O campeão voltou

Otimismo à mesa
14/04/2017
O resgate esquecido
19/04/2017

Bom, meus caros, da forma como eu vejo, o GP do Bahrein foi um corridão, e atuação de Vettel foi de gala. E é fácil entender os porquês.

Para começar, o alemão esteve sempre dentro daquilo que poderíamos chamar de Plano A, sempre no controle de sua própria corrida. Ou quase sempre. Ficou claro – muito mais pelo desempenho de Bottas do que que pelo de Hamilton – que em configuração de classificação a Mercedes chegou ao Bahrein com uma cabeça de vantagem sobre a Ferrari, e a melhor posição de largada para o tetracampeão, em condições normais, seria a terceira. Dito e feito.

Partindo do lado limpo, Vettel tinha boas chances de chegar à curva 1 à frente de Hamilton, conquistando ali a segunda colocação e – mais importante que isso – deixando o rival na briga pelo título atrás de si. Novamente, dito e feito.

Ao longo do primeiro stint ficou claro que o finlandês da Mercedes não tinha ritmo de prova condizente com a liderança que ocupava, e isso representava um problema sério para Vettel, Hamilton e as Red Bull de Verstappen e Ricciardo, todos limitados pela toada do carro 77, e condenados a voltar da primeira troca de pneus em meio a vários conjuntos do pelotão intermediário.

Ora, esse era um complicador muito sério. Na Austrália Vettel bateu Hamilton justamente ao permanecer na pista mais tempo do que o inglês, a ponto de conseguir voltar à frente do conjunto (Verstappen-Red Bull) que estava limitando seu rival. Dadas as circunstâncias e o evidente desgaste da borracha de Bottas, talvez o mais recomendável fosse seguir a mesma cartilha e continuar abrindo vantagem em relação aos intermediários, contando que as Mercedes não teriam pista livre pela frente após efetuarem suas trocas, naquela altura iminentes. Mas, em vez disso, desta vez Vettel assumiu a responsabilidade de fazer funcionar a tática que arruinou a corrida de Lewis em Melbourne.

Pausa para um pouco de teoria.

Se um piloto tem um conjunto mais lento à frente e não quer perder muito tempo, suas melhores chances de ultrapassagem estão nas tentativas iniciais. Primeiro, é óbvio, porque andar muito perto de outro carro acentua o desgaste dos pneus, e isso faz com que rapidamente a vantagem momentânea (e decisiva) se evapore. Depois, porque o próprio piloto que vai à frente passa a acreditar que pode defender a posição, e naturalmente altera sua postura e sua disposição para brigar.

Em todo o grid, Vettel é provavelmente o piloto que melhor aplica essa cartilha, e isso não vem de hoje. Sempre que faz uma troca e encontra conjuntos mais lentos pela frente, ele tenta consolidar a manobra logo na primeira oportunidade, com os pneus ainda bons e o adversário ainda assustado pela forma como ele se aproximou tão rapidamente. E foi com essa postura “faca na caveira” que ele conseguiu, em meio a conjuntos mais lentos e sem o auxílio de bandeiras azuis, girar mais rápido que as Mercedes com pista livre e pneus desgastados lá na frente. E não foi pouco mais rápido não, pois três voltas mais tarde Carlos Sainz cometeu um erro infantil, atropelou Lance Stroll e acabou provocando a entrada do carro de segurança.

Andei ouvindo e lendo muita gente dizer que isso favoreceu a Vettel, o que é um absurdo sem tamanho. A rigor, a vantagem de efetuar a troca sob safety car é tão grande, que geralmente as equipes optam por chamar seus dois pilotos ao mesmo tempo. Foi, por sinal, o que a Mercedes fez neste domingo. Vettel, portanto, não venceu por causa do safety car, mas apesar dele.
“Ah, mas Hamilton acabou sendo punido graças a seu comportamento durante a intervenção.” Calma, chegaremos a isso em breve.

A despeito do azar de ter parado antes do carro de segurança, Vettel a essa altura estava em excelente posição. Era o líder, à frete de Bottas, Ricciardo e Hamilton, o inglês beneficiado pelo problema com os freios que tirou Verstappen da disputa. A relargada obviamente seria crucial, e a defesa de posição do ferrarista foi vigorosa e precisa. A partir daí, mesmo com pneus supermacios mais rodados que os de Bottas, Vettel conseguiu martelar uma impressionante sequência de voltas na casa de 1’34, abrindo pouco mais de 5s de vantagem sobre o finlandês enquanto era avisado de que Hamilton, naquela altura na terceira posição, teria 5s acrescentados a seu tempo por ter prejudicado Ricciardo durante o pit stop.

Ao fim do impressionante stint de 23 voltas Seb voltou à pista providencialmente à frente de Ricciardo – algo que Bottas, ao fim de sequência mais curta e lenta, não conseguiu. Hamilton era o líder, mas tinha pneus velhos, e o já citado acréscimo de tempo, que reduzia sua vantagem para aproximadamente 10s. E o mais importante: Vettel nem ao menos precisaria ultrapassá-lo para vencer. Bastava se manter por perto.

Com o alemão dando início a nova sequência de voltas rápidas Hamilton finalmente foi chamado aos boxes, de onde sairia com pneus macios já usados. Sua vantagem de desgaste em relação a Vettel, dessa forma, era de apenas quatro voltas, e por isso o que ele fez nas quinze voltas finais é impressionante – não fosse pela punição, os dois primeiros teriam recebido a bandeirada muito próximos. Ainda assim, o ritmo impressionante no assalto final apenas reforça a certeza de que o conjunto Hamilton-Mercedes ficou abaixo daquilo que poderia ter rendido em Sakhir.

Lewis, ao contrário de Vettel, operou sempre no que poderíamos chamar de plano B, de maneira reativa e tortuosa, a partir do momento em que perdeu a pole position para o companheiro de equipe.
A largada no lado sujo certamente não ajudou sua progressão rumo à curva 1, na qual foi superado por seu rival direto na luta pelo título. Da mesma forma, sua atitude desesperada na primeira troca de pneus só ocorreu porque ele ainda estava atrás do companheiro, e teria de arcar com todo o prejuízo da troca simultânea dos dois carros. Acumulando atrasos reservados a quem é privado das melhores estratégias graças ao posicionamento inicial, Hamilton teve de se submeter ao desgaste e ao constrangimento de superar por duas vezes o companheiro a partir de ordens via rádio, envenenando no processo o ambiente dentro da equipe.

Tudo isso, para se posicionar onde deveria estar desde o início.

Felipe Massa fez uma prova bastante decente. Entregou bons tempos de volta durante stints longos, e não resistiu excessivamente em brigas que não tinha chance de vencer, como tantas vezes fez no passado.

Sua grande pisada de bola ao longo do fim de semana parece ter sido a resposta dada a Verstappen (“tenha cuidado com o que diz. Você ainda vai correr no Brasil”), diante da declaração infeliz atribuída ao jovem piloto da Red Bull.

Como bem colocou o amigo Marcel Pillati, Massa acabou fazendo sua parte para corroborar a (injustificável) generalização, perdendo preciosa oportunidade de representar o Brasil fazendo algo além de acelerar e virar o volante.

Para encerrar, não posso deixar de criticar a falta de informações entregues ao espectador durante a transmissão desta nova F1. Parece incrível que não haja ninguém capaz de fazer a leitura do desenrolar de uma corrida, de modo a orientar o que é relevante ou crucial em momentos decisivos da disputa. Nem mesmo o interessante diagrama dos setores subdivididos, que apareceu em Melbourne, parece ter sobrevivido para contar a história.

Forte abraço, e tenham todos uma ótima semana.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

7 Comments

  1. Fabiano Bastos disse:

    Márcio,
    Concordo contigo sobre a falta de informações disponibilizadas pela transmissão da TV brasileira e vou além, a informação não é disponibilizada porque a equipe não se prepara. Apesar de dispor de uma repórter no circuito, de ter acesso a todas as informações disponibilizadas pela FOM, não foram capazes de, por exemplo, entender que as estratégias de paradas e pneus dos competidores foi ditada, dentre outras coisas, pela disponibilidade de pneus novos. Precisam melhorar se querem mais audiência. Depois reclamam que a F1 está muito complicada para o telespectador.
    Mas, se me permite, discordo da análise feita sobre a declaração do Felipe Massa frente a besteira dita pelo Verstappen. O que o Massa disse não foi muito diferente do que o Verstappen deve ter ouvido da própria equipe e patrocinadores. Se queimou de graça com um mercado importante. Além do mais, Felipe é brasileiro e também deve ter se ofendido.
    Também me ofendi, mas fiquei principalmente preocupado com os reflexos dos últimos escândalos de corrupção na imagem de todos os brasileiros mundo a fora.

    • Obrigado pelo retorno, Fabiano.
      E sinta-se sempre estimulado a comentar, concordando ou não. Não somos donos da verdade, e o espaço fica muito mais rico quando conta com a diversidade de opiniões.
      Suas preocupações também me afligem.
      Forte abraço, e escreva sempre.

  2. Mauro Santana disse:

    Belo texto Amigo Márcio!

    Realmente, este GP foi um corridaço, e esta muito interessante ver esta disputa Ferrari x Mercedes.

    Acredito que o Kimi ainda vá vencer corridas, e por que não, entrar na briga pelo título.

    Porem, nesta nova F1, insisto em falar, que se esta regra de pneus caísse em desuso, e os compostos fossem mais duráveis, teríamos desde o GP da Austrália, o pau comendo solto dentro da pista pela vitória.

    Grande abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  3. MarcioD disse:

    Marcio,

    Não me agrada muito a ideia de uma categoria como a F1 ter as suas corridas decididas em cima de táticas de trocas de pneus e paradas de boxe. Acho excessivo o nº de tipos de pneus slick colocados à disposição das equipes. Isto logicamente é proposital, com o objetivo de artificialmente tentar embaralhar as disputas, induzindo situações propicias ao cometimento de erros. Prefiro as corridas decididas na pericia, no arrojo, na rapidez, em poupar o carro e os pneus, em estratégias elaboradas na cabeça de um piloto com pouca influencia externa, mesmo sendo a custa de maiores diferenças de tempo ao final.

    De toda forma está sendo superior ao ano passado onde tínhamos o domínio arrasador de um time. O que vi de melhor foi a tentativa (frustrada) de ultrapassagem de Bottas sobre Vettel. Lewis começou a perder a corrida quando foi superado por pouco na disputa da pole, largando no lado sujo.
    Estou ansioso para ver uma disputa direta dele contra Vettel com pneus iguais e no mesmo estado.

    Márcio

    • Salve, xará!
      Concordo contigo, todos esses artificialismos deveriam ser banidos, até mesmo porque eles são pensados para injetar o caos em anos ruins, e acabam estragando os bons.
      Mas faço uma ressalva: as corridas só estão sendo decididas nos detalhes porque a diferença entre os principais conjuntos do ano está muito, muito pequena.
      E isso, claro, é bastante positivo.
      Abraços e escreva sempre.

  4. Fernando Marques disse:

    MArcio,

    a temporada de 2017 continua prometendo … só pude ver um pouco do inicio da corrida pois precisei sair em razão de uma urgência … mas o pouco vi, gostei e cheguei a pensar que Massa poderia brigar por um pódio.
    Vettel renasce junto com a Ferrari e finalmente a Mercedes tem uma adversária a sua altura …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

Deixe um comentário para Márcio Madeira da Cunha Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *