Bob & Nico

Era muito melhor
09/12/2016
O delicado som do trovão – parte 1
14/12/2016

2016 foi osso, mas o Nobel de Literatura concedido a Bob Dylan me encheu de uma alegria inexplicável e juvenil. Gosto deste cara, da sua postura e das suas músicas. Para horror dos meus próximos, as ouço ininterruptamente desde que comprei o primeiro disco dele, nunca sei se foi Hard Rain ou Desire, final dos anos 70. Caso único, gosto de Dylan até na sua fase cristã, Saved é uma das minhas músicas preferidas.

httpv://youtu.be/MIUNftAi_z4

Como meu inglês é escolar (e não por culpa da escola…), Dylan pra mim é acima de tudo música, melodia, ritmo, qualidades que poucos destacam nele. “E as letras… Bem, elas até rimam, mas simplesmente não fazem sentido, ao menos não diretamente. As composições de Dylan não englobam uma ideia meticulosa – elas contêm uma multitude delas”, escreveu John Parcles numa antiga edição da revista Rolling Stones. Mesmo assim, elas têm a propriedade de dar “a cada ouvinte a impressão de que é a sua vida contada ali”, completou Michel Laub, escrevendo na revista Piauí.

Gosto do pouco que entendo, deste estupor, desta privação seletiva de sentidos sempre sugerida nas letras de Dylan, em sintonia com uma das definições de poesia – “a supressão dos elos da cadeia, da matéria explanatória e de ligação” -, impressões, lembranças e visões que se sucedem sem relação aparente, como num sonho potencializado por drogas. Não é assim toda a alta poesia, como comprova quem se lança nos oceanos Yeats, Pound e Eliot, autor da definição acima?

Será que precisamos mesmo buscar um sentido para aquilo que amamos? Não é preferível amar uma construção abstrata, inteiramente contida em nossas mentes, misto de lembranças, impressões e projeções, quanto menos real melhor? Será indispensável poder tocar o que se ama? Amo várias coisas, algumas bem distantes de mim no momento.

httpv://youtu.be/SQbr4ISrjII

Falando em Eliot, me permitam lembrar um verso do poeta em Quatro Quartetos que, mesmo escrito setenta anos atrás, ajuda a explicar a praga da pós-verdade que grassa entre nós:

Vai, vai, vai, disse o pássaro: o gênero humano

Não pode suportar tanta realidade.

Bob Dylan não foi à entrega do Nobel. Nico Rosberg de certa forma fez o mesmo: ele não estará presente à festa maior pelo seu título, a ser comemorado nas vinte etapas do Mundial de 2017.

Por isso, Nico merece meus respeitos.

Vocês sabem como valorizo a natureza humana no esporte e em tudo o mais. O que Nico fez foi colocar a sua condição humana, homem, marido, pai, filho, acima de tudo. Uma banana pra esta loucura chamada Fórmula 1, esta bobagem veloz que custou até a minha amizade de infância com Lewis Hamilton. Já tive o bastante, estou tranquilo, tenho minha mulher ao meu lado, meu filho, vou viver a vida agora, tchau.

Foi o que, mais ou menos, fizeram Juan Manuel Fangio e Jackie Stewart. Boa companhia, não?

httpv://youtu.be/MGxjIBEZvx0

R$ 175 milhões de prejuízos acumulados nos últimos dois anos pelos organizadores do GP da Áustria, mais até que os alegados R$ 100 milhões no GP Brasil, o GP da Alemanha de novo fora do calendário 2017 porque não há por lá um insensato que arrisque a acumular prejuízo na organização da prova.

O mundo está acabando também na Fórmula 1…

httpv://youtu.be/DOFT0aVqwIA

Toto Wolff, que me parece ser um bom personagem para uma canção de Dylan, disse que se arrepende de ter tentando influenciar a tática de Hamilton no Abu Dhabi.

Pois é! Na época que Fórmula 1 era um esporte de equipe não tinha este problema, mas foram mexer na coisa e aí está, confusões em série, na Mercedes e em qualquer outra equipe onde se tenta colocar dois galos pra dividir o mesmo poleiro.

No caso da Mercedes, a coisa sempre parece mais grave pelas idas e vindas de Toto e pela onipresença de Niki Lauda, este corvo de aspecto sinistro, sempre a dar palpites na vida alheia. Talvez por isso seja frequentemente cotado pra substituir Bernie Ecclestone na direção comercial da categoria. Há rumores, inclusive, que Bernie já fixou a data da sua aposentadoria: 2030, quando completar cem anos de idade.

httpv://youtu.be/L9EKqQWPjyo

Em edição da revista Bravo de 2000, reproduzida no livro Lado B, que só vim a ler recentemente, o jornalista Sérgio Augusto teceu artigo citando brincadeira recorrente na imprensa culta internacional: escalar times de futebol compostos por filósofos, escritores, músicos etc.

Aqui vai a escalação do meu time de craques da Fórmula 1.

Goleiro: Fangio (é cargo de confiança. Segurança e bom senso acima de tudo).

Zagueiros: Ascari e Keke (vê-se que aprecio defesas firmes).

Alas: Piquet e Peterson (ousadia e velocidade garantidas, sustos no contra-ataque idem).

Volantes e Meias: Prost (para contenção), Clark e Schumacher (privilegiando velocidade e criatividade).

Atacantes: Mansell, Senna e Villeneuve.

Este inocente devaneio é homenagem singela a Sérgio Augusto, um jornalista que marcou profundamente minha formação humana e profissional. Aos 74 anos, ele escreve hoje no Estadão.

Comecei a lê-lo, sempre com enorme prazer, em meados dos anos 70 (antes de curtir Dylan, portanto), na página 3 d’O Pasquim, ainda nos tempos da censura prévia. Era leitura devotada minha e, vejo hoje, profundamente formadora. O humanismo superior de Sérgio Augusto, sua vasta cultura e opiniões políticas e sociais modernizadoras deixaram marcas que me trouxeram até aqui.

Valeu, Sérgio, valeu Dylan, valeu amigos dos GPTotal, colunistas e leitores, um bom Natal pra vocês, um 2017 com saúde e alegria!

São os votos do

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

4 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Grande Edu!

    Bob Dylan é um Mestre, que criou o seu próprio estilo, e faz parte dos Grandes Pilares do Rock.

    Seu filho, Jakob Dylan, além de ser um músico super talentoso também, criou o The Wallflowers em meados dos anos 90, com um estilo próprio e que emplacou alguns clássicos como a excelente versão de Heros de David Bowie para o filme Godzilla em 1998.

    É aquele ditado, filho de peixe, peixinho é!

    Isso vale para o Nico, que teve muita coragem em tomar esta decisão, mostrando ao mundo que o que lhe importa, é a sua família.

    Campeão filho de Campeão!

    Em seu time, Edu, eu colocaria como Presidente, a velha e pequena Raposa de rabo peludo, pois sabe como que é os bastidores do mundo do futebol.

    rsrsrs

    Um Feliz Natal e um Feliz 2017 a você e sua família.

    Grande abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-Pr

  2. Fernando Marques disse:

    Edu,

    curto o Bob Dylan quando ainda imperava o folk nas suas musicas. Ele e o Neil Young com suas gaitas fizeram muita musica boa, isso lá pelos idos de 60 e 70. A musica que curto do Bob é “Lay Lady Lay”, sempre escuto, mas tiro o chapel também para Like a Rolling Stone.
    Nunca fui de me entreter em querer saber dos significados das letras. O que mais gosto das musicas são as melodias, os arranjos, os solos de guitarra, de sax, do piano, do violino … O blues Rock tem isso tudo.
    Quanto ao Nico, a decisão dele parar com a Formula 1 surpreendeu. Uma correta decisão. Eu admiro quando um esportista para por cima, no seu auge.
    Quanto a escalação faltou o tecnico. Quem seria o melhor para isso: Ballestre, Tio Bernie, M. Mosley, Collin Chapman, Enzo Ferrari???????

    Um bom Natal e um 2017 de bastante sucesso pra voce e sua familia

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Edu disse:

      Hahaha, Fernando

      bem lembrado! Faltou o técnico.

      Tem de ser o Ross Brawn, o único que parece ter força, inteligência e competência pra segurar um esquadrão desses

      Obrigado, pelos votos, retribuo a você a aos seus

      Edu

  3. Thiago Rocha disse:

    Pois é Edu, a coragem da liberdade ainda é o melhor sentimento que o homem pode cultivar. Abraços, feliz 2017

Deixe um comentário para Fernando Marques Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *