A 300 km por hora – final

A 300 km por hora – parte 2
16/02/2018
Porta da frente
21/02/2018

Confira as partes anteriores clicando aqui.

Os temores de Pescarolo sobre a capacidade de Graham Hill logo se dissipariam quando, aplicando tudo o aprendido naquele velho Lotus 16 dos inícios de sua carreira, Hill resistiria a tentação de seguir o ritmo frenético imposto pelos Alfa-Romeo e os Lola no principio da prova, adotando uma tática conservadora até que, quando chegou a noite e sob forte chuva, Hill, pilotando de forma impecável, seria volta após volta, consistentemente, o mais rápido na pista até chegar à segunda posição, atrás do Matra da dupla Cevert / Ganley para, quando o neozelandês entra box boxes para trocar pneus, assumir a liderança com boa vantagem sobre eles.

Mais tarde, o carro de Cevert / Ganley, seria golpeado por trás por um retardatário o que deixou a Hill / Pescarolo via livre para vencer a prova com 11 voltas de vantagem sobre a dupla franco-neozelandesa. Como diria o próprio Pescarolo:  “Devido à sua idade ( 43 anos ), eu pensava que ele não assumiria nenhum risco, mas logo percebi que Hill não era um piloto ordinário. A sua forma de pilotar à noite sob a chuva foi decisiva para a nossa vitória!

https://youtu.be/NYiZUMlGM3A

No entanto, aquela seria uma vitória amarga para Hill pois, durante a prova, soube que seu amigo Jo Bonnier havia perdido a vida num grave acidente nas horas inicias da corrida, depois de haver chegado a liderar a prova. Contudo, nem a tristeza pela perda do amigo o fez perder a concentração e aprumo. Assim Hill, mostrando a qualidade humana que o havia feito ser um dos mais respeitados e queridos pilotos  da época, decide pedir ao manager da equipe que modifique a programação dos revezamentos para que fosse Pescarolo quem pegasse o carro no último turno.

Segundo Hill, sendo uma equipe francesa numa prova francesa, o lógico é que um piloto francês recebesse a bandeirada de chegada. Surpreendido, o manager concorda e, assim, foi Pescarolo quem viu a bandeira quadriculada em primeiro lugar e quem saiu do carro sob a fervoroso júbilo do seu público, recebendo a maior ovação no pódio, enquanto Hill se mantinha num discreto segundo plano. Aquela seria sua última grande vitória no automobilismo, com a que se tornava o primeiro piloto a conseguir a chamada tríplice coroa, ao haver vencido em Mônaco, Indianópolis e Le Mans, algo que nenhum outro piloto conseguiu até hoje.

O nobre comportamento mostrado por Hill , era algo que havia sido habitual nele ao longo dos anos. Jackie Stewart, quem foi seu companheiro na BRM diria de Hill naqueles anos: “Ele era um cavalheiro na pista. Numa época em que não se podia dizer o mesmo de todos os pilotos, Graham sempre mostrou bons modos na pista. Ele jamais te dava fechadas!“. Apos seu acidente de 1969 em Watkins Glen, onde sofreu graves fraturas em ambas pernas, Hill se dedicou a obras de caridade em pról de de pessoas inválidas ou com problemas de mobilidade, e participou ativamente em promover melhoras e novas normas de tráfego que as pudessem ajudar. Naqueles anos, Hill também escreveria um livro sobre o manejo seguro de um carro que se tornaria um best-seller  cujo titulo era “Advanced driving with Graham Hill“, e que continua a ser re-editado até hoje.

Porém, excetuando a vitória em Le Mans, na formula um a temporada de 1972 foi bastante medíocre ao volante do Brabham BT37, com o que conseguiria apenas um 5º e dois 6º lugares. Para a temporada de 1973, Hill se inscreve com sua própria equipe – Embassy Hill –  e aluga um Shadow DN1, mas os resultados são tão pobres que para 1974, Hill passa a usar o Lola T370 com o que as coisas não melhoram grande coisa, ainda que Hill, na Suécia, nos brindaria seu último ponto na formula um, ao escalar da 15ª à 6ª posição.

Em 1975, após começar a temporada com o Lola T370, em Mônaco seu próprio carro se apresenta: o Hill GH1. Ali, em “seu circuito”, Hill sofreria uma grande decepção ao não poder se classificar. Já com 46 anos de idade, o tempo se impunha de maneira implacável ao seu entusiamo, e Hill… pendura o capacete para se concentrar na direção de sua equipe.

Com o Jovem e promissor piloto Tony Brise, as coisas parecem melhorar e um novo modelo se estava preparando para a temporada de 1976: o GH2. Infelizmente, no dia 29 de novembro, quando Hill, Brise, o engenheiro Andy Smallman e seus três melhores mecânicos, retornavam à Inglaterra depois de uns testes em Paul Ricard, a avioneta Piper que Hill havia comprado com o premio de sua vitória em Indianápolis, desaparece antes de chegar ao aeroporto de Elstree. Tudo parecia indicar que a densa neblina daquele dia lhes fez perder a orientação e foram se arrebentar contra as árvores de um campo de golf próximo ao aeroporto. Aquilo era o fim da Embassy-Hill.

https://www.youtube.com/watch?v=RtJk7Xxn5OA

Como havia ocorrido no filme, tanto Lalo quanto Hill, dois modestos mecânicos, conseguiram cumprir seu sonho de ser pilotos. No caso de Lalo, sua vitória na copa Brasil nos deixa imaginar aquela conquista como o inicio de uma bem sucedida carreira. No caso de Hill, não é necessário imaginar nada pois o sucesso ficou confirmado ao longo dos 20 anos durante os quais Graham não apenas mostrou ser um grande campeão na pista, mas também fora dela.

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

6 Comments

  1. bslnew disse:

    Cada piloto da F1 tem sua história. Podemos citar aqueles que dirigiam com o coração e nos encantaram (Gilles e Peterson), os pensadores (Prost e Lauda), aquele outro que não era um campeão, mas mudou o mundo da f1 posteriormente (De Cesaris e Icks), e outros tantos que nos fascinam por suas peculiaridades (Mansell, Rosberg).
    E o grande Hill não poderia faltar, uma pena que não pudemos ser brindados com sua vida posterior e seus comentários de uma fórmula 1 em constante mudança, seja para melhor ou pior…

  2. Mauro Santana disse:

    Grande Manuel, nos brindando com mais uma história incrível!

    Parabéns por mais este gol de placa!

    Abraço!!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  3. Rubergil Jr. disse:

    Muito boas colunas. Que história tem este Sr. Graham Hill! Um monstro das pistas.

  4. wladimir duarte sales disse:

    Único ganhador da tríplice coroa, vencedor em Le Mans já no ocaso da carreira e ligeiramente subestimado pelos companheiros da equipe Matra devido à idade, Ídolo de Emerson Fittipaldi e de toda uma geração de pilotos, famoso pelo começo tardio no automobilismo e na F1 e também por uma das mais longas carreiras na categoria máxima(176 gps, quase 18 temporadas). Lamentável que depois de 1969 não teve mais vitórias ou pódios e marcou poucos pontos numa Brabham abandonada pelos fundadores. Certamente brilharia como dono de equipe pois o Hill GH1 mostrava franca evolução e guiaram para ele o já promissor Alan Jones e a revelação Toni Brise. E creio que, assim como o filho Damon, Graham Hill era a princípio um anti-piloto pois vinha da profissão de relojoeiro. Mas nenhum ponto negativo pode ofuscar o grandioso legado desse monstro sagrado do automobilismo!

  5. Manuel disse:

    Bom dia Fernando,
    Naquela ediçao da 24 horas de LeMans, a dupla Hill / Ginther participou apenas como convidada, pois o Rover Turbo era um carro experimental ( correram com o número 00 ). Assim, ainda que terminaram em 7º lugar, nao figuram na classificaçao oficial.
    Para a ediçao de 1964, ainda que se haviam inscrito outra vez com o Rover Turbo, terminaram por nao se apresentar para a corrida. Em 1965, desta vez junto a Stewart e de forma oficial, acabaram na 10ª posiçao.

  6. Fernando Marques disse:

    Manuel Blanco,

    ” A 300km por hora” foi simplesmente sensacional.
    Agora me tira uma duvida. O Wikipedia diz que em 1963 G. Hill junto com Rtchie Ginhter abordo de um Rover/2.0 L Turbina venceu a edição de Le Mans e não li nada a este respeito na sua coluna. Isso é verídico?

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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