A era de ouro é agora!

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O Grande Prêmio da Holanda, realizado na “catedral” de Assen foi a terceira corrida inesquecível consecutiva da MotoGP em 2016 e definitivamente consagra a categoria rainha do motociclismo como a competição sobre rodas mais excitante e imperdível na face da terra na atualidade.

*fotos de Toni Goldsmith

Depois do show protagonizado por Marc Márquez e Jorge Lorenzo em Mugello, a trágica morte de Luis Salom em Barcelona e o subsequente duelo e “cessar fogo” entre Márquez e Valentino Rossi na corrida, parecia ser impossível que outra corrida memorável voltasse a acontecer na MotoGP tão cedo.

Mas, como sempre, o Grande Prêmio da Holanda, realizado em Assen é uma verdadeira caixinha de surpresas. O belo e seletivo circuito holandês, o único que permanece no calendário desde a criação do campeonato em 1949 possui uma aura mística, algo semelhante à Monza na F1. É como se fosse um palco reservado para as melhores demonstrações de talento.

A previsão do tempo apontava clima instável para o final de semana. A chuva não deu às caras na sexta, mas apareceu na classificação de sábado, bagunçando o Grid de Largada, que teve Andrea Dovizioso e sua Ducati na pole position, Rossi ao seu lado e britânico Scott Redding, completando a primeira fila.

Os espanhóis haviam ficado para trás, sucumbido à pista escorregadia: Márquez caiu no decisivo Q2 e ficou apenas em quarto. Lorenzo, definitivamente pouco à vontade nessas condições (e em uma pista onde sofreu um sério acidente em 2013) classificou-se apenas em 11º. Dani Pedrosa, então, ficou lá atrás, em 16º.

Ao contrário dos prognósticos, o domingo amanheceu seco e ensolarado para a largada da categoria iniciante, Moto3. Para quem acompanha o Mundial de Motovelocidade nessa parte do mundo, o dia começa cedo, as 6h00 da manhã. O esforço, no entanto, quase sempre vale a pena, porque essa classe costuma realizar as disputas mais espetaculares do dia.

Foi assim em Assen, que viu quatorze corredores enlouquecidos brigarem pela vitória da largada até à chegada e coroou a primeira vitória do italiano Francesco Bagnaia e também a primeira da marca indiana Mahindra. Juntos, eles chegaram apenas 18 milésimos (!!) à frente de Andrea Migno e Fábio Di Giannantonio.

As surpresas continuaram na categoria intermediária, Moto2. Ao contrário do que costuma fazer, Takaaki Nakagami manteve a calma e o seu enorme talento sob controle, para ultrapassar diversos competidores e chegar à sua primeira vitória no Campeonato Mundial. A conquista teve um significado ainda mais especial por se tratar de um japonês, país de nomes tão importantes para o motociclismo, mas que há muitos anos não ocupava no lugar mais alto do pódio.

A conquista de Nakagami foi facilitada com a interrupção da prova a duas voltas do final por causa da chuva. As nuvens negras começaram a chegar durante a corrida e cobriram Assen para a largada da MotoGP, quase como um prelúdio do que iria a acontecer a seguir. Com os pingos caindo com vontade, a pista rapidamente estava encharcada e a corrida foi considerada uma “Wet Race”, ou seja, todos teriam que largar obrigatoriamente com pneus de pista molhada.

Com seu favorito largando na segunda posição, os “Rossimaníacos” que lotavam o circuito estavam tranquilos, confiantes no enorme talento do Doutor em pista molhada. O italiano não os decepcionou na largada, rapidamente assumindo o controle da prova, enquanto Márquez e Lorenzo, seus principais rivais, tinham problemas mais atrás.

Como nossos ávidos leitores bem sabem, corridas com chuva costumam minimizar as vantagens de equipamento e maximizar o talento puro. Assim, logo surgiram “patos” dispostos a roubar a cena e o primeiro deles foi Yonny Hernandez. Determinado a mostrar o seu valor, o colombiano da pequena equipe Aspar logo ultrapassou Márquez, Dovizioso, Redding e Rossi para assumir uma inesperada e autoritária liderança durante muitas voltas.

Era inacreditável o que Hernandez estava fazendo, abrindo uma significativa vantagem na primeira posição. Pilotar com tanto risco acaba cobrando seu preço. Logo o colombiano se empolgou demais e acabou caindo, trazendo Rossi novamente para a ponta.

Com Hernandez fora, começava nesse momento o show de Danilo Petrucci. O italiano, sempre um verdadeiro destaque em piso molhado tirou, em pouco tempo, a diferença que o separava de Dovizioso e Rossi, a essa altura já em segundo lugar, atrás da Ducati número 04.

A chuva se intensificava na medida em que Petrucci partia para cima de Rossi e Dovizioso. Os dois agora rodavam com maior cuidado, principalmente o eneacampeão, ciente dos riscos que estava correndo, em termos de campeonato. Isso fez com que Redding, em quarto, também se aproximasse, formando um quarteto na briga pela liderança.

Quando Petrucci finalmente havia conseguido superar Rossi e Dovizioso, a chuva tornava-se insustentável e a direção de prova optou por realizar uma paralisação. Ruim para os líderes que dominavam a corrida. Bom para Márquez e Lorenzo, que vinham mais atrás. O campeão de 2015, inclusive, estava em uma longínqua e embaraçosa 19º posição.

Se a corrida tivesse sido encerrada naquele momento já teria sido uma prova inesquecível. Como valeriam os resultados da volta anterior à interrupção, a vitória ficaria com Andrea Dovizioso, a primeira de uma Ducati em seis anos. Mas, ainda não haviam sido completados dois terços necessários para validar todos os pontos. A chuva também começou a diminuir. Então, optou-se por se realizar uma nova largada.

As coisas seriam muito diferentes nessa “segunda bateria”. Como só seria necessária borracha para completar as doze voltas que restavam, os pilotos colocaram pneus macios de chuva, o que alterou o comportamento de muitas motos.

Assim como havia feito antes, Rossi não teve grande dificuldade de se livrar de Dovizioso para liderar de forma absoluta. Mas, seu ritmo não era tão bom e a pista estava perigosa. Começava a se formar um trilho seco encorajando os pilotos a acelerar mais e mais. Isso fez com que Dani Pedrosa, Cal Crutchlow, Bradley Smith, Aleix Espargaró, e Andrea Dovizioso escorregassem como sabonete pelo asfalto holandês.

Restando apenas dez voltas para o final, o impensável acontece: Valentino Rossi comete um pequeno erro e acaba caindo, danificando bastante a moto e impossibilitando o seu retorno à pista. O italiano, mais do que ninguém soube na hora a significância que esses 25 pontos perdidos podem fazer no campeonato e não escondeu a frustração de ninguém.
De uma hora para outra, a maré que estava ao lado de Rossi virou totalmente a favor de Marc Márquez. Realizando uma segunda metade de corrida muito melhor do que a primeira, o espanhol também estava progredindo com cuidado e, de repente se viu na liderança da prova. No entanto o bicampeão começou sentir a presença de outro piloto em seu encalço. Esse era o desconhecido Jack Miller.

O jovem australiano de 21 anos chegou à MotoGP no ano passado, depois de saltar diretamente da Moto3, onde havia sido vice-campeão em 2014. Desde então, sua trajetória estava sendo marcada por muitos acidentes e lesões que praticamente condenariam sua saída da categoria rainha pela porta dos fundos.

Àqueles que haviam assistido as suas performances na Moto3, no entanto, não duvidavam de seu talento. Miller era conhecido pela ousadia na pista e comportamento irreverente fora dela. Esse piloto estava sumido desde que entrara na MotoGP, substituído por um acanhado e tristonho personagem.

Aquele Miller da Moto3, no entanto, reapareceu nas últimas voltas do Grande Prêmio da Holanda. Com a velha confiança de volta, “JackAss” não teve medo de ir para cima de Márquez na mesma polêmica chicane que havia dividido com Rossi no ano passado. O espanhol não quis saber de briga e deixou o australiano passar.

Márquez, por sinal, pilotava com uma calma inédita para seus padrões. Como bem definiu meu amigo Márcio Madeira no seu comentário, é como se o espanhol estivesse imitando o Rossi sereno de 2015 e o italiano, por sua vez, tivesse passado a se arriscar mais, como o Márquez fazia no ano passado. Uma troca de estilos.

Tudo o que Miller precisava fazer era permanecer sobre a moto e foi o que ele fez. O jovem conquistou a primeira vitória da Austrália desde Casey Stoner em Phillip Island, 2010 e a primeira de uma equipe satélite desde a conquista de Toni Elias no GP de Portugal de 2006! Um feito realmente histórico sob diversos ângulos.

Os significados são múltiplos, como em toda grande história e mostram o quanto a MotoGP evoluiu como esporte nessa década. Hoje, o campeonato oferece um show absolutamente de primeiro nível, mas – ao contrário da Fórmula 1 – não tentou eliminar o imponderável e o fator humano, tão necessários para criar empatia junto ao público.
Os fãs de Rossi, Márquez e Lorenzo possuem hoje um amor tão intenso quanto um dia tiveram Senna, Prost, Mansell e Piquet. E suas respectivas rivalidades são tão abrasivas que quando seus ídolos abandonam a disputa chegam a desligar a TV, perdendo momentos inacreditáveis, como citei no começo.

Não deveriam. As últimas três provas mostraram que a MotoGP hoje é maior do que qualquer piloto, por mais carismático do que seja. Vivemos uma verdadeira era de ouro, daquelas que teremos orgulho de dizer que assistimos ao vivo daqui a alguns anos. Vamos aproveitar!

Até a próxima!

Lucas Carioli
Lucas Carioli
Publicitário de formação, mas jornalista de coração. Sua primeira grande lembrança da F1 é o acidente de Gerhard Berger em Imola 1989.

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