Em defesa da Hungria

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Sebastian Vettel (GER) Ferrari SF70H leads at the start of the race. 30.07.2017. Formula 1 World Championship, Rd 11, Hungarian Grand Prix, Budapest, Hungary, Race Day. - www.xpbimages.com, EMail: requests@xpbimages.com - copy of publication required for printed pictures. Every used picture is fee-liable. © Copyright: Moy / XPB Images

Pessoalmente, jamais gostei do traçado do Hungaroring, e gosto ainda menos em sua configuração atual, com a reta prolongada e a freada mais acentuada da curva 1. Se tivesse a chance de escolher uma pista do calendário para acelerar um carro de corrida, certamente minha opção não seria por lá. No entanto, isso não significa dizer que não reconheça os méritos do circuito, nem tampouco que não o perceba como peça estratégica do campeonato mundial.

Falar desta pista é, de novo, dar de cara com a inquebrantável relação entre “emoções” e ultrapassagens, que, para muitos, torna possível quantificar o quão boa foi uma prova a partir da quantidade de vezes em que pilotos superaram uns aos outros. Sem querer ser chato, esta é uma corrente que eu questiono profundamente. Acredito que o aumento das dificuldades reduz sim o número de ultrapassagens e favorece quem precisa se defender, mas, por isso mesmo, agrega muito valor às manobras concretizadas. Não é por outro motivo que algumas das mais memoráveis ultrapassagens já registradas em vídeo aconteceram por lá. Vide o que Barrichello fez com Schumacher em 2010, e o que Mansell e Piquet fizeram com Senna em 1989 e 1986 respectivamente, para citar apenas três exemplos. Sem recorrer ao Google, poderia lembrar um grande número de momentos de alto nível aqui.

Mas é preciso ir além, porque saber se defender também é uma arte, também faz parte do jogo. No fim, todos sonham com corridas nas quais conjuntos menos rápidos tenham condições de brigar pela vitória, mas isso só é possível em ambientes nos quais a caça tenha chances reais de se defender. É preciso que amadureçamos enquanto críticos, entendendo que ou queremos mais de cem ultrapassagens num único GP, ou queremos que mais conjuntos tenham chance de vitória. As duas realidades simplesmente não podem coexistir, especialmente numa era em que quebras de equipamento foram praticamente abolidas.

E nossa linha de raciocínio não para por aqui, pois pistas de difícil ultrapassagem têm a propriedade de valorizar a (tantas vezes negligenciada) arte do posicionamento, a começar pelos treinos de classificação. Chegar a uma pista como Hungaroring e conquistar o degrau mais alto do pódio é tarefa que começa na sexta-feira, e encontra grande peso no sábado, no momento de partir para uma volta kamikaze e chamar a responsabilidade, muitas vezes revertendo o ordenamento hierárquico que vinha se tornando padrão em corridas anteriores. E então, todo este esforço ainda precisa ser confirmado na largada, rumo a uma das freadas mais importantes e tensas de todo o ano. Foi exatamente isso que Vettel fez neste fim de semana, lançando mão de sua grande habilidade para administrar a transferência de peso em transições de média e alta velocidades (abundantes na pista magiar), com a grande vantagem de ter Kimi Räikkönen a seu lado na 1ª fila.

Partindo da pole position e sendo escoltado a distância segura pelo companheiro de equipe, Vettel parecia ter a corrida sob controle durante os primeiros 100km de disputa. Bottas surgia cerca de oito segundos atrás de Kimi, enquanto Hamilton era limitado em seu avanço pela afoita Red Bull de Verstappen, que logo nos primeiros metros havia abalroado e destruído a corrida do próprio companheiro de equipe, provocando no processo uma intervenção do carro de segurança que iria durar cinco voltas. Poucos minutos depois seria anunciada punição de 10s a Verstappen, ampliando ainda mais o prejuízo dos rubrotaurinos. O holandês, contudo só iria cumpri-la na metade final da corrida, quando fez sua única troca de pneus.

A dinâmica da prova, no entanto, começaria a mudar quando os líderes se aproximavam da 30ª volta. Vettel apresentou sinais de perda de rendimento ligados ao sistema de direção, e quando as Mercedes de Bottas e Hamilton foram aos boxes em voltas consecutivas, a Ferrari chamou o líder para a troca a fim de preservar sua liderança. O maior sinal de algo estava errado com Vettel, contudo, foi dado na volta seguinte, quando Räikkönen foi chamado aos pits e, mesmo tendo girando com pneus desgastados, retornou à pista colado ao companheiro de equipe. A reclamação veio pelo rádio: o finlandês dizia que ainda estava muito rápido quando foi chamado à troca e, se tivesse permanecido mais tempo na pista, possivelmente teria assumido a liderança.

A rigor, durante toda a segunda metade do GP, Räikkönen se mostraria mais rápido que Vettel, sem jamais, contudo, ter sido autorizado a atacar. O campeão de 2007 atuou como um zagueiro de luxo, enquanto a Mercedes invertia o posicionamento de seus pilotos sob a promessa de que, caso Hamilton se mostrasse incapaz de superar ao menos uma das Ferraris, a troca seria desfeita antes da bandeirada. Quando este áudio foi divulgado, poucos acreditaram que fosse sério.

Hamilton, afinal, é o principal nome do time na briga pelo título, e para tornar as coisas ainda mais complicadas, o inglês começou a abrir distância em relação ao companheiro de equipe tão logo foi alçado à terceira posição. Para completar o cenário de descrença, nas voltas finais Bottas era seguido de perto por Verstappen, tornando a devolução da posição uma manobra arriscada. Ainda assim, no último giro, a Mercedes fez cumprir sua promessa e devolveu Bottas ao último degrau do pódio, relegando Hamilton à quarta posição que lhe era de direito. O curioso é que, ao permitir que seu primeiro piloto atacasse as Ferraris, a Mercedes o impediu de tentar ao menos ser terceiro, eventualmente superando na pista o companheiro de equipe.

A história dos cinco protagonistas da corrida foi basicamente esta, mas seria muito injusto falar deste GP sem dedicar palavras de louvor ao grande piloto do dia.

Brilhante ao longo de todo o fim de semana, Fernando Alonso aproveitou-se das características do Hungaroring para confirmar tudo o que disse a respeito da pista na primeira parte deste texto. Rápido e aguerrido do início ao fim, o bicampeão não apenas assinou a manobra mais bonita do dia, por fora, sobre o compatriota e amigo Carlos Sainz, como também conseguiu a proeza de assinalar a volta mais rápida da corrida na última passagem!

E o melhor ainda estava por vir. Cada vez mais folclórico e desapegado de protocolos, o asturiano aproveitou-se da inusitada pintura de seu famoso meme de relaxamento produzido em Interlagos anos atrás, para reproduzir a cena e curtir o sol húngaro numa cadeira de praia. A imagem, coroada por uma placa na qual dizia que a F1 desejava boas férias a todos, roubou completamente a atenção do pódio, e não deixou de fazer justiça ao grande piloto do dia.

O GP da Hungria de 2017 deverá ser lembrado também como o primeiro sem a presença de um piloto brasileiro desde a controversa prova em Imola, 1982, eternizada pelo boicote dos times ingleses (exceto Tyrrell), e pela disputa dolorosa entre Pironi e Gilles Villeneuve.

Felipe Massa passou mal durante a tarde de sexta-feira – falou-se em virose, mas o diagnóstico mais preciso nos foi dado pelo chefe Edu: “Massa está com problemas hidráulicos” – e foi substituído, de forma competente e inesperada, pelo escocês Paul di Resta, afastado da F1 desde o fim de 2013.

Fórmula 1 sem brasileiro na pista era uma perspectiva que tínhamos já para 2017, e que seguimos tendo para os próximos anos. É uma pena, principalmente por refletir a desconstrução de nossa estrutura – e o que parece mais sério – nossa cultura automobilística.

O segredo de nosso longínquo sucesso nas pistas não estava na água que bebemos, afinal.

Abraços, e uma ótima semana a todos.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Marcio,

    corrida em Hungaroring é exatamente isso aí que você escreveu.
    Agora estas manobras táticas das equipes não me agrada.
    Bottas tinha mais carro que Hamilton mas a Mercedes não deixou ele tentar brigar pela vitoria.
    Raikkonen tinha mais carro que Vettel mas a Ferrari não deixou ele brigar pela vitória.
    Para ser sincero não gosto disso.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Mauro Santana disse:

    Grande texto, amigo Márcio!

    A respeito do campeonato, Bottas está sendo o Hamilton de 2007, com a diferença a seu favor de ser um piloto cerebral.

    Alonso é o melhor piloto do Grid, fato!

    E infelizmente, a água que bebemos, não é mágica como imaginávamos.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

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