Onde foi, como foi, por que foi?

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Em sua imensa (e, paradoxalmente, pouco explorada) discografia, Roberto Carlos sempre reservou espaço para alguns compositores de sua preferência, seja por um relacionamento próximo com os músicos, seja por alguma “sorte” que canções assinadas por estes trouxessem — às vezes, as duas coisas.

A partir dos anos 80, se tornaria presença constante o nome de seu maestro, Eduardo Lages. Exímio pianista e arranjador, Lages firmou grandes parcerias para a produção de canções. Seu mais significativo letrista é Paulo Sérgio Valle, irmão de Marcos Valle. Juntos, criaram sucessos como “Coisas do coração”, de 1987, regravada por nomes como Emílio Santiago e José Augusto.

Mas uma das maiores pérolas da dupla está no álbum de Roberto Carlos de 1982 (Fera Ferida): chama-se “Como foi…”. A letra fala de um casal que se amou e ainda se quer, mas que, de alguma forma, se afastou sem perceber. E fica a pergunta: “Onde foi, como foi, por que foi que a gente foi ficando assim?“.

Nasci em 1986 e, portanto, cresci acompanhando dois grandes mitos na Fórmula 1: o piloto Ayrton Senna e a equipe Williams. Desse modo, a frustração por tudo que aconteceu no início da temporada 1994 não poderia ser maior.

O adeus de Senna, apesar de terrível, não me afastou das corridas, e pude torcer pela equipe azul e branco nos anos seguintes. Com o passar do tempo, o time foi se tornando uma espécie de Paraná Clube (o similar de uma Portuguesa, em SP, América, no Rio, ou Juventude, no RS): aquela equipe de glórias passadas que se torna a segunda no coração do torcedor. Aquela que, quando nosso alvo de torcida principal não corresponde, queremos ver vencer. Aquela que, mesmo que de longe, seguimos querendo bem.

Ver a situação atual da Williams é algo bastante desanimador. E parece não ter mais volta. É um respirar por aparelhos, com o perdão da comparação. A dupla de pilotos, já muito discutido por aqui, é pior que as do Brasil na Copa Davis de Tênis.

Mas não é da noite pro dia para se chegar a esse ponto. E por isso a pergunta: “Onde foi, como foi, por que foi que a Williams foi ficando assim?“.

Não há uma resposta certa. Na verdade, há várias, uma série de fatores se juntando e, acontecendo seguidamente, culminando no quadro que se nos apresenta no momento.

No entanto, uma breve retrospectiva talvez nos mostre a resposta para a primeira pergunta da canção: “Onde foi que a gente errou e pôs tudo a perder?”

Estamos em 1997. A Williams garantiu o título de construtores com relativa facilidade, e levou também o de pilotos, na extremamente polêmica decisão em Jerez.

Já são 9 anos de parceria com a Renault (desde 1989), que progressivamente foi melhorando, resultando em nada menos que quatro canecos com seus pilotos e cinco entre as equipes.

Parecia o paraíso, mas a montadora francesa decide abandonar a categoria naquele ano — além da Williams, servia também à Benetton.

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O plano B não existia, e o que restou à Williams? Rebatizar o motor de Mecachrome e pintar seus carros nas cores do novo patrocinador, Winfield. Com as adaptações nas regras para 1998, foi necessário realizar mudanças no chassi do FW20, mas havia algo que não se poderia mudar: o motor seria o mesmo do ano do título de Villeneuve. Uma situação bizarra, o reverso do que ocorre com a Haas, agora.

Mais que o adeus dos franceses, a grande paulada sofrida na Williams estava no corpo técnico: Adrian Newey estava de partida para a McLaren. Para seu lugar, não um, mas dois projetistas: Geoff Willis e Gavin Fisher (ambos já atuavam ao lado de Newey).

O desempenho da Williams naquele ano limitou-se a alguns poucos pódios, e a 5ª colocação de Villeneuve — atrás das duplas de McLaren e Ferrari. Os dois pilotos, que em 1997 haviam sido protagonistas, deixariam a equipe ao fim da temporada, cada um embarcando em novo projeto, e começaria o calvário do time de Sir Frank.

A temporada de 1999 é talvez a pior na história da Williams — até 2018! –, padecendo por motor (Supertec) e dupla de pilotos: Ralf Schumacher e Alex Zanardi. Como resultado, a quinta colocação no mundial de construtores, perdendo para a Stewart.

A Williams já estava perdida. A partir de então, a equipe conseguiria bons resultados somente na parceria com a BMW.

De fato, entre 2001 e 2004, os ingleses arrebataram vitórias, e em 2003 houve um namoro à distância com o mundial de pilotos, mas aí outro empecilho foi o regulamento: em 2002, havia os supermotores de classificação, então banidos; um ano depois, a punição bastante controversa à Michelin, além da ação questionável de comissários, minou as chances de Juan Pablo Montoya.

Resumidamente, a Williams voltou ao seu estágio de equipe de vitórias esporádicas, menos que uma Red Bull atualmente.

Geoff Willis e Gavin Fischer sairiam do time em 2005, o primeiro peregrinando pelo limbo da F1 até chegar à Mercedes e o outro se retirando das pistas.

Entre 2005 e 2013, a Williams não representou nada na Fórmula 1, apesar de alguns brilharecos de Nico Rosberg em 2008/09 e da vitória de Pastor Maldonado na Espanha, em 2012. Em 2014, com a nova parceria com a Mercedes, o time apresentou uma boa melhora, e foi frequente nos pódios e primeiras filas, mas nada espetacular.

Depois da ressurgência da Ferrari, a equipe desapareceria aos poucos. Tornou-se fraca ao ponto de precisar convencer Felipe Massa a desaposentar.

Claire Williams admite ter se sentido mal por

Recentemente, Claire Williams andou dando declarações tragicômicas, envolvendo a McLaren na jogada, como a acusá-los de “aliciar” patrocinadores — lembremos da inusitada saída da Martini.

Este é um negócio duro, é cada um por si, não é? Na minha perspectiva, precisamos fazer um trabalho muito bom para garantir que os parceiros não vão para outra equipe. Essa é nossa responsabilidade. Se eles acabam em outra equipe, pessoalmente, eu sinto que é porque não fizemos um trabalho suficientemente bom para mantê-los”.

Como a não perceber que o bonde passou, Claire evocou seu pai e Ron Dennis: “Eu pensei que a McLaren e a Williams tivessem acordos para não fazerem isso. Frank e Ron certamente tinham”.

Fica, então, o refrão da canção do rei:

Existe um certo adeus

Contido em nosso olhar

Mas sinto que nós dois

Queremos evitar

Eu sei que tudo mudou

Mesmo juntos como antes

Nós estamos tão distantes

Onde foi, como foi, por que foi?

Mesmo querendo evitar, não tem como: Adeus, Williams.

Marcel Pilatti

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

7 Comments

  1. ANTONIO LUIS SANTOS VIEIRA disse:

    Eu limparia a barra do Ralf Schumacher por conta de, mesmo com o fraco carro daquele ano ter marcado TODOS (!) os pontos do time no ano de 1999…

  2. Mauro Santana disse:

    Belo texto Marcel!

    Os tempos são outros, e infelizmente, o futuro da Williams parece que será o mesmo da Tyrrell, Brabham, Ligier, Minardi, Jordan…

    Ficará a saudade e as lembranças boas.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  3. Anderson disse:

    Sou de 85 e cresci vendo Mansel, Prost, Senna, Hill pilotando esses carros magníficos. Mas como o texto disse um conjunto de fatores fez ela ser o que é hoje, mas dois devem ser lembrados o primeiro eles pararam no tempo, depois que o Adrian Newey saiu a equipe se perdeu não teve ninguem forte na engenharia, e o Sir Frank não escolheu alguem verdadeiramente preparado para assumir a direção esportiva a filha talvez pudesse ser boa na parte administrativa, mas na esportiva ja mostrou que não esta preparada. Segundo detalhe, a Willians foi uma das equipes que mais sentiu a proibição do patrocínio das empresas de tabaco, e hoje a f1 e um esporte carissimo, tanto que temos apenas três fabricas ds motores (tem a quarta que e a Honda mas qus não da para levar em consideração), pois as outras montadoras acham o custo altíssimo.

  4. Lucas Giavoni disse:

    Em 1982 Ron Dennis seduziu na cara-dura o Mansour Ojjeh pra TAG deixar de ser patrocinadora da Williams, e botou o cara pra assinar o cheque da construção do motor Turbo pela Porsche – o que levaria a McLaren a três anos de domínio com esse motor.

    Ou Claire não lembra, ou omite esse fato ao lembrar dos “bons e velhos tempos entre Ron e Frank”…

  5. Fernando Marques disse:

    Marcel,

    não há equipe que se sustente na Formula 1 sem uma grande montadora por trás … tirando a RBR, equipes tradicionais e vencedoras como a Mclaren e Willians viraram apenas meros coadjuvantes …
    No caso da Willians então, me parece um problema muito grave já que Sir Frank Willians já deu tudo o que podia dar ao time … com estrutura muito familiar, a herança hereditária que assume o time não tem a mesma competência … Na Mclaren a diferença é que Ron Dennis não apita mais nada lá dentro … e ela ainda demonstra forças para conseguir boas parceiras, mesmo a parceria em questão não seja feliz como foi o caso da parceria com a Honda …
    Se a RBR não arrumar logo um bom motor para 2019 em diante, também vira coadjuvante com certeza …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  6. Rubergil Jr. disse:

    De fato é muito triste ver o estágio em que a Williams se encontra. Me lembra um pouco o que aconteceu com a Brabham.

    Sobre essa da McLaren roubar patrocinio da Williams, no tempo de Frank e Ron sim acontecia – e o Edu chegou a escrever uma coluna sobre ambos e citar este fato:
    http://gptotal.com.br/2005/Colunas/Eduardo/20080201.html

    Torço pra que a Williams se recupere, mas acho muito improvável que isto aconteça, infelizmente.

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