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The 1986 World Championship contenders: (L to R) Ayrton Senna (BRA), Lotus; Alain Prost (FRA) McLaren; Nigel Mansell (GBR) Williams; Nelson Piquet (BRA) Williams. Formula One World Championship, Portuguese GP, Estoril, 21 September 1986.

Há momentos e imagens tão fortes que dispensam qualquer palavra. O registro em imagem de algumas passagens na história por vezes atinge o ápice da arte e captura algo que transcende toda a nossa imaginação.

Alguns sentimentos vêm à tona quando, de tempos em tempos, olhamos essas fotos. Quer sejam boas ou não, são emoções que afloram e cada pessoa tem o seu próprio jeito de lidar com esses sentimentos. Felizmente os bons fotógrafos espalhados por esse mundo são capazes de eternizar grandes momentos em fotografias.

Hoje quero reviver um desses momentos, que certamente pode ser classificado como icônico e eterno de uma das fases mais belas da história da Fórmula 1.

Voltamos no tempo, mais precisamente para o dia 20 de setembro de 1986, autódromo de Estoril, Portugal. Após a sessão que definiu o grid de largada da antepenúltima corrida da temporada, o chefão da Fórmula 1 Bernie Ecclestone junta os quatro postulantes ao título daquele ano.

Na mureta dos boxes, Senna, Prost, Mansell e Piquet foram eternizados juntos, naquela que talvez seja a foto mais famosa de toda a história da Fórmula 1.

A Fórmula 1 já havia adquirido desde o início dos anos 80 um status global inimaginável até então, exceto na cabeça de Bernie Ecclestone, que desde que assumira o posto de dirigente, nos anos 70, traçou uma rota implacável de globalização e profissionalização da categoria.

Como uma raposa que hoje sabemos que sempre foi, Bernie sabia que aqueles quatro pilotos representavam uma geração que havia sido moldada com perfeição aos seus planos e juntá-los seria algo de emblemático na concretização de seus planos. Não poderia ter tido ideia mais feliz.

Hoje, avaliando em retrospectiva, resolvi pinçar o período que mais reuniu esses quatro pilotos em disputas diretas entre si. Falo, especificamente, de 1985 até 1992, período que podemos pontuar como o mais profícuo para o crescimento da categoria.

Nesse período, os quatro da foto disputaram 128 grandes prêmios, e venceram nada menos que 105 deles, ou 82% das corridas disputadas

Podemos apontar que mais do que domínio nas provas, esse foi um grupo muito talentoso, com membros muito diferentes entre si. Mesmo assim, esse período não pode ser considerado monótono; pelo contrário, foi bem dinâmico nas disputas.

Quando a temporada de 1985 começou, apenas Piquet, o primeiro do grupo a estrear e a vencer corridas, já havia sentido o gosto da conquista de um campeonato (na verdade dois, 1981 e 1983) e, nem Mansell nem Senna haviam ainda vencido na categoria.

Prost, por sua vez, havia perdido os dois campeonatos anteriores por muito pouco. O de 1983 ele havia perdido para Piquet por uma diferença de apenas 2 pontos e o de 1984 seria ainda mais dramático, com derrota para Niki Lauda por uma diferença de meio ponto, a menor entre o campeão e o vice da história da categoria.

Naquela época muitos começavam a duvidar se Prost de fato iria conseguir quebrar essa barreira e conquistar um título na F1. Assim, no início da temporada de 1985, havia várias perspectivas envolvendo esses 4 pilotos:

– Seria Prost capaz de conquistar um campeonato, o ansiado primeiro título de um francês?

– Quais chances reais teria Piquet? Tendo a Brabham optado por assinar um contrato com a Pirelli, seria mais um ano desperdiçado desenvolvendo esse pneu, como havia acontecido em 82, quando a equipe assinou com a BMW?

– Senna, desde sempre apontado como futuro campeão, iria responder às expectativas de andar bem na Lotus, em seu primeiro ano numa grande equipe? Quebraria ele a barreira da vitória?

– E Mansell, após anos pouco frutíferos na Lotus, conseguiria na Williams confirmar a aposta em seu talento? Quebraria ele também a barreira da vitória?

A prova de abertura da temporada foi no Brasil, no assassinado autódromo de Jacarepaguá. Prost conquista a vitória e tudo parece caminhar para o tão sonhado título para o francês.

A prova seguinte é em Portugal. Nos treinos, o talento de Senna aflora e ele conquista sua primeira pole, todos sabiam que era apenas uma questão de tempo para isso acontecer, mas o melhor ainda estava por vir. A prova acontece debaixo de um temporal como a muito não se via e, numa pilotagem segura, Senna conquista sua primeira vitória na categoria.

Nesse GP entra em cena um personagem que não estava bem cotado no script no início do ano. Era o italiano Michele Alboreto pilotando uma Ferrari, que assume a liderança do mundial e passa a ser o principal adversário de Prost no campeonato.

As provas seguintes são respectivamente os GPs de San Marino, Mônaco, Canadá e EUA em Detroit. Prost vence em San Marino, mas é desclassificado, o novo vencedor é Elio de Angelis, companheiro de Senna na Lotus, que momentaneamente assume a liderança.

Na prova de Mônaco, a vitória fica com Prost, enquanto que em Montreal Alboreto vence sua primeira no ano. Em Detroit, Keke Rosberg vence com sua Williams. Alboreto em função de sua constância em pontuar, se mantém na liderança do mundial de pilotos

Nesses GPs, Senna enfrenta problemas e acaba abandonando todas, Mansell consegue apenas um sexto lugar no Canada e Piquet, que estava até então zerado na tabela do campeonato, marca seu primeiro ponto em Detroit com um sexto lugar. 1985 foi um ano que hoje podemos entender como um ano de transição, entre uma geração e outra, por isso mesmo essa fase foi bem atípica.

Senna confirma seu enorme talento e começa a mostrar seu potencial, tanto nos treinos, em que termina com 7 poles, como nas disputas das provas, nas quais ele obtém o maior número de voltas na liderança: 271 voltas das 1.032 disputadas. Seu resultado final na tabela, porém, é prejudicado pelo alto índice de abandonos – 9 em 16 provas.

Tudo muda quando a trupe da F1 volta a correr na Europa, tendo o GP da França aberto a temporada europeia. Numa prova marcada pelo intenso calor, Piquet leva a sua Brabham a vitória, muito em função dos pneus Pirelli que aguentaram a alta temperatura da pista. Prost fica em quarto, Senna e Mansell abandonam

A prova seguinte, em Silverstone marca uma nova vitória de Prost, com Alboreto em segundo. O italiano consegue manter a ponta no campeonato por uma diferença de apenas 2 pontos, e ambos começam a polarizar a disputa, já que os demais começam a ficar mais distantes da pontuação.

Na prova seguinte, na Alemanha, no redesenhado circuito de Nürburgring, as posições se invertem: vitória de Alboreto com Prost em segundo, e já estava claro que seriam eles os protagonistas desse campeonato. Na prova seguinte, na Áustria, Prost vence e Senna quebra a sequência de 7 abandonos, ao cruzar em segundo, seguido por Alboreto, que após 10 GPs dividia a liderança da tabela com Prost.

O GP da Holanda marca o ressurgimento de Lauda, que estava tendo uma incrível sucessão de azares e consequentes abandonos. O campeão de 1984 mostrou a combatividade dos velhos tempos segurou de forma magistral um Prost que esteve em sua cola durante as últimas 20 voltas. A diferença na bandeirada é de apenas 0.232s. O duo da McLaren é seguido por Senna em terceiro, Alboreto em quarto.

A prova seguinte é em Monza, terra da Ferrari, que esperava, claro, um grande desempenho de Alboreto para reassumir a ponta do campeonato. Mas a prova acaba sendo uma tragédia ferrarista, com vitória de Prost e abandono do piloto da casa. Junto com o francês estão Piquet em segundo e Senna em terceiro, na primeira vez eles aparecem juntos no pódio.

Na sequência temos o GP da Bélgica em Spa-Francorchamps, onde novamente chove, e novamente Senna domina. Sua fama de excelente piloto na chuva começa a ser construída, completam o pódio Mansell em segundo e Prost em terceiro. A liderança de Prost na tabela é reforçada por mais um abandono de Alboreto, enquanto isso Senna sobe para a terceira posição na tabela de pontos

A prova seguinte é em Brands Hatch na Inglaterra, prova denominada de GP da Europa. Após uma luta franca entre McLaren, Ferrari e Lotus durante o ano, a fase final da temporada tem o crescimento da Williams como potência dominante – muito em parte pelo motor Honda, que nessa altura, já era o melhor da Fórmula 1.

Nas primeiras voltas, Rosberg ataca ferozmente o pole Senna. A luta resulta em uma rodada do finlandês bigodudo, após uma fechada dura do brasileiro. Rosberg é obrigado a trocar seus pneus, mas volta bem na frente de Ayrton, agora como retardatário. E ele atrasa o brasileiro de maneira a permitir que o companheiro Mansell passe para a liderança, a caminho de sua ansiada primeira vitória. Naquele momento, o inglês passa a ser o piloto a disputar mais GPs até vencer.

Senna termina na segunda posição e Rosberg numa impressionante recuperação, desconta a volta e termina em terceiro. Prost chega na quarta posição e finalmente se sagra campeão mundial de Fórmula 1

Alboreto termina o ano como vice-campeão, mas passa pelo vexame de não pontuar em nenhuma prova a partir do GP da Itália, por enquanto essa foi a última vez em que um piloto italiano correu pela Ferrari com reais chances de vencer um mundial.

As duas últimas provas do mundial são os GPs da África do Sul e da Austrália, nessas duas provas fica patente a supremacia que a equipe Williams havia finalmente alcançado, seus carros vencem de forma absoluta, tendo Mansell obtido sua segunda vitória na categoria na África em dobradinha com Rosberg, já Rosberg vence de forma soberana na Austrália, confirmando todo seu talento em circuitos de rua.

https://youtu.be/UA-A8NFvVXk?t=15s

Durante quase nove meses, espectadores e telespectadores puderam apreciar esses assustadores carros de corrida com motores de quase mil cavalos concorrendo a mais de 300 km/h.

A temporada de 1985 foi definitiva para realizar uma transição e trazer os quatro protagonistas da foto para as suas melhores formas. Eles estavam todos maduros para disputarem entre si os próximos campeonatos.

O motor turbo atinge seu pico de popularidade e, com seus excessos, seus perigos, mas também a incrível exaltação de potência que ele desperta. O público está entusiasmado com a nova geração que desponta, Alain Prost, “o professor”, Nelson Piquet, o “piloto astuto”, Ayrton Senna, o “menino prodígio”, ou Nigel Mansell, o novo orgulho da Grã-Britânica.

Uma mudança importante estava acontecendo nesse período. Piquet havia assinado para correr pela Williams, e o que ele e ninguém imaginava é que, tendo Mansell sentido o gosto da vitória, seria um adversário tão complicado em sua vida nos próximos dois anos.

Mas esse assunto vamos abordar na coluna seguinte.

Até breve!

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

4 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Mario,

    o amigo está cada vez mais show de bola e sempre arrebentando com as melhores lembranças da Formula 1 … esta foto de Senna, Prost, Mansell e Piquet juntos realmente é imbatível …
    Tenho poucas lembranças da temporada de 1985 … talvez por saber na época, que seriam pequenas as chances de Piquet brigar pelo título … e que dificilmente poderia vibrar com seus triunfos, o que ocorreu apenas uma vez no GP da França … tudo bem que tinha a expectativa em torno do Senna na Lotus … mas meu foco em termos de torcida foi sempre para Piquet enquanto ele esteve nas pistas … e por isso a minha maior alegria em 1985 com certeza foi saber que Piquet iria correr pela Willians a partir de 1986 e que voltaria a ter um carro vencedor …
    Este período de 1985 até 1992, certamente é o mais rico em termos de emoções na história da Formula 1 e merece ser sempre lembrado …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Carlos Chiesa disse:

    Que delícia, Mário! Recordar é reviver, e essa é uma época que vale a pena reviver. 4 inegáveis talentos, bastante diferentes mesmo, com equipamentos que permitiam disputas memoráveis, coadjuvados por Lauda, Rosberg (ambos campeões) e um Alboreto aparentemente promissor. Showtime!

  3. Cleiton disse:

    1985 foi uma temporada de aquecimento para, talvez, a mais emocionante de todos os tempos, que foi 1986!
    Voltei no tempo agora, me lembrando dos carrinhos de plástico numerados em forma de F1 que eu tinha e com os quais organizava campeonatos, jogados em pistas desenhadas naqueles papéis usados por engenheiros para desenharem as plantas de construções, pistas que eram divididas em blocos numerados e que eu utilizava dois dados para os carrinhos percorrerem o trajeto.
    Outros tempos!

  4. Mauro Santana disse:

    Grande Salu!

    Bela coluna, e eu sou suspeito em falar desta época, pois foi em 85 que eu possuo flashes em minha memória, como a alegria e tristeza de todos lá em casa com a primeira vitória de Senna, e a morte de Tancredo.

    Também o GP da Europa, com Prost campeão, e foi a última vez que um piloto que se sagrava campeão, subia ao pódio sem ter terminado entre os três primeiros colocados, isso nunca mais aconteceu.

    Também a festa com a vitória de Piquet em Paul Ricard, pois meu pai é meus tios sempre foram fãs de Piquet.

    E do GP da África do Sul, prova realizada num sábado, e com um Rosberg fazendo uma caçada tão implacável no final, que eu depois tentava fazer o mesmo com meus 4 F1 de madeira que eu adorava brincar.

    A partir do GP de Jacarepaguá de 86, eu já acompanharia de maneira assídua, pois em 85 eu já estava apaixonado por aqueles carros monstruosos, que cuspiam fogo e roncavam de maneira única, ao ponto de eu e meus amigos sempre quando andavam de Caloi Cross pelo bairro, se passar por uma destas feras, transformando as bikes em Brabham, McLaren, Ferrari, Williams e Lotus.

    Que saudades…

    Que venha 86!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

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