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É possível ser equilibrado quando se analisa um assunto tão sujeito à paixão?

Jornalista não tem time, tem tese. Em conversas, debates e palestras para estudantes, sempre uso esta frase quando questionada sobre a imparcialidade do profissional de comunicação que atua na área esportiva. Afinal, é possível ser equilibrado quando se analisa um assunto tão sujeito à paixão? E ainda: se escolhemos esta área, supõe-se que gostamos de esporte, o que normalmente implica em acompanhar modalidades esportivas desde a infância e, claro, em ter um “time do coração”.

Minha frase está longe de ser um elogio à imparcialidade. Está mais para a admissão de uma característica ao mesmo tempo fundadora e odiosa da minha profissão: o ego descomunal de quem escreve, empunha um microfone ou se posta diante das câmeras. Torço pelo Corinthians e quero que meu time ganhe, mas, se lancei publicamente a tese de que a equipe não é favorita no próximo jogo, vou torcer intimamente para meu próprio time não vencer. Uma variação da sentença, mais próxima dos livros de autoajuda, seria algo como “jornalista não quer ser feliz, quer ter razão”.

Um gigantesco furo n’água: assim posso definir minha previsão, do início do ano, sobre o papel do alemão Sebastian Vettel na temporada de 2016. Aqui mesmo, no GPTotal, publiquei uma coluna com o título de “O salvador”, na qual apontei o tetracampeão como maior ameaça ao título do inglês Lewis Hamilton. Eis um trecho:

“(…) repousam em Vettel todas as esperanças de um Mundial mais competitivo que o de 2015. Não parece ser exagerada a perspectiva Vettel. Os testes de pré-temporada, em Barcelona, demonstraram uma aproximação real entre a Ferrari e a Mercedes. A análise do desempenho dos quatro carros das duas equipes sugere que a vantagem da Mercedes sobre a Ferrari hoje seja de dois a três décimos de segundo, em ritmo de classificação. Sinais de que a Ferrari possa alcançar a Mercedes foram ainda mais evidentes quando comparados os dados obtidos em ritmo de prova. (…)”

Encerrada a primeira metade da temporada 2016, Vettel não só está atrás da dupla da Mercedes como também do australiano Daniel Ricciardo, da Red Bull, e até do companheiro de equipe, o finlandês Kimi Raikkonen, piloto mais velho do grid que ganhou sobrevida na Fórmula 1 ao renovar seu contrato com a Ferrari por mais um ano, para 2017. Ruim para mim, que errei a previsão. Péssimo para Vettel que, aos 29 anos de idade e quatro títulos do mundo, enfrenta a pressão de liderar a habitualmente caótica equipe italiana.

Rei morto, rei posto. Como acontece habitualmente nesses casos, não tem sido incomum encontrar análises dando conta de que Vettel é um piloto decadente, que só ganhou quatro títulos “porque tinha um carro do outro planeta” e que não apenas está atrás de Hamilton como será pulverizado pelo inglês em todas as estatísticas. Pá de cal extrema – do nível “tantos homens me amaram, bem mais e melhor que você” – já não faltam comparações entre os desempenhos de Vettel e o espanhol Fernando Alonso na Ferrari.

É verdade que, em seu primeiro ano pelo time italiano (2010), Alonso foi vice-campeão do mundo. Em 2015, quando estreou pela Ferrari, Vettel ficou em terceiro. O segundo ano de ambos, na metade da temporada: Alonso estava em quarto, com o dobro de pontos do companheiro de equipe (Felipe Massa); Vettel está em quinto, atrás do companheiro Raikkonen. Caso encerrado? Cortem-lhe a cabeça?

Menos, bem menos. A temporada de Vettel está longe de poder ser classificada como ruim. Em onze corridas, cinco pódios. Nos três abandonos, nenhuma culpa do alemão. Um motor estourado no Bahrein, um Danil Kvyat desgovernado na Rússia, um pneu estourado na Áustria. E ainda: nessas mesmas corridas, Raikkonen subiu ao pódio, o que no mínimo faz pensar que o nível de competitividade de Vettel seria semelhante ao do companheiro de equipe.

Quando Vettel foi anunciado pela Ferrari, em 2014, ninguém no paddock estranhou a opção de ambos. O time italiano estava pelas tampas com o gênio indomável de Alonso, Vettel estava frustrado pela falta de competitividade da Red Bull, na comparação com a Mercedes e, falava-se, por aí, que a grana era outro fator decepcionando no time austríaco, e altamente atraente em Maranello.

A imprensa alemã especula que Vettel já esteja negociando novo contrato com a Ferrari, pelo menos até 2020, e que os valores poderiam chegar a 100 milhões de euros pelo período. O vento que sopra para o Mediterrâneo também bate para a terra natal do tetracampeão: outros boatos apontam para o namoro entre Vettel e a Mercedes, que ainda almeja ser campeã com um piloto alemão.

É muita grana. Quem de nós não toparia pagar micos mundiais, pilotando para uma equipe que renova seus integrantes intempestivamente, como time de futebol brasileiro, recebendo 100 milhões de euros em três anos? Mas, nossa cabeça pequeno-burguesa não é a medida do mundo. Vettel é rico, mas é também da estirpe dos que querem vencer, sempre. Parece ter o objetivo de reviver o que Michael Schumacher fez com a Ferrari, e o prolongamento do contrato por mais quatro temporadas pode seguir essa lógica, lembrando que Schumacher gramou quatro anos na equipe italiana até emendar sua extraordinária sequência de cinco títulos.

Em 2017, tudo de novo na Fórmula 1. Um novo regulamento técnico prevê muitas alterações aerodinâmicas para os carros. Algumas semanas atrás, especulava-se que a Ferrari esperaria até o GP da Hungria para ter ideias claras quanto às suas perspectivas para a atual temporada. Caso estivesse longe demais da Mercedes, cumpriria tabela em 2016 e concentraria esforços no carro do próximo ano. Pelo jeito – e pela demissão do diretor técnico James Allisson, anunciada nesta quarta-feira – o caminho escolhido será o segundo.

Vettel talvez precise ser paciente, esperar 2017 e mudar seu alvo. Enquanto a Mercedes vê Hamilton e Rosberg se digladiando pelo título, outra equipe, velha conhecida de Vettel, já está com os olhos no futuro. O projetista Adrian Newey trabalha no carro da Red Bull para 2017. E, se há alguém capaz de fazer a diferença quando se tem um grande desafio aerodinâmico pela frente, o nome é Adrian Newey. Talvez os oponentes mais perigosos de Vettel, na busca por seu primeiro título com a Ferrari, sejam os de Ricciardo e do prodígio Max Verstappen. Lá vai o alemão desafiar outra dupla com todo jeito de briga fratricida.

Lá vou eu, cravar mais uma tese. De novo.

 

Alessandra Alves
Alessandra Alves
Editora da LetraDelta e comentarista na Rádio Bandeirantes desde 2008. Acompanha automobilismo desde 83, embalada pelo bi de Piquet e pelo título de Senna na F3.

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