A expressão do belo

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Naqueles tempos distantes, era mais fácil desenhar um belo carro

Em tempos distantes, era mais fácil desenhar um belo carro. A mão podia correr livre sobre o papel, em busca de harmonia entre superfícies e curvas, reentrâncias e saliências, espaços e formas, depois recobertas por cores vivas, em correspondência à mais antiga definição de arte – a expressão do belo.

A aerodinâmica era, então, não mais do que leve premência e a beleza podia muito bem ser a primeira motivação de quem desenhava carros. Eles nasciam a partir de um motor que até há pouco eram instalados à frente, correspondendo ao mandamento maior: o burro sempre puxa a carroça. Mas, mesmo diante de argumento tão poderoso, as coisas evoluíram e, a partir dos anos 60, ficaram evidentes as vantagens de se inverter as posições. Para os projetistas, foi uma grande oportunidade para renovarem seus temas de trabalho.

Logo, eles perceberam a vantagem de posicionar os motores mais ao centro do chassi, o que os obrigou a avançarem os cockpits, fazendo com que a linha do para-brisa se encontrasse com a dos para-lamas dianteiros. Isso, a delicadeza dos bicos, o arremate traseiro, a esbelteza geral da carroçaria e a pequena distância do chão definiram a beleza de um carro de rodas cobertas. Tão mais simples fossem os resultados finais, tão mais belos seriam os carros.

E a aerodinâmica? Ora, a aerodinâmica… Eram reduzidos os conhecimentos sobre a ciência, restrita então, se tanto, à engenharia aeronáutica. O primeiro túnel de vento da Itália foi inaugurado em 66. Como a necessidade de posicionar os radiadores de água à frente do carro era considerada absoluta e obrigatório por regulamento cobrir as rodas dianteiras (estou me referindo aos sport-protótipos), pouco mais se cobrava dos projetistas. Eles, inclusive, relutavam em acreditar haver outras necessidades ao desenhar o carro, como garantir um mínimo de aderência, mesmo quando as velocidades ultrapassaram a barreira dos 300 km/h.

O desenvolvimento do mítico Ford J, por exemplo, nos idos de 66, 67, cobrou a vida do piloto Ken Miles porque os projetistas se recusavam a criar mais aderência na frente do carro, que tendia a decolar. Mesmo anos mais tarde, quando do desenvolvimento do Porsche 917, os projetistas alemães demoraram a perceber que pequenas aletas bastavam para manter o monstro minimamente colado ao chão, de forma a permitir que os pilotos pudessem controlá-los.

Nos anos 50, 60 e comecinho dos 70, os sport-protótipos soprados por Enzo Ferrari sempre se distinguiram nessa linhagem de obras de arte sobre rodas. Entre eles, destacam-se a série P e, em especial, o magnífico 330 P4, de 67.

Evolução do modelo P3, lançado no ano anterior, o P4 tinha um motor um pouco mais potente, criado por Mauro Forghieri, de quatro litros, doze cilindros, três válvulas e duas velas por cilindro (ao contrário do antecessor, que tinha duas válvulas), injeção direta de combustível, uns 450 HPs, uma linda “voz”. Pesava uns 800 quilos e era bastante dócil de ser dirigido, principalmente quando comparado aos seus rivais americanos, Ford GT e Chaparral, movidos por motores com sete litros de capacidade cúbica. A carroçaria do P4 fora beneficiada pela inspiração superior de Pininfarina. Quatro unidades foram construídas, apenas uma delas resta conservada atualmente.

httpv://youtu.be/awArTC8iQ3Q

O modelo estreia proporcionando à Ferrari uma das suas vitórias mais marcantes: as 24 Horas de Daytona de 67. Em 1º lugar, cruza o carro pilotado por Chris Amon e Lorenzo Bandini, seguido pelo de Mike Parkes e Ludovico Scarfiotti, tendo em 3º um modelo P3 atualizado e entregue a Pedro Rodriguez e Jean Guichet.

A corrida pode ser resumida em poucas linhas. O Chaparral, primeiro carro a usar aerofólio, disparou na frente, seguido pelos Ford, a Ferrari adotando uma estratégia conservadora. Depois de umas seis horas de corrida, o Chaparral, pilotado por Phill Hill, derrapa e bate forte, depois de passar sobre um buraco na pista – o asfalto estava se desfazendo em alguns pontos! Enquanto isso, os Ford iam moendo as suas transmissões, abandonando um após o outros, criando um constrangedor congestionamento nos boxes da equipe. O ritmo cauteloso da Ferrari foi recompensado, os carros italianos podendo reduzir bastante seu ritmo de corrida, dada a ausência de oposição.

Foi a grande vingança de Ferrari contra a Ford que, no ano anterior, havia massacrado os italianos em Le Mans, fazendo seus carros desfilarem pela linha de chegada. A Ferrari não perdia em Le Mans desde 1960. Enzo tomou nota e respondeu em Daytona, com um programa intenso de desenvolvimento e treinos. A foto dos três carros italianos cruzando a linha de chegada é uma das mais belas e icônicas da história do automobilismo. Transformada em pintura, adornou o escritório de Enzo até a sua morte, em 88.

O P4 voltou a vencer nos 100 Km de Monza, com Amon e Bandini, seguido por Parkes e Scarfiotti. Em Le Mans, porém, ganhou a Ford, os P4 tendo de engolir a superioridade do Mk IV, pilotado por Dan Gurney e A.J.Foyt, numa das mais belas edições do clássico francês. Parkes e Scarfiotti pilotaram o P4 que terminou em 2º e Willy Mairesse e Jean Beurlys o que ficou em 3º. Escrevi sobre esta corrida memorável, começando aqui e terminando aqui).

O Mundial de Sport Protótipos de 67 teve oito etapas. Confrontos diretos entre Ferrari e Ford aconteceram apenas em Daytona e Le Mans, com uma vitória para cada equipe. A Ford correu e venceu sem participação da Ferrari em Sebring; o contrário acontecendo em Monza. Em Brands Hatch, a Ferrari participou, mas foi derrotada pelo Chaparral 2F de Hill e Mike Spence. Amon e Jackie Stewart levaram um P4 ao 2º lugar. Em Targa Florio, a Ferrari participou com um modelo P3 atualizado mas abandonou depois de um acidente. Em Spa e Nurburgring nem Ford nem Ferrari participaram com força máxima, deixando as vitórias para Mirage e Porsche, respectivamente.

As autoridades esportivas daquela época, prensadas na guerra Ford-Ferrari, acabaram criando dois campeonatos mundiais, atribuídos um a cada equipe! Olhando os resultados com algum distanciamento, a Ferrari levaria o título, graças ao 2º lugar em Le Mans.

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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