Não deixem Monza morrer, parte 2

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A conclusão da história do GP da Itália de 1971, uma das corridas mais importantes da história da fórmula 1.

Vamos retomar os acontecimentos do incrível GP da Itália de 1971. Pouco depois da 25ª volta, o franco favorito passa a ser o pole Chris Amon. Recuperado da má largada, o neozelandês tinha com o Matra o motor mais potente dentre aqueles que estavam postulando a vitória.

Amon era reconhecidamente um grande talento, só que o seu azar era até maior que esse talento. Apesar de ter vencido as 24 Horas de Le Mans, ainda não havia conseguido vencer um GP de F1 em sua carreira. De repente, uma bolha se forma em seu pneu dianteiro esquerdo e ele precisa abrandar o ritmo. Peter Gethin, que começava a crescer na prova, aproveita e o ultrapassa.

Chegamos a assim a 36ª volta. O pneu de Amon melhora e em apenas uma volta ele passa de quarto para primeiro. Na volta 42, quem lidera é Mike Hailwood, mas Amon retoma a ponta no giro seguinte.

Na volta 47 é a vez de Ronnie Peterson e seu March assumirem a liderança, seguido desta vez por Gethin. Segundo ele mesmo relatou após a corrida, ele estava estudando o comportamento de seus adversários e passou a pensar na melhor forma de atacar na parte final da corrida.

Chegando a 50ª volta, faltando mais 5 para o final, a corrida entra em sua fase decisiva. Amon se prepara para a arrancada final e resolve limpar o óleo em sua viseira. Para sua infelicidade, a viseira se solta e ele perde a proteção aos olhos. Com o vento batendo diretamente em seu rosto, sua visão começa a embaçar e ele não pode fazer nada além de diminuir o ritmo, ficando fora da disputa. Era mais uma corrida para ele computar na lista de seus azares.

Hailwood e Peterson passam a se alternar no comando da corrida. Nessa altura, todos já haviam planejado e ensaiado a estratégia final. Estavam na disputa Peterson, Hailwood, Cevert, Gethin e um pouco atrás, mais não mais que 1 segundo, Howden Ganley com um BRM igual ao de Gethin.

O carro de Peterson estava com um pequeno furo no escape, o que provocava leve perda de potência. Mas com o tanque quase vazio, ele tinha a vantagem de poder frear mais tarde na Parabólica. Percebendo isso, Cevert planeja deixar Peterson sair na frente e o ultrapassar na reta de chegada.

Só que Peterson exagera na dose e freia tarde demais. Seu March vermelho desliza para a parte externa da curva. Cevert tangencia por dentro, mas sua ideia de pegar vácuo na linha de chegada já não podia mais ser executada.

Ainda assim, o francês da Tyrrell coloca por dentro de Ronnie e sai da curva na frente, quando percebe que seu retrovisor se encheu com a imagem do nariz branco do BRM de Gethin, que avançava como uma avalanche. Para evitar uma batida, Cevert muda de traçado e quase acerta o carro de Hailwood, que também tentava armar o bote final.

Esses 4 carros rasgam a reta de chegada e recebem a bandeirada de chegada embolados, em um final absolutamente incrível.

Tendo passado três carros nessa espetacular batalha na Parabólica, Gethin é declarado vencedor, tendo superado Peterson por apenas 0.01s – a menor escala de cronometragem possível naquela época. Mesmo tendo perdido tempo na freada da curva, o sueco saiu lançado o suficiente para ficar na frente de Cevert, o terceiro colocado, que ficou a 0.08s.

Hailwood teve que se contentar com o quarto posto, a 0.18s. Num último ataque ao pelotão da frente, Ganley consegue se aproximar e cruza em quinto, a 0.61s. Fechando a zona de pontos, o pobre Chris Amon, grande favorito, fica a distantes 32s do vencedor. Ainda mais longe ficou Emerson Fittipaldi e o Lotus Turbina: oitavo, com uma volta de desvantagem. Ao menos o desempenho pífio fez Colin Chapman finalmente aposentar esse carro problemático e apostar sabiamente no modelo 72.

Denis Jenkinson, lendário jornalista que por muitos anos cobriu a F1, ofereceu uma perspicaz descrição sobre a corrida.

Essa foi uma das melhores e mais interessantes corridas que pude assistir, o tumulto que aconteceu na última curva permitiu avaliar bem algumas características dos pilotos envolvidos. Peterson é veloz e brigador, mas não é inteligente. Cevert é um belo rapaz, mas tem medo de se machucar. Gethin sem dúvida esperou o momento certo para atacar com rudeza, típico londrino com pouca educação, e o pobre Hailwood nem percebeu o que estava acontecendo, exceto que quase foi atingido por Cevert.

Olhando o quadro das voltas disputadas, foram 8 os pilotos que estiveram na liderança dessa corrida: Peterson por 23 voltas, Amon por 9, Cevert por 7, Hailwood por 5, Regazzoni por 4, Siffert por 3, Stewart por uma volta e Gethin por 3 – liderando, claro, a mais importante, a última.

Depois da corrida, todos queriam saber o que Gethin havia planejado para chegar à vitória.

Fiquei observando durante muitas voltas o estilo de cada um e aproveitei bem o vácuo para ir poupando o carro, ao mesmo tempo que não deixei meus adversários perceberem qual seria a minha estratégia. No final, eles deixaram a porta aberta e enfiei o carro no espaço que sobrou. Estava um pouco apertado, mas afinal corridas são assim, não é mesmo?

A fala de Gethin, de fato, mostram como são as corridas em Monza: disputadas, apertadas e com certeza, emocionantes.

O GP da Itália de 1971 na íntegra:

httpv://youtu.be/5_GVEMo7mVY

 

As corridas se moviam com um desejo de disputa e permanência num mundo mais delicado. Não havia essa poluição visual e de informações que hoje nos massacra nessa busca incessante por um lugar na mídia. Esse massacre acaba por deixar de lado a essência. Justamente a essência!

Hoje somos target, apenas isso. Por isso, disputas e pistas deixam de ser essenciais se não servem para alimentar a fome de informação e de emoção dos targets.

Fico aqui pensando que essa viagem no passado nos remete a um futuro, um quase futuro de um passado um pouco mais refinado que o momento presente. Esse é o tipo de viagem que mostra que corridas já tiveram uma alma diferente dos tempos atuais e mesmo tendo um lado comercial naquela época, era uma época mais inocente que hoje.

Não, Monza não pode acabar simplesmente pela ganância.

Abraços,

Mário

P.S.: Este texto foi escrito antes da triste notícia do falecimento do querido azarado Chris Amon, que nos deixou aos 73 anos nesta quarta-feira (3). Este texto, portanto, fica como homenagem a este grande personagem do esporte a motor.

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

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