A última obra-prima de Ayrton Senna

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Pingou na net: “Ex-engenheiro de Senna, Schumacher e Alonso elege o mais rápido entre os três”. Prato cheio para cliques e pageviews. Melhor ainda: Pat Symonds afirma que dentre eles o mais rápido foi Schumacher, e Senna estaria atrás também de Alonso.

É a perfeição para a polêmica, para as provocações aos leitores e o início de guerras nos comentários. Os que discordam, relembrando das fases obscuras de Symonds com o espanhol e o alemão. Aqueles que concordam, se apegando ao trecho da entrevista como o mais fanático fiel de alguma Igreja da TV faz com versículos isolados da Bíblia.

Independente do que pensemos, basta lembrar a experiência de Symonds com cada um dos pilotos: com Senna ele trabalhou apenas uma temporada, justamente a primeira do brasileiro; com Schumy foi do início de sua carreira até seu segundo mundial, quatro anos e meio depois; e com Alonso, dois momentos, o primeiro até o bicampeonato e o segundo ao longo de mais duas temporadas, o espanhol já amplamente considerado o melhor do grid.

Além disso, basta observar a entrevista completa e perceber que, embora o veja como o mais lento do trio, Symonds reserva elogios muito especiais a Senna e tem em mente histórias mais marcantes do que as que viveu com os ex-ferraristas: ele exalta seu profissionalismo e sua capacidade de compreensão de outros aspectos que envolvem as corridas.

“[Senna] poderia ser mais rápido se comparado com outros pilotos. Mas ele também entendia o carro. Ele tinha um talento natural. (…) Não havia telemetria, mas o Senna era capaz de te dizer a temperatura da água e o giro do motor a cada curva. Outros, sequer na reta conseguiam entender estas coisas.” disse Symonds.

Ainda, vale lembrar a história contada por Pat em 2014, sobre a vez em que Senna percebeu quando uma mureta (Dallas, 1984) foi movida em milímetros.

Assim, só posso entender a avaliação de Symonds como específica e não geral: é a análise daquilo que ele pode testemunhar in loco na Toleman, Benetton e Renault. Meu objetivo, porém, não é usar a entrevista do engenheiro como fim, mas como início de minha coluna.

Os conceitos de velocidade e rapidez são geralmente confundidos pelo público geral e muitas vezes erroneamente utilizados como sinônimos. Em linhas gerais, rapidez é o quanto o piloto demora para encontrar as melhores condições de pista e do carro para, assim, extrair o melhor tempo possível. Já velocidade será quanto o piloto conseguirá extrair do seu equipamento a medida que determinadas condições ditas ideais forem atingidas.

Rapidez é o que Senna fez na primeira volta de Donington, 1993; velocidade é o que atingiu nos treinos de Mônaco, 1988. E em Jerez, 1990, ele uniu os dois conceitos de forma sublime.

Neste texto vou me ocupar de sua penúltima pole-position.

No GP do Brasil daquele ano, Senna já havia marcado o melhor tempo, sublimando seu companheiro de equipe. Mas teve um adversário importante: Michael Schumacher e a Benetton conseguiam encurtar a diferença para Ayrton nos trechos finais e em alguns momentos ameaçam alcançar a pole.

Apesar de conseguir superar o alemão nos treinos, na corrida a história seria diferente. Schumacher ficou colado em Ayrton até a volta 21, quando ambos foram aos boxes. A partir dali, o alemão tomaria a ponta e Senna, diante do óbvio, precisaria forçar demais o carro, buscando seu limite. E acabaria abandonando a prova a 15 voltas do final.

3 semanas depois, a Fórmula 1 desembarcava na pista de Aida, uma novidade completa na categoria e para todos os pilotos do grid. Um circuito em que um piloto rápido iria se beneficiar, portanto.

Como esperado, a disputa ficou mais uma vez polarizada entre Senna e Schumacher, com Damon Hill o único dos reles mortais que conseguia se aproximar um pouco que fosse.

Schumacher vai a pista e faz um tempo excelente. 1min10seg440. Senna não havia chegado aos 1min10s500 até ali. O brasileiro decide então ir para a pista, e faz uma volta lançada absolutamente especial. Guardadas as devidas proporções, lembrou aquilo que Mika Hakkinen realizou em San Marino, seis anos depois.

Como dizem os comentaristas logo na abertura de volta de Senna, “esta pode ser sua única oportunidade de conquistar a pole nesta tarde“.

Na primeira parcial, Senna passa acima do tempo de Schumacher, mostrando quão veloz o alemão estava. Senna é 0.072s mais lento. No segundo trecho, demarcado após a reta, Senna diminui bem a diferença, em mais de dois décimos. Agora ele tinha 0.146 abaixo do tempo original do alemão.

Por volta dos 40 segundos de sua volta, Senna escapa da pista brevemente, o carro saindo muito de frente. A Williams era instável demais. Nos cinco segundos finais, ele pisa na terra de vez, ricocheteando o carro. E o traz de volta para sua trajetória.

Ele completa a volta 0.222s à frente de Schumacher.

Restavam menos de 17 minutos para o fim da sessão. A câmera mostra Flavio Briatore confiante, dando ordens e solicitando urgência no preparo do carro #5.

Só iríamos ter uma ideia de quão dominante foi a pole de Ayrton quando vimos Schumacher indo a pista tão logo o brasileiro assumiu a ponta provisória.

Schumy foi para nova tentativa e… acabou mais de 1 segundo acima do tempo de Ayrton – é claro, na segunda parcial ele já havia percebido que não seria possível superar o tempo de Senna e aborta sua volta rápida.

A câmera focaliza em Briatore. O chefão da Benetton está brabo.

Mas depois de uma volta de desaceleração o alemão, em vez de retornar aos boxes, abre nova volta rápida. E supera em dois décimos… o próprio tempo.

O vídeo mostra Briatore novamente. Agora o fanfarrão italiano ri. Não há mais o que fazer.

Pat Symonds não aparece no vídeo: talvez estivesse em algum canto analisando os tempos e tentando entender como Senna conseguiu ser mais rápido que Schumacher…

Como o brasileiro abandonaria aquela prova já na primeira curva, e com toda a tragédia que ofuscou qualquer desempenho individual em Ímola, pode-se dizer que aquela tenha sido a última obra-prima de Ayrton Senna.

O último poema escrito por esse verdadeiro poeta das pistas.

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

5 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Grande Marcel

    Amigo, aquele treino do Pacífico foi realmente muito show, com o Senna mostrando a sua última obra prima de verdade.

    Eu lembro que no começo deste treino, na primeira tentativa do Senna, ele chegou a rodar numa curva de baixa, mostrando como o FW16 era mesmo um carro muito nervoso.

    Seria uma temporada extremamente trabalhosa em que Senna teria que usar de toda a sua experiência pra enfrentar um Schumacher rápido e, trapaceiro, visto as irregularidades embarcadas em sua b194.

    Abraço e um excelente carnaval a todos.

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  2. Fernando Marques disse:

    Marcel,

    nem sempre para ser o mais rápido é necessário ser o mail veloz … O Prost em corridas funcionava sempre como um reloginho virando quase todas as suas voltas no mesmo tempo e no fim vencia a corrida e era o mais rápido na corrida … este era o seu estilo … a melhor volta ele deixava para os outros …
    Agora nos treinos que definiam o grid de largada era necessário ser mais veloz e nisso o Senna era insuperável …
    O Pat Symonds está mais que certo …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • admin disse:

      Fernando,

      Obrigado pelo comentário.

      Na verdade, se os treinos tivessem número ilimitado de voltas e qualquer restrição de pneus e afins, Senna talvez não fizesse a mesma diferença.

      Porém, o que o diferenciava do resto era poder encontrar as condições ideais *antes* do resto. Por isso ele era o mais rápido.

      Abraços

      • Mario disse:

        eu acredito que em qualquer formato de treino Senna seria sempre o mais rápido, o seu feeling para encontrar a velocidade bruta ideal era muito acima dos demais, quem podemos comparar a ele seria Jim Clark, só que os registros da época de Clark são muito pobres para fazer uma comparação mais precisa

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