas devido à cauda longa.
    Com a entrada da Ferrari com o modelo 512S de 5,0l em 70, aumentaram a cilindrada para 4,9l atingindo a potência de 630 cv e criaram o cauda curta 917K, para resolver os problemas de dirigibilidade.
    Ai, venceram Le mans em 70 e 71 e detiveram o recorde de distância percorrida em 24 horas por mais de 40 anos.

    Abraços,
    Marcio

  2. Mauro Santana disse:

    SHow Manuel!!!

    Em Le Mans 69 foi o Rolf Stomelen que ao abandonar a prova sai do carro com o público de frente aos box a aplaudi-los em pé?!

    Realmente, os caras tinham que ser corajosos pra domar aquelas bestas.

    Também estou no aguardo da parte 2!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  3. MarcioD disse:

    Belo Texto Manuel!!

    O vídeo também é fantástico com belíssima trilha sonora.

    Sobre as coisas voltarem a acontecer vide sobre a precessão dos equinócios, o movimento de “cambaleamento de pião” do eixo de rotação da terra(que é inclinado em relação ao plano de órbita),que dura 25.920 anos e é equivalente ao ciclo de respiração humana em um dia em repouso(18x60x24) conhecido com ciclo de Platão.

    O texto fala do 917 um dos carros de corrida mais icônicos de todos os tempos, no meu entendimento o melhor esporte protótipo de todos os tempos,o mais belo, e com o ronco de motor mais bonito, tanto em aceleração como em redução.Não há V12 (mesmo o Matra), V8, ou BRM H16 ou Mazda 787 ou qualquer V10 F-1 que se compare. https://www.youtube.com/watch?v=FkP5Svl16Qg
    Poderiam até ter a expectativa de 650 cv no motor de 4,5 litros, mas quando foi lançado em 1969 a potencia do motor V12 180° era de 580 cv. Foi uma evolução do motor de 3 litros do 908 com 4 cilindros a mais (3 x 1,5=4,5), só que o do 908 era boxer Teve muitos problemas de dirigibilidade e instabilidade, por causa da cauda longa principalmente, desenvolvida para altas velocidades.
    No inicio da corrida de 69(mostrada no vídeo) o 917 fez sua 1ª vitima o piloto independente John Woolfe. No principio de vídeo vemos também a belíssima Ferrari 312 coupé V-12 de 3 litros.A corrida foi decidida, com final dos mais apertados, com vitória do GT40 de Ickx sobre o 908 cauda longa de Hermann.
    Para 1970 introduziram o modelo 917K(Kurzheck) de cauda curta (resolvendo o problema da instabilidade) e o motor de 4,9 litros,com aumento do diâmetro dos pistões, ai sim atingiram 630 cv, por causa da entrada da Ferrari 512S. O Modelo cauda
    longa passou a ser conhecido como 917LH(Langheck). No filme “24 horas de Le mans”, no inicio, temos a briga dos dois modelos onde podemos ver a instabilidade do cauda longa nas curvas. https://www.youtube.com/watch?v=PT59amOra78
    Venceram Le Mans em 70 e 71 sendo que neste ultimo ano estabeleceram um recorde de distancia percorrida em 24 horas que só foi batido recentemente pela AUDI. Detiveram por muito tempo o recorde de velocidade máxima na reta Mulsanne.
    Com a mudança de regulamento para 72, foram para os EUA, disputar a Can Am com o modelo 917/10 ( 5l,turbo, 850 Cv) e 917/30 (5,4l turbo 1100cv), sendo campeões em 72 e 73 onde derrotaram os Mclaren V8 até então imbatíveis.

    Abraços,

    Márcio

  4. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    fico imaginando o quanto era difícil domar aqueles carros dos anos 70 em Le Mans, Monza, em subidas de montanhas … imagina como se comportaria nas pistas aqueles carros com a tecnologia dos pneus atuais ..

    estou no aguardo do replay-parte 2
    E assim conhecer a historia do Rolf Stomelen, onde a unica lembrança que tenho foi aquele maldito GP da Espanha de Formula 1 em 1975.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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