O que ficará da corrida de hoje

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Na última semana completaram-se vinte anos do Grande Prêmio da Espanha de 1998 e, como normalmente faço quando há o aniversário redondo de uma corrida antiga, me preparei para escrever sua história no meu blog. Pesquisei em livros e na Internet sobre o que se falava da vitória de Mika Hakkinen vinte anos atrás, e o resultado não foi surpreendente, conhecendo o histórico do circuito de Montmeló.

A corrida de 98 havia sido um saco, onde Hakkinen largou da pole e só perdeu a ponta da corrida quando fez suas duas paradas programadas. Coulthard, que largou em segundo, completou a dobradinha da McLaren-Mercedes com Michael Schumacher completando o pódio após ter largado em… terceiro! Simplesmente nada aconteceu de mais relevante naquele 10 de maio de 1998 em termos de briga por vitória e,segundo comentários da época, a corrida foi tão emocionante como ‘esperar uma pintura na parede secar num dia nublado’.  

Porém, houve um lance naquele GP que praticamente foi seu único momento emocionante. Eddie Irvine segurava Giancarlo Fisichella na briga pelo terceiro lugar quando o italiano perdeu a paciência e, numa disputa na primeira curva, os dois acabaram se tocando e foram para a brita. Extremamente irritado, Fisichella partiu para cima do irlandês, que manteve a frieza em não revidar os dedos em riste de Fisichella enquanto se encaminhavam para um lugar seguro da pista. Uma cena hilária que foi o que ficou daquela entediante corrida em Barcelona.

A prova de hoje não foi muito diferente da de vinte anos atrás, mas tanto Mika Hakkinen quanto Lewis Hamilton não têm nada com a chatice das corridas que marcaram suas vitórias na Espanha. O traçado do circuito mudou de 1998 para cá, mas o farto número de testes realizados na pista espanhola pelas equipes dá um conhecimento tal de Montmeló que as provas no circuito da Catalunha têm um longo histórico de corridas chatas como a de hoje, não importando as regras de motores e pneus, nem quem esteja dominando a categoria. A Mercedes dominou todos os treinos livres e Hamilton ficou com a pole, tendo ao seu lado Valtteri Bottas. Como no triênio 2014-15-16, a Mercedes matou a tapa seus rivais, com Hamilton imprimindo um ritmo absurdo nas primeiras voltas em cima da Ferrari de Vettel, que ultrapassou Bottas na primeira curva, e quando a Mercedes se viu levemente ameaçada pela tática de uma parada da Red Bull, o time tedesco não perdeu muito tempo para mudar a estratégia e emular os austríacos, garantindo uma vitória tranquila como há muito Hamilton não tinha. Se em Baku ele subiu ao pódio com a cara de que sabia que não merecia o triunfo, em Barcelona Hamilton vibrou bastante com o seu cabelo de gosto duvidoso a vitória a liderança estendida no campeonato.

A Ferrari ousou na estratégia nas duas primeiras corridas de 2018, o que rendeu dois triunfos importantes para Sebastian Vettel, mas como falou o meu amigo Lucas Giavoni, o medo de vencer da Ferrari fez com que os italianos pisassem mais uma vez no tomate com a estratégia de hoje. Após superar Bottas na largada e manter com certa segurança a segunda posição na corrida, Vettel tinha a situação de pneus mais crítica entre os líderes, pois fora o primeiro a parar e todas as equipes já se arrumavam para fazer apenas um pit-stop. Então veio o safety-car virtual para a retirada do carro de Ocon e a Ferrari achou por bem trazer Vettel para os boxes e colocar pneus novos. Só que colocar pneus médios (os mais duros do final de semana) para as últimas voltas deixou a sensação de que a Ferrari errou feio com Vettel, pois o alemão não apenas perdeu a segunda posição para Bottas como acabou atrás de Verstappen, que havia acabado de trocar de pneus.

Será que Vettel não poderia levar o carro até o final sem maiores problemas com os pneus macios? Mesmo Max tendo tocado Stroll durante o safety-car virtual e quebrado a ponta da asa dianteira, o holandês não teve nenhum trabalho para segurar o terceiro lugar e deixar Vettel pela terceira corrida consecutiva fora do pódio. A Ferrari não soube aproveitar o momento de vacilo da Mercedes nas últimas provas, e com os alemães retornando tão fortes em Barcelona, tradicional local de novos pacotes aerodinâmicos, os pontos perdidos por Vettel nessas últimas corridas poderão custar muito caro para a Ferrari, que ainda viu Raikkonen abandonar logo cedo com problemas mecânicos. Um final de semana simplesmente esquecível para a trupe de Maranello.

Charles Leclerc pontuou pela segunda corrida consecutiva, demonstrando que sua esperada estreia na F1 após dominar a F2 ano passado realmente valia a pena. Completar duas corridas seguidas na zona de pontos com a Sauber já mostra que o monegasco protegido pela Ferrari realmente tem um algo a mais.

Para chamar a atenção na F1 numa equipe pequena, um piloto novato não tem que apenas levar o carro até o final da corrida, como apregoa muita gente: ele tem que fazer mais, mostrar algo acima do potencial do carro. Quem não se lembra das exibições de Alonso na Minardi em 2001? Ou o inesquecível Jules Bianchi pontuando com a Marussia em Mônaco? Eles fizeram muito mais do que seus carros poderiam lhe oferecer e Charles Leclerc começa a fazer isso com a Sauber esse ano.

Falando em novatos, a Williams já começa a ver o tamanho da enrascada em que se meteu. Com dois pilotos-pagantes de qualidade duvidosa, somado a um carro ruim, a tradicional equipe do Tio Frank viu seus dois pilotos fechando o grid e ficar sem pontos numa corrida com muitos abandonos. Lawrence Stroll já demonstra insatisfação com o potencial da Williams e ameaça retirar o apoio que garante o cockpit para o filhão Lance na equipe no final do ano, que verá a Williams perder o patrocínio da Martini. Serão dois duros golpes nas combalidas finanças da Williams se isso se confirmar e o último lugar no Mundial de Construtores, uma realidade bem factível no momento, não deverá ajudar a situação de Claire Williams e seus blue caps.

O acidente provocado por Romain Grosjean trouxe as piores lembranças do francês, principalmente o piloto trapalhão de 2012, quando ele foi suspenso de uma corrida por provocar uma carambola na largada em Spa e ser apelidado mais tarde por Mark Webber de ‘Maníaco da primeira volta’. Contratado pela Haas para ser o líder da neófita equipe americana na F1, Grosjean se viu superado por Kevin Magnussen bem no momento em que a Haas começa a se estabelecer no pelotão intermediário. O francês evitou o toque em seu companheiro de equipe na entrada da curva 3 da primeira volta e ao rodar no meio do pelotão, Grosjean usou o instinto de piloto, que era não abandonar atolado na brita. Num circuito oval, quando um piloto perde a traseira do carro, ele acelera na tentativa de evitar o muro ou pelo menos bater de traseira. Grosjean fez isso, levantando uma fumaça infernal no meio de um pelotão de no mínimo dez carros. O francês da Haas foi atingido por Nico Hulkenberg e Pierre Gasly, todos sem maiores consequências, mas causando o abandono dos três.

Após o acidente, Grosjean se sentou numa escada e deve ter ficado pensando na besteira que fez. Não pelo perigo que causou, mas por ter perdido mais pontos para a Haas, além de perder pontos com a própria equipe após outro abandono causado por ele. Com zero ponto no campeonato, Grosjean viu Magnussen chegar num sólido sexto lugar, muito à frente de Carlos Sainz e Fernando Alonso, os pilotos da casa, que chegaram falando que seus carros eram os melhores após o top-3 atual da F1, mas Magnussen mostrou que a Haas tem hoje um carro forte o suficiente para ser o melhor do resto.

Daqui a vinte anos, quando alguém resolver lembrar a corrida de hoje em Barcelona, vencida facilmente por Lewis Hamilton, ninguém destacará as 66 entediantes voltas de prova. Provavelmente ficará para a eternidade o perigoso acidente provocado por Grosjean logo na primeira volta e a foto de todo o desânimo do francês pela m… feita.

Abraços!

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    JC,

    muito boa a sua coluna e seus comentários.
    Se comparado ao que vimos nas 4 primeiras etapas, o GP da Espanha foi chato. Mas gostei do ponto de vista do comentário do Lucas dos Santos, já que não achei também assim a corrida tão chata. Me chamou a atenção o fraco desempenho da Ferrari, tanto de Vettel quanto de Raikkonen que pelo visto detonou dois motores neste fim de semana. Assim disse o R.Leme na transmissão da Globo. Só podendo usar 3 motores sem castigo na temporada, a situação dele ficou bem crítica.
    Com relação ao Grosjean, o que ele fez foi coisa feia. Coisa de braço duro.

    Fernando marques
    Niterói RJ

  2. Lucas dos Santos disse:

    Não achei a corrida tão chata assim. Talvez, por não ter assistido pela Globo, mas sim pela britânica Sky Sports F1, que fez uma excelente cobertura, trazendo várias informações importantes durante a corrida e com o trio Martin Brundle, Paul Di Resta e Ted Kravitz fazendo comentários muito pertinentes. Para mim, a corrida mais chata até agora foi a da Austrália, talvez por ter sido a única que assisti pela Globo!

    Mas concordo que não teve muita ação na pista neste GP da Espanha. Foi uma corrida mais “técnica”, mais para “jogo de xadrez”, com pilotos e equipes tentando ganhar posições na base do “undercut” (palavrinha que parece ter se tornado a favorita dos comentaristas britânicos). Algumas foram bem sucedidas, outras falharam miseravelmente.

    Quanto ao erro da Ferrari na parada do Vettel, contribuiu também o fato de ter sido uma parada demorada, que durou mais de 5 segundos. Com isso, o alemão voltou muito atrás e arruinou totalmente uma estratégia que já estava equivocada.

    Quanto ao erro do Grosjean, ele pareceu ter sido vítima de seus próprios reflexos. Um movimento brusco de seu companheiro de equipe parece ter desestabilizado o piloto, de forma muito parecida com que ocorreu na largada de Baku ano passado (envolvendo duas Toro Rosso, se não me falha a memória). Em entrevista para a Sky Sports, Grosjean disse que perdera a traseira repentinamente (sem associar o fato ao movimento de seu companheiro de equipe), mas não conseguiu recuperar o controle do carro e parou virado ao contrário na pista. Buscando sair dessa posição perigosa, tentou fazer um “zerinho” a fim de virar o carro na direção correta, mas acabou levantando muita fumaça e se chocando com outros dois carros. Enfim, uma sucessão de trapalhadas.

    Hamilton comentou que a sua auto-confiança estava totalmente abalada desde a derrota sofrida no GP da Austrália e que somente agora, após vencer o GP da Espanha é que recuperou sua confiança novamente.

    Outra coisa digna de nota foi o recorde de volta mais rápida, que perdurava desde 2007, finalmente sendo quebrado. E de forma muito ampla! De 1:21,670 para 1:18,441 é “um temporal” como diria um certo narrador! É disso que eu gosto: carros cada vez mais rápidos (se bem que o asfalto novo ajudou). Espero que a era dos carros cada vez mais lentos chegue logo ao fim e que mais recordes sejam quebrados!

  3. Mauro Santana disse:

    Grande JC!

    Realmente a corrida de ontem foi um porre!

    Eu nunca gostei do circuito de Barcelona, sempre preferi Jerez.

    Na minha opinião, as pistas em que acontecem os tradicionais “testes” da pré temporada, não deveriam fazer parte do calendário, mas…

    Valeu a lembrança deste episódio envolvendo o Físico x Irvine, já havia caído no meu esquecimento.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

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