Os pilotos daquela foto – final

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Os pilotos daquela foto – parte 5

Após algum tempo (leia os textos anteriores clicando no link acima), é hora de retomarmos a saga daqueles quatro pilotos que um dia de 1986 se reuniram no pitwall de Estoril e produziram aquela que deve ser a foto mais famosa da história da F1.

Em 1990 a disputa pelo título na prova do Japão em Suzuka foi definida menos de 60 segundos após o início da prova,

Dada a largada, Ayrton Senna e Alain Prost batem na primeira tomada de curva. Diferentemente de 1989, no entanto, dessa vez as circunstâncias não favoreceram o francês, já que os fiscais de pista agem rapidamente e com, os carros fora da pista, a direção da prova opta pela decisão de não interromper a corrida.

O título de 1990 é de Senna e a conquista do bicampeonato acaba por ser semelhante ao que acontecera no ano anterior, com os dois principais protagonistas batendo. A diferença é que em 1989 Prost deu um “encontrão” em Senna na chicane, enquanto que o brasileiro jogou o carro com força contra o rival francês um ano depois, devolvendo com muito mais força a “gentileza” de antes.

Baixada a poeira da primeira curva, havia uma corrida em disputa para os demais competidores. E que corrida ocorreu em Suzuka, com dobradinha de dois brasileiros. A corrida japonesa foi muito legal por trazer Nelson Piquet de volta às vitórias, quebrando jejum de mais de três anos e, para nós brasileiros, ainda houve a alegria de ver o segundo lugar de Roberto Pupo Moreno, um dos maiores pilotos em resiliência que nosso automobilismo já produziu. Os amigos de velhas loucuras em Brasília agora dividiam o pódio da maior categoria do esporte a motor.

A corrida seguinte, na Austrália, marcou a prova de número 500 da Fórmula 1 e, claro, isso trazia um significado especial. Todos queriam ganhar, mas quem leva novamente a melhor é Piquet, que vence disputa direta com Mansell nas últimas voltas. Isso garantiu para Piquet um impressionante terceiro lugar no mundial, à frente de conjuntos notadamente mais rápidos.

A McLaren e Ayrton Senna pareciam prontos para mais um ano memorável quando a temporada de 1991 começou. A equipe agora contava com a nova unidade V12 Honda e as primeiras quatro corridas foram vitórias sólidas do brasileiro.

As estatísticas são impressionantes: houve um total de 282 voltas nas quatro corridas e Senna liderou por 273 delas, todas partindo da pole.

A temporada começou com o GP dos EUA no insólito circuito urbano de Phoenix. Parecia que Prost mais uma vez seria seu principal rival no campeonato. Mera ilusão. Seu principal oponente seria o inglês Nigel Mansell, que estava de volta à Williams, time que tinha um novo e promissor projeto, mas que ainda sofria com a confiabilidade. Somente em Mônaco, a quarta etapa, Nigel marcou seus primeiros pontos.

Quanto a Prost, o ano foi muito menos memorável para o francês, que pela primeira vez desde 1980 não conseguiu vencer um único GP. Sem um carro para competir e usando de forma errada a sua veia política, ele passou a criticar ostensivamente via imprensa cada vez mais o carro e a equipe Ferrari. Sua famosa e polêmica declaração comparando o modelo 643 a um caminhão passou dos limites para o alto comando e acabou não sendo surpresa sua demissão já perto do final do ano. Para humilhá-lo publicamente a Ferrari nem o deixou competir no último GP do ano, na Austrália.

O máximo de sucesso de Senna nas 4 primeiras provas se traduzpela pontuação que era naquele momento de 40 pontos; essa era uma nova estrutura de pontos no campeonato, agora o vencedor levava 10 pontos para uma vitória. Outra inovação em regulamento neste ano, foi que todas as 16 corridas contaram para o campeonato, acabando com o sistema de melhores resultados, conhecido como “sistema de descartes”.

Um ponto marcante para Senna foi a sua tão perseguida vitória no GP Brasil, conquistada após uma corrida tensa, sob pancada de chuva e com um câmbio em frangalhos, o qual só restava a sexta marcha.

Mansell tinha sido demovido de sua anunciada aposentadoria por Frank Williams e na quinta etapa do campeonato em Montreal ele finalmente interrompe o sucesso de Senna. Ele liderou a corrida desde o início, mas a falha do motor na volta final da corrida fez com que a vitória caísse no colo de Nelson Piquet, numa das famosas trapalhadas do inglês que passou a última volta acenando para o público em velocidade tão lenta que o carro entrou em colapso elétrico.

A vitória de Piquet nesse GP marcava algo inédito para nós brasileiros. Desde o GP do Japão no ano anterior, 7 corridas já haviam sido disputados e todas elas vencidas por brasileiros, com triunfos divididos entre Senna e Piquet. Foram quase 9 meses de vitórias exclusivamente do Brasil, país que estava em êxtase ao mesmo tempo em que a categoria alcançava sua maior popularidade por essas terras.

Após o GP do Canadá o campeonato ganha um rumo distinto. O forte carro da Williams finalmente ganha confiabilidade e, no GP seguinte, no México a dupla faz uma dobradinha, só que a vitória fica com Patrese.

Senna e a equipe McLaren começam a perceber que o modelo FW14 era uma arma poderosa e, quando a dupla da Williams acertasse a mão, seria muito difícil para eles segurarem os resultados. Foi mais ou menos por essa época que Senna colocou na cabeça a ideia de se transferir para a Williams, equipe que tinha lhe dado o primeiro carro de Fórmula 1 em mãos, naquele já distante teste em Donington park em 1983.

Nas 3 etapas seguintes: na França, que passava a ser disputada em Magny-Cours; na Grã-Bretanha num remodelado Silverstone; e na Alemanha, em Hockenheim, foram todas vencidas por Mansell, ao que parecia o inglês finalmente seria um duro adversário e colocava em risco o Tri do brasileiro.

Após a prova da Alemanha a tabela de pontuação do campeonato estava em 51 x 43 pontos. Ou seja, caso acontecesse mais uma vitória de Mansell, com Senna tendo algum problema, o inglês poderia assumir a liderança do mundial, o que era impensável depois daquela sequência de vitórias de Senna no começo do ano.

Mas houve reação. Nas duas provas seguintes, na Hungria e na Bélgica, Senna consegue duas vitórias importantes. Dessa vez é Mansell quem enfrenta resultados abaixo do esperado. Junta-se a isso uma maior maturidade de Senna em administrar a pontuação para manter a liderança, somando pontos importantes.

Tendo um carro imbatível Mansell vence em Monza com Senna em segundo, só que na corrida seguinte no Estoril, mais um momento de trapalhada do inglês e da Williams. Num pit-stop para lá de desastroso, Mansell perde uma roda e acaba desclassificado, e pior, sem somar pontos importantes.

Mansell vence a prova da Espanha, numa das piores exibições de Senna, que não passa da quinta posição. O placar no campeonato, no entanto, apontava 85 x 69 e era difícil para Mansell conquistar pontos que Senna já tinha.

A fatura seria fechada pela terceira vez consecutiva em Suzuka, numa estratégia definida pela McLaren. A ideia era fazer marcação cerrada em Mansell. Só que este papel não seria de Gerhard Berger, que nessa altura era claramente o segundo piloto. Caberia ao próprio Senna a tarefa de segurar o Leão enquanto Berger faria o trabalho de disparar na liderança.  A tática dá certo e Mansell, além dos limites da pressão, erra na entrada da primeira curva e sai da pista na décima volta.

Senna é tricampeão, dessa vez sem polêmicas e sem batidas, numa temporada em que a sua maturidade foi decisiva para a conquista do campeonato. Tudo levava a crer naquele momento que o recorde de 5 títulos, pertencente ao argentino Juan Manuel Fangio seria batido pelo brasileiro nos próximos anos…

Passear pela temporada de 1991 nos dias atuais é ir descobrindo uma série de simbolismos bem interessantes, tanto no aspecto da categoria como no mundo. O GP da Alemanha foi o primeiro disputado após a reunificação das duas Alemanhas; a França recebeu Magny-Cours por uma manobra bem arquitetada pelo presidente francês François Mitterrand, que em 1959 como senador havia ajudado no projeto de construção do autódromo; e um certo alemão queixudo estreou quase que por acaso na categoria no GP da Bélgica. Michael Schumacher seria a cara da nova geração que dominaria a Fórmula 1 nos anos 90 e 2000.

Essa foi a última temporada em que nossos quatro protagonistas estiveram juntos, todos em condições minimamente competitivas entre eles.

Mesmo nos dois anos seguintes, tendo Mansell e Prost conquistados os respectivos títulos de 1992 e 1993, foram conquistas numa equipe Williams que contava com um carro inalcançável, bem acima das demais equipes. Do ponto de vista tecnológico, não houve uma competição mais nivelada nessas duas temporadas, como nos anos de 1985 até 1991.

Aliás, lembro que minha proposta era a de escrever até 1992 e foi aos poucos mudando, na medida em que pesquisei melhor esse período. Esses dois anos (92 e 93) merecem uma coluna à parte.

Em números, nossos quatro protagonistas da foto, entre os anos de 1985 até 1991, tiveram os resultados que traduzi na tabela a seguir. Mesmo tendo conquistado todos os títulos de pilotos e com 83% das vitórias nesse período, não dá para contestar que esse foi um dos melhores e mais competitivos períodos da Fórmula 1.

A temporada de 1991 marca a passagem da Fórmula 1 para uma nova geração que estava por vir, tanto no aspecto técnico dos carros como nos novos protagonistas que surgiram. Entretanto, fica a marca indelével que esses quatro. Senna, Prost, Piquet e Mansell fizeram a alegria dos fãs nesses anos.

Um ponto bem legal, para finalizar essa série, é deixar a dica para os amigos leitores para “garimpar” na internet tudo o que está disponibilizado sobre essas temporadas e suas corridas. É um vasto material e garanto que vai ser uma boa tarefa de casa.

Até a próxima!

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

2 Comments

  1. Mário Salustiano disse:

    olá Fernando

    obrigado pelo comentário e elogio, de fato esse período foi muito bacana e para mim foi uma review que me trouxe ótimas recordações
    Agora estou pesquisando a situação de inicio, auge e declínio dos garagistas, aguarde que em breve vai vir outra série..hehe
    abraços
    Mário

  2. Fernando Marques disse:

    Grande Mário,

    as colunas “dos pilotos daquela foto” foi um deleite para relembrar sem duvidas alguma da melhor época que a Formula 1 teve na sua história … a planilha demonstra números que evocam o que foi para estes 4 pilotos poderem ser protagonistas da Formula 1 … mas o que emociona mesmo é poder ter tido (no meu caso) a felicidade de acompanhar tudo “a live” e relembrar através de seus textos tudo de bom que aconteceu naquela áurea época …
    Eu, que acompanho a Formula 1 do jeito que posso desde 1970, sempre relembro saudosamente os bons e maravilhosos tempos dos anos 70 e inicio dos anos 80, mas tiro o chapéu e concordo contigo que nada foi tão bom quanto o período compreendido entre 1985 e 1991.
    Show de bola!!! O amigo foi muito feliz no tema.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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