Exceção ou regra?

Até na Rússia
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Nico Rosberg chega à sua sétima vitória seguida e dispara cada vez mais na liderança do Mundial de F1 2016.

Temos diversos assuntos interessantes para serem analisados após esse GP da Rússia de 2016.

Começando pela corrida em si, a vitória acabou sendo decidida, mais uma vez, por critérios de eliminação. Considerando que o degrau mais alto do pódio seria disputado exclusivamente entre os pilotos da Mercedes e, eventualmente, Sebastian Vettel, é fácil compreender o resultado final quando se leva em conta que Hamilton voltou a sofrer com problemas em sua unidade de potência e não participou da Q3, sendo obrigado a largar em décimo, ao passo que Sebastian Vettel teve trocar a caixa de câmbio, perdeu cinco posições no grid e, como se não bastasse, ainda levou duas pancadas por trás da Red Bull de seu novo nêmesis, Daniil Kvyat, nas curvas 2 e 3, abandonando ainda na volta inicial.

Lewis ainda conseguiu alcançar a segunda posição, tendo escapado ileso – e cortado um bom pedaço de pista – em meio à carnificina da curva 2, antes de superar a Williams de Felipe Massa e a Ferrari de Räikkönen, e, por fim, a Williams de Bottas, logo após realizar seu único pit stop.

Alcançar Rosberg, no entanto, não seria possível, numa disputa à distância marcada por três momentos distintos.
O primeiro deles, nas últimas voltas do stint inicial, foi amplamente favorável ao alemão. Correndo de frente para o vento e sem sofrer pressão de ninguém, Nico teve condições ideias para administrar pneus e consumo de combustível, fazendo voltas muito rápidas num momento em que seus perseguidores mais próximos já apresentavam sensível perda de desempenho ou se encaminhavam para os boxes. Foi nesse momento crucial que a distância entre as duas Mercedes saltou de seis para 13 segundos.

Mesmo tendo pneus três voltas mais velhos que os de Rosberg, Hamilton conseguiu iniciar um ataque efetivo ao alemão a partir da trigésima volta, quando o filho do campeão mundial de 1982 começou a encontrar tráfego mais pesado pela frente. Nas seis voltas seguintes a distância caiu de 12 para 7,1s, e nem mesmo a interrupção do DRS em função do abandono de Vertappen impediu que Hamilton negociasse melhor as ultrapassagens.

Contudo, quando a corrida parecia pronta para mudar de mãos, veio o comunicado via rádio de que a Mercedes do tricampeão mundial estava sofrendo com problemas na pressão d’água. De imediato Rosberg aumentou o ritmo, elevando de novo a distância para a casa dos 13s. Quando foi avisado de que a situação havia voltado ao normal, Hamilton já não tinha mais nada a fazer, senão se conformar com mais uma segunda colocação. A forma como ultrapassou o rival na volta de desaceleração deu uma mostra bastante exata de seu atual estado de espírito, após ver o companheiro de equipe conquistar sua sétima vitória consecutiva.

Em linhas gerais, as posições atrás das Mercedes também foram definidas em meio a abandonos ou atrasos.
Superado na pista pelo compatriota Bottas, ao volante de uma Williams nitidamente evoluída, Räikkönnen reconquistou o último degrau do pódio pela forma como conseguiu chegar forte ao fim do stint inicial, ganhando a posição na troca de pneus. Quanto a Massa, ele jamais foi páreo para o companheiro na Rússia, mas teve um ritmo decente e beneficiou-se dos problemas enfrentados por Vettel e pelas duas Red Bull para garantir a quinta posição. Destaque ainda para a excelente atuação de Fernando Alonso, sexto numa McLaren que aos poucos parece reencontrar seu rumo, seguido por Magnussen, Grosjean (a Haas pontuando pela terceira vez em quatro corridas), Pérez e Button.

Felipe Nasr não tirou grande proveito do novo chassi. Um pneu furado o levou aos boxes na décima volta, dexando-o numa situação limite para conseguir levar o carro até o fim sem nova troca de borracha. O ritmo caiu muito nas voltas finais, e o brasiliense ainda teve que cumprir punição por ter feito uso da área de escape numa disputa com a Manor de Pascal Wehrlein.

Nico Rosberg vencer sete corridas consecutivas é algo que podemos chamar de uma tremenda aberração estatística.
Tendo acumulado 11 triunfos ao longo de suas 182 primeiras largadas na categoria, Rosberg precisou de apenas sete provas para ampliar este número em 63,63%.

Tamanha sequência encontra apenas três precedentes históricos, todos eles protagonizados por primeiros pilotos inquestionáveis, ao volante do melhor carro do grid em suas respectivas épocas.

O caso de Nico, no entanto, foge completamente a este perfil. Pois, ainda que formalmente o discurso seja de paridade entre os pilotos, na prática poucos hesitariam em apontá-lo como segundo piloto da fábrica de Stuttgart.
Ora, como explicar tal concentração de resultados nas mãos de um piloto que, até então, vinha sendo amplamente dominado pelo companheiro de equipe?

Refletindo sobre o tema e olhando com atenção as últimas sete corridas, parece ser possível apontar uma série de fatores, mais ou menos importantes. De imediato, é preciso ver que Nico está fazendo a parte dele. Ao fim de 2015 – mais especificamente desde o nascimento de sua filha Alaïa, após uma gravidez de risco que certamente não contribuiu para a qualidade de sua pilotagem nos meses anteriores – ele emendou uma sequência de seis pole positions, e a partir delas fez corridas seguras, num ritmo forte mas bem administrado, que lhe valeu a vitória nas três últimas corridas do ano, num momento em que Hamilton – já tricampeão do mundo – simplesmente parecia desmobilizado.

Outro fator importante diz respeito ao efeito causado por sucessivas vitórias e sucessivas derrotas à própria pilotagem. Já tive oportunidade de ouvir de vários pilotos que o maior segredo para entregar bons desempenhos reside na autoconfiança, gerando um ciclo de positividades que pode ser identificado com muita clareza, por exemplo, nas carreiras de Mika Häkkinen e Jenson Button na Fórmula 1.

Por outro lado a pressão, a desconfiança geral e o nervosismo tendem a exercer efeito contrário, como podem atestar Alessandro Zanardi e Antônio Pizzonia em suas passagens pela Williams. Em resumo: certamente Rosberg está vivendo o melhor momento de sua pilotagem, enquanto Hamilton certamente luta contra sentimentos contraproducentes, que podem ter ou não relação com suas largadas e imbróglios na Austrália e no Bahrein.

Por fim, há que se considerar ainda esse latrinário – obrigado, Edu! – regulamento técnico, no qual um problema de motor nos treinos significa um fim de semana perdido para o piloto. Sob o pretexto de uma economia porca e incongruente com o tamanho e a importância da Fórmula 1 (e com o objetivo real de forçar emoções ao posicionar conjuntos fortes na rabeira do pelotão), qualquer pane é motivo para macular a sagrada relação entre o grid de largada e os tempos durante a classificação, abrindo uma enorme porta para que um campeonato mais competitivo possa, em última análise, ser decidido por um fator imponderável como sorte ou azar.

Até hoje, sempre que um piloto venceu três ou mais corridas em sequência no início de um campeonato mundial, o título foi conquistado ao fim do ano. A pergunta que fica é: conseguirá Rosberg ser o primeiro a perder um título sob estas condições? Ou, colocando de outra forma: terá Lewis Hamilton a tranquilidade e o engajamento necessários para reverter o quadro atual e conquistar seu quarto título sob condições que desafiante nenhum no passado foi capaz de subverter? Terá ele, de fato, enterrado a persona instável que aflorou na reta final de 2007 e 2008?

Antes de arriscar qualquer respostas a estas perguntas, cabe ter em mente que esta é a temporada mais longa já disputada, e que as vitórias de Rosberg não correspondem nem a 20% do caminho a percorrer…

Tendo visto esse filme algumas vezes, me arrisco a dizer que esta temporada ainda promete alguns momentos dignos de se acompanhar com atenção. Senão, vejamos: de um lado, Lewis Hamilton sente, a partir do juízo que faz de si próprio, que tem a obrigação de ser campeão do mundo sempre que tiver em mãos o melhor carro do grid; e, de outro, Nico Rosberg sabe, porque não é burro, que dificilmente terá na carreira chance tão concreta de cumprir o destino que o sobrenome lhe impôs e se tornar campeão do mundo.

A receita é a mesma que rendeu as mais acirradas disputas por título mundial do passado, inevitavelmente se refletindo numa amarga – e por vezes bem-vinda – rivalidade pessoal. A menos que a campanha de Nico sofra algum revés dramático, como Emerson em 1973 ou Lauda em 1976, minha aposta é de que teremos uma disputa bastante dura e crescente daqui para a frente. A expressão de Hamilton no pódio, muito semelhante à de Lauda em Mônaco 1976, não deixa dúvidas quanto a isso.

Quem sabe, já a partir da Espanha. Afinal, Nico está a poucas conquistas de assinalar um recorde de primeira grandeza, que, de lambuja, o deixaria com as mãos no título. Hamilton, de sua parte, sabe que precisa reagir, e precisa agora.

E nós, aqui, ainda temos 17 oportunidades para curtir o agravamento dessa trama.

Tenham todos uma ótima semana.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

7 Comments

  1. Annibal Magalhães disse:

    olá meu grande amigo Marcio.
    Espero não fugir do tema, mas Sochi sempre me chama a atenção pela solução em adaptar a pista ao entorno das estruturas dos jogos de inverno. Será que chegaram a pensar em algo semelhante no Rio, visando adaptar as instalações do parque olímpico ao autódromo de Jacarepaguá? Para finalizar, a transmissão de ontem começou com uns golfinhos mergulhando nas águas do Mar Negro, coisa que está longe de acontecer na baía da Guanabara.

    • Mauro Santana disse:

      Poderiam ter feito isso, Annibal.

      Mas a questão é que a F1 para muitos brasileiros, deixou de ser moda quando o Senna morreu, e quando Barrichello e Massa não emplacaram.

      Então, pra que ter uma pista de corridas ocupando e atrapalhando o espaço!?

      É assim que os políticos pensam.

      Mas, tenha certeza de quando tem GP Brasil de F1 em Interlagos, ou a Stock Car, estes mesmos políticos descolam credenciamento Top pra curtir a boquinha dos HC e visitar os box.

      Infelizmente, é a realidade.

      Abraço!

      Mauro Santana
      Curitiba-Pr

      • Fernando Marques disse:

        Anibal,

        também pensei nisso … até por que sou da opinião que toda essa estrutura que fizeram na área onde era o autódromo poderia ser feita lá também preservando o traçado original do autódromo … como bem disse o Mauro faltou interesse político como falta até hoje para não só definir o local mas também a construção do novo autódromo prometido … infelizmente poder ter corridas de automóveis aqui no Rio não rende mais votos … rsrsrsrs

        Fernando Marques

    • Salve, meu amigo.
      Pessoalmente, não acredito que tenham realmente considerado levar essa ideia adiante, mas ele foi sim divulgada.
      Aqui mesmo no GPtotal, em minha coluna intitulada “8.210 km de distância”, reproduzo uma foto deste suposto projeto.
      Segue o link: http://gptotal.com.br/2005/Leitores/Help/20070921.asp
      Abraço, meu amigo.

  2. Mauro Santana disse:

    Amigo Márcio!

    Será que nesta temporada a Mercedes será capaz de vencer todas as corridas?

    Parece um absurdo o que eu estou falando, mas, não consigo ver nem Ferrari ou RBR ameaçando os carros alemães nesta temporada.

    Pelo menos, não por enquanto.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  3. MarcioD disse:

    Bem, agora já está Nico 7×0. Interessante observar que, coincidência ou não, esta “reação” de Nico começou após a “bonezada” de Hamilton em Austin/15. Pela dúvida, eu no lugar de Lewis estaria bastante arrependido por aquela atitude.

    Vamos ver no próximo GP até onde vai este tal “azar” do Hamilton.Estou ansioso para ver uma disputa DIRETA dele com o Nico pela ponta. Pela descrição do texto ele está com “sangue nos olhos”.Não me recordo de um piloto de ponta, campeão, em um time tão dominante como a Mercedes ficar 7 vezes sem ganhar.

    E por falar em domínio da Mercedes, este é um dos maiores que já presenciei.
    2014 16×3 2015 16×3 2016 4×0. Espero que as mudanças de 2017 possam vir equilibrar a disputa.
    Abraços,
    Márcio

  4. Fernando Marques disse:

    Marcio,

    eu até que gostei da corrida … não foi assim tão movimentada se comparado com as 3 etapas antes disputadas mas que permitiu fazer algumas avaliações aliás muito bem comentadas por você na coluna acima.
    Mas numa analise mais resumida penso que atualmente a Formula 1 está dividida em 3 categorias.
    A primeira é a do conjunto Nico Rosberg/Mercedes. Eles estão perfeitos e ninguém chega perto deles.
    A segunda é a do conjunto L. Hamilton/Mercedes. Eles não estão no mesmo nível de seu companheiro de equipe. Acredito que 30% de culpa nisso é do Hamilton. Ele está longe de ser o Hamilton de 2014 e 2015. Os outros 70% é de seu carro, que não consegue ter a mesma eficiência que o carro do Nico.
    A terceira categoria são os demais conjuntos que perfilam no grid. Nenhum deles sequer conseguem chegar perto do Hamilton ao menos. Apesar da maré ruim que vem passando nem a Vettel/Ferrari neste momento chega perto também. Sim a Ferrari está um passo a frente da RBR e da Willians mas ainda muito longe da Mercedes.
    Só não entendi o Galvão Bueno acreditar que o Massa, após seu segundo Pit-Stop já ao fim da corrida, seria capaz de ameaçar a posição de seu companheiro de equipe V. Bottas. Eles elogiaram a estrategia da Willians quando deveriam critica-la pois se esta fosse mesma a real intenção da equipe, tal pit deveria ter ocorridos ao menos umas 10/15 voltas antes. Ela foi feita faltando 7 voltas para o fim da corrida.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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