Na Casa de Fangio

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O colunista esteve visitando a casa de um dos maiores pilotos de todos os tempos.

 

Não é todo dia que a gente se encontra em um lugar onde respira fundo, para, olha ao redor e pensa: “guarde isso muito bem na lembrança”.

Bom, foi isso que aconteceu comigo há cerca de duas semanas na Argentina. Fui convidado por Luiz Barragán, presidente da Fundação Fangio para conhecer o museu do grande ídolo argentino, além de ficar hospedado na casa de campo que o pentacampeão mundial de F-1 tinha – um privilégio para poucos.

A cidade, ao sul da Argentina, chama-se Balcarce. Fica a 70 km de Mar del Plata, e a cerca de 450 km de Buenos Aires. A lembrança de Fangio está por todos os lugares em território argentino. A rodovia que liga as duas cidades chama-se Juan Manuel Fangio, e se parar para colocar combustível em algum dos postos YPF, a escolha pela melhor gasolina não fugirá a regra: a de maior octanagem chama-se Fangio.

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O longo caminho nos faz viajar no pensamento. Uma infinita reta e o piloto automático ligado ajudaram nisso tudo. Nas laterais da estrada, um plano e imenso campo, ao fundo as vacas (que mais tarde irão virar bifes de chorizo) pastam pacificamente. A paisagem não varia, mas os pensamentos vagueiam. A cada quilômetro viajado, mais próxima fica a terra onde o homem que deixou uma grande marca na história da F-1 nasceu.

Fico pensando se talvez aquelas estradas de alguma forma ajudaram a moldar o estilo de pilotagem de Fangio, ou se não foi nada disso, e sim somente um grande talento nato.

Um monumento marca a entrada para Balcarce. A estátua de Fangio, parecida com a que vi no autódromo de Barcelona, está ao lado de um famoso carro – o “flecha de prata”. Pequenas placas vão indicando a localização do museu. Ali marquei meu encontro com Luis. Ele me levaria então até a casa de campo de Fangio, a 17 km da cidade. Estaciono o carro, entro no museu e me encontro com Luis. A noite começaria em pouco tempo, e ele está ansioso por me mostrar o local onde ficaríamos hospedados. Do meu lado, não consigo segurar a empolgação e revelo a ele que não via a hora de percorrer cada centímetro daqueles seis pisos do museu e ver de muito perto cada uma daquelas máquinas históricas, entre F1 dos anos 50, a réplica do flecha de prata, carros de prova de longa duração dos anos 50, 60 e as famosas carreteras argentinas. Um museu repleto de história. Fico com uma pontinha de inveja de, como brasileiro, não ter algo semelhante no país honrando nossos pilotos. Sei que no sul do País, o Museu do Automobilismo Brasileiro tenta fazer sua parte, mas museus destinados a pilotos exclusivos ainda poderiam surgir.

Logo na entrada, uma bancada expõe fotos, equipamentos utilizados por Fangio e frases do argentino. Entre elas, uma me chama a atenção. Dita na sua despedida da F-1 revela que deixa a categoria por não achar mais que o esporte seja dominado pela paixão, e sim por interesses comerciais. Achei bastante atual.

Atrás estão os troféus dos campeonatos conquistados por Fangio na F-1. O argentino correu 51 GPs, venceu 24 vezes, com 29 poles e cinco títulos mundiais (1951, 1954, 1955, 1956 e 1957) – ou seja 4 consecutivos, além de dois vice-campeonatos (1950 e 1953) nas oito temporadas que disputou. Fangio correu em quatro escuderias: Alfa Romeo (1950-1951), Maserati (1953-1954), Mercedes (1954-1955), Ferrari (1956) e Maserati (1957-1958).

Decidimos deixar para o dia seguinte todo o trajeto, mas ao ver esta bancada, pedi para segurar os troféus. Afinal, quantas vezes temos a chance de ter nas mãos um verdadeiro troféu de campeão mundial de F-1 ? E bem ali na frente estavam cinco deles! Ao pegá-los, foi outro daqueles momentos onde a memória se esforça para guardar cada segundo na lembrança. Ao lado da bancada, está um troféu bem maior em tamanho, na verdade da mesma altura de Fangio, e de seu mesmo peso, entregue na ocasião do quarto título mundial conquistado.

Com esse gostinho já na boca, pegamos a estrada em direção a “El Casco”- nome melhor para a casa de campo de Fangio não havia – “O Capacete”. Em frente a casa, há um outro monumento, a replica de um carro 18 prata pilotado por Fangio, bem embaixo a uma enorme árvore. A casa é linda, com todos os cômodos decorados com fotos de corridas antigas e lembranças de Fangio. Fotos dele a vontade em casa, em seu quarto logo após acordar e apenas uma com outro piloto, em um dos vários encontros que os dois tiveram – Ayrton Senna.

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Luis Barragan, foi um grande amigo próximo de Fangio, conviveram nos últimos anos do piloto. A noite, regada a um ótimo vinho argentino vindo da adega “recheada” da casa, Luis e a esposa passaram a nos contar, a mim e a minha esposa, histórias sobre o piloto e a pessoa Fangio. Falaram com carinho, admiração e respeito, não somente ao que ele representou ao esporte em si, mas ao que ele era como ser humano.

Após o jantar, o casal Barragan retirou-se, voltando para a cidade, deixando as chaves da casa de Fangio toda disponível e sob os nossos cuidados. O quarto destinado a mim ficava no andar superior da casa, mas pela madrugada afora permaneci no andar térreo e, enquanto degustava outra garrafa de vinho, tentei registrar o máximo possível cada segundo daquele tempo e guardá-los em um lugar muito especial da minha memória.

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Texto publicado originalmente em 10 de julho de 2009

Tiago Toricelli
Tiago Toricelli
Jornalista, autor de "Rally dos Sertões" e "Manual do Alpinista de Primeira Montanha". Já cobriu 12 temporadas de F1 (CBN) e acompanhou de perto as principais categorias da velocidade.

2 Comments

  1. Julio Cesar Gaudioso disse:

    Tiago:
    A legenda da réplica na entrada da casa de campo está errada; “A famosa Maserati” é um Mercedes W196.

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