O Monólito

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Em 1968, o mundo mudou e eu mudei também. Mudei não; com dez anos de idade recém completos, melhor dizer que comecei a formar uma personalidade própria, trilhando caminhos mais livres da benfazeja formação familiar que me protegera até então.

Olhando para trás, vejo que duas importantes experiências formadoras me foram proporcionadas por filmes vistos naquele período. O primeiro, o leitor adivinhará facilmente, é Grand Prix, ao qual assisti muito provavelmente no começo de 68, no Cine Majestic, em São Paulo. O segundo filme é igualmente ilustre: 2001, Uma Odisseia no Espaço, visto em um cinema no centro de São Paulo, não sou capaz de lembrar qual, provavelmente durante as férias de meados de 68.

Me recordo vivamente que sai dos cinemas mesmerizado pela beleza e impacto de ambos os filmes, meu cérebro infantil e dúctil tocado para sempre, profundamente. Velocidade e espaço, coragem e ciência, cores vivas dos carros e o negro infinito do espaço pontilhado de estrelas.

Se Grand Prix falou aos meus instintos nascentes, o heroísmo intrínseco àquele desafio insensato, a vida exposta a condições tão perigosas a troco de algo tão efêmero como pátria, glória, masculinidade crua e outros sentimentos igualmente adolescentes, 2001 me impôs um comportamento racional, que pode ser definido como científico, diante do desafio de encarar e, na medida do possível, dominar a natureza que nos cerca, enfrentando-a com tecnologia, método e bravura, mas sem deixar de se deslumbrar com toda a sua beleza.

Não seria totalmente preciso associar um filme à emoção e outro a razão – há engenharia em ambos –, mas me permitam a simplificação. No meu espirito em formação, emoção e razão germinaram, equilibrados sobre um delicado fio, tendo a coragem como elemento comum. Sou especialmente sensível ao momento em que David Bowman deixa a segurança da nave Discovery para se lançar, sozinho, no imenso abismo representado pelo Monólito. Esta, para sempre, me pareceu uma obrigação humana diante do desconhecido. Não por acaso, aprendi mais tarde a admirar os grandes desbravadores da humanidade, em especial os alpinistas.

As influências dos dois filmes persistem. 2001 cimentou em mim uma curiosidade cientifica nunca saciada, que acabou por me levar a uma percepção desapaixonada em relação à humanidade e a um ceticismo que só aumentou com o tempo, por força da profissão, da idade e também da realidade surreal que nos cerca, no Brasil e no mundo.

Grand Prix me pôs em linha com um mundo essencialmente masculino e competitivo, um microcosmo onde consegui desaguar a minha agressividade inata, colocando-me com mais facilidade nos limites da civilidade. É este, afinal, um dos papéis do esporte: dar vazão às nossas emoções mais primitivas, reduzindo a vida a um jogo sem que se perca a vida no final. Infelizmente, isso não tem sido suficiente para dar conta da agressividade humana, como tristemente vemos ao final de cada clássico do futebol.

Ah, sim. Sai da minha primeira audiência de 2001 sem ter entendido absolutamente nada da sua história, só o faria plenamente tempos depois, ao ler o livro de Arthur Clarke, que se tornou para sempre um dos meus autores favoritos.

Não tenho muito a comentar sobre os dois primeiros GPs do ano, os colegas Lucas Giavoni e JC Viana tendo dado conta com muita competência da tarefa.

Eu poderia me mostrar surpreso com o fato de Sebastian Vettel ter construído sua vitória na Austrália aproveitando-se da falta de limite de velocidade nas áreas de ingresso e saída dos boxes. Também poderia me divertir com o fato de o alemão ter se justificado tanto após sua vitória inicial, quase se lamentando por ter batido a Mercedes.

No entanto, o ceticismo me impõe prudência e me leva, forçado, a obviedades. Será um longo campeonato, a capacidade de reação da Mercedes deve estender o campeonato até suas etapas finais, todos sabemos disso.

Queria partilhar com os leitores uma fofoca lida em meados de fevereiro em AutoSprint e que, à luz dos dois primeiros GPs do ano, pode explicar as vitórias da Ferrari.

A revista argumenta que parte da superioridade da Mercedes nas temporadas passadas deve-se a motores elétricos mais eficientes do que os da concorrência. Esta superioridade derivaria do fato de a Mercedes poder usar baterias maiores, pesando cerca de 25 kg, compridas e baixas, o que justificaria uma distância entre eixos mais longa no carro alemão. Enquanto isso, a oposição usaria bateria menores, de cerca de 20 kg, menos eficientes, mas elas permitiriam manter os carros no peso mínimo do regulamento.

A Ferrari viu no halo uma oportunidade de jogar pedras no caminho da Mercedes e por isso optou por este sistema e não pelo para-brisas sugerido pela RBR, que pouco acrescentaria ao peso mínimo dos carros, ao contrário do halo, que tem um peso não desprezível. Para compensar o peso extra acrescentado pelo aparato, a Mercedes teve de reduzir o tamanho das suas baterias, o que, inclusive, permitiu a ela encurtar em alguns centímetros a distância entre eixos. Se a eficiência do sistema elétrico alemão saiu prejudicada só os engenheiros sabem, mas o fato é que os Mercedes não foram páreo para os Ferrari no Bahrein, corrida onde a influência externa foi insignificante.

Meus conhecimentos mecânico-elétricos não permitem especular mais sobre o tema e aguardo reflexões dos leitores. Como disse, entendo esta informação como uma fofoca ou pouco mais do que isso, que pode até ter um fundo de verdade e que, se tiver, provavelmente será neutralizada mais dia menos dia pelos alemães.

O cosmonauta russo Alexei Leonov foi, entre outros feitos, o primeiro ser humano a realizar uma “atividade extraveicular” no espaço. Em 18 de março de 1965, ele deixou a nave Voskhod, ligado a ela apenas por cabos e flutuou por alguns minutos na órbita terrestre.

Ao tentar retornar à nave descobriu horrorizado que o seu traje pressurizado havia, como um balão, inflado no vácuo, tornando impossível a ele passar pela escotilha. Leonov decidiu então, por conta própria, já que não tinha comunicação com o controle da missão na Terra, reduzir a pressão interna do traje, despejando oxigênio no espaço, até que voltasse a um tamanho que lhe permitisse entrar na nave. O risco envolvido na operação foi enorme – e este foi apenas um dos perigosos envolvendo o voo da Voskhod –, mas o discernimento, sangue frio e extraordinária coragem de Leonov salvou-lhe a vida e franqueou a ele um lugar de destaque entre os maiores heróis da conquista.

Se fosse um automobilista, Leonov seria um corredor, alguém que nunca – nunca – perguntaria aos boxes, como Lewis Hamilton fez no Bahrein: “o que devo fazer agora?”

Me ocorre uma resposta ao inglês, mas vou guardá-la para mim.

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

8 Comments

  1. André Idalgo Xavier disse:

    Oh moderador! E o meu comentário? Escrevi algo que não devia??

  2. Lucas Giavoni disse:

    Obrigado por essa coluna, Chefe.

    E ter Grand Prix e 2001 como experiências formadoras é absolutamente fantástico.

    Abração!

  3. Fernando Marques disse:

    Edu …

    a fofoca tem sentido … e vamos ver se a Mercedes vai reagir …
    Quanto ao Hamilton e o que ele devia fazer, seria bom o inglês conversar com Raikkonen para aprender a se virar sozinho … hehehehe

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. André Idalgo Xavier disse:

    Bela coluna do Edu pra começar bem o dia! A alguns anos atrás também tive o prazer de ler 2001, Uma odisseia no espaço. Disse a mim mesmo que leria as continuações da saga “Odisseia” de Arthur Clarke, mas acabei não cumprindo ainda.
    Outra grata surpresa que tive foi descobrir que J.C. Vianna também é colunista do GPTotal. Ele tem o blog JCSPEEDWAY, que leio e uso para revisitar as histórias da Formula 1 de 2007 pra cá. O GPTotal também dispõe de vasto material para consulta, para reavivar nossa memória ou descobrir alguns detalhes ou fatos interessantes que passaram despercebidos à época.

    André Idalgo Xavier
    Santa Maria – RS

    Parabéns a toda equipe do GPTotal!!

  5. Mauro Santana disse:

    Show Edu, como sempre nos brindando com belíssimas histórias.

    Tenho pouco a comentar sobre o início desta temporada da F1, e se está fofoca for uma verdade, a Ferrari acertou em cheio.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

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