O estranho no ninho

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Perder o Mundial de Fórmula 1 para Nico Rosberg pode ser uma redenção histórica para Lewis Hamilton.

Perder o Mundial de Fórmula 1 para Nico Rosberg pode ser uma redenção histórica para Lewis Hamilton. É claro que, a quatro provas do fim, 33 pontos atrás do oponente, ele não deve concordar com tal afirmação, e certamente vai se agarrar a todas as chances para evitar isso. Mas não é impossível que, daqui alguns anos, já aposentado, o inglês reconheça que perder o que seria seu terceiro título seguido pela Mercedes foi um lance que enobreceu sua carreira.

Nos tempos da Revolução Francesa, a burguesia ajeitava-se na corte comprando títulos da nobreza falida. A falta de sangue azul nas veias sempre encontrou antídoto em alguns punhados de dólares, ou de francos, ou de ouro e de terras. Para Hamilton, esse caminho pode ser um pouco mais tortuoso.

Em seu décimo campeonato de Fórmula 1, o inglês já está no Olimpo da categoria. Três vezes campeão do mundo, vai galgando degraus nas estatísticas e não é improvável imaginá-lo superar nomes como Alain Prost, em número de vitórias, e Ayrton Senna, em pole positions. Os três títulos mundiais o colocam no grupo dos mais notáveis, que incluem Michael Schumacher (sete títulos), Juan-Manuel Fangio (cinco), Sebastian Vettel, Prost (quatro, cada), Senna, Nelson Piquet, Niki Lauda, Jackie Stewart e Jack Brabham (três,cada).

Todos os multicampeões da categoria venceram pelo menos um de seus títulos tendo como vice outro campeão do mundo. Hamilton, até agora, teve como vice-campeões Felipe Massa, em 2008, e Rosberg (2014 e 2015). Até na comparação com seus contemporâneos, Hamilton parece um estranho no ninho. Na era pós-Schumacher/Ferrari, Fernando Alonso foi campeão sobre o heptacampeão e sobre Kimi Raikkonen, este venceu seu único título tendo Hamilton como vice, Vettel superou Alonso e Jenson Button e até Button, que dificilmente escapará do rótulo de campeão mais improvável da década, conseguiu conquistar seu único campeonato em cima de Vettel.

Uma discussão pertinente, que já toma alguns fóruns há algum tempo, é a comparação entre Vettel e Hamilton. O calculista Sebastian ou o espetacular Lewis: quem é melhor? Se chegar ao seu quarto título neste ano, algo que agora parece menos provável, o inglês empata com o alemão nesse quesito, embora o supere em outros números absolutos, como vitórias, pontos e poles. No entanto, a concorrência direta enfrentada por Vettel parece, por enquanto, mais qualificada que a do inglês, ainda que ele tenha vencido dois de seus quatro títulos com facilidade extrema.

Como quase tudo nesse Fla-Flu eternamente desfraldado nas redes sociais, no fim é uma questão de preferência: pilotos equivalentes, eventualmente complementares, Hamilton e Vettel diferenciam-se pelos estilos. Reconhecendo as qualidades de ambos, se tivesse que escolher um deles para assistir eternamente, escolheria Hamilton por seu estilo vistoso de pilotagem e pela destreza encantadora em piso molhado. Se precisasse escolher um deles para ser piloto da minha equipe, escolheria Vettel, pela comprovada eficiência.

Ao fim e ao cabo, pilotos desse nível querem apenas vencer, importando pouco quem fica no caminho, ostentando a placa de vice, ou de “primeiro entre os perdedores”. Hamilton, aguerrido como é, vai tentar até a última curva tirar esse título das mãos do esforçado companheiro de equipe. Mas pode estar comprando seu título de nobreza se perder. Terá vencido no mínimo dois de seus títulos em cima de outro campeão, mantendo a escrita.

Dia desses, via Twitter, entrei em uma breve discussão sobre a eventual monotonia da Fórmula 1 atual. Capitaneando o debate, o colega Rafael Lopes, da Rede Globo. Eu logo me alinhei a ele, contestando um rapaz que se queixava do Mundial de 2016, como um dos mais chatos da história.

Não concordo com essa visão de jeito nenhum. Estamos assistindo a mais um ano de domínio da Mercedes, isso não se contesta, mas também estamos vendo uma disputa interna acirrada, nos moldes da que aconteceu entre Senna e Prost, na McLaren do final dos anos 1980. Além disso, a distância entre os Mercedes e seus principais competidores – Red Bull e Ferrari, principalmente – tem sido cada vez menor.

Os tempos de classificação, aos sábados, são muitas vezes separados por milésimos de segundo. Durante as provas, o equilíbrio entre os principais oponentes é manifestado volta a volta, com seguidas quebras de recordes pessoais e na corrida, tanto em tempos de volta quanto nas três parciais que compõem o giro. As trocas de posições mostram-se muito mais frequentes entre os dez primeiros, e a busca por um lugar entre os que pontuam, muitas vezes cria corridas paralelas eletrizantes.

Você não enxerga nada disso? Não posso culpá-lo. Muitas dessas informações só ficam claras para quem acompanha o aplicativo da Fórmula 1, que registra o desempenho de cada piloto, em tempo real. Talvez a grande sacada para aumentar a audiência da categoria esteja na explicitação desses dados. A nova dona da categoria poderia começar sua reforma por aí.

Até a próxima!

Alessandra Alves
Alessandra Alves
Editora da LetraDelta e comentarista na Rádio Bandeirantes desde 2008. Acompanha automobilismo desde 83, embalada pelo bi de Piquet e pelo título de Senna na F3.

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