Competição ou jogo? – final

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Os flamboyants da Fórmula 1 – parte 1
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Confira a primeira parte clicando aqui.

Na década dos anos 2000, a percentagem se mantem praticamente igual (mas sem esses quatro ases) e, perante as reclamações de que as corridas estavam sendo previsíveis demais (o que se confirma com estes percentagens) a FIA estabelece o fornecedor único de pneus esperando aumentar a igualdade entre as equipes e promover uma maior competitividade e emoção.

Porém, o fabricante designado para ser o fornecedor único acabou sendo a Bridgestone, que vinha trabalhando intimamente com a Ferrari havia vários anos, o que lhe dava grande vantagem sobre os rivais, pois conheciam
perfeitamente as características daqueles pneus e, uma vez mais, a realidade se encarregou de contrariar os supostos propósitos de dotar a categoria de uma maior igualdade, fazendo que os percentagens de vitórias das duas primeiras equipes continuassem sendo altos, como se uma espécie de duopólio tivesse sido bem estabelecido na categoria.

Assim chegamos à temporada de 2011, onde as vitórias do campeão e vice-campeão juntos alcançam a ser quase 95% do total. Uma vez mais e tratando de dotar a categoria de certa emoção, a FIA pede à Pirelli (então a fornecedora única dos pneus) que apresente novos pneus para 2012, mas, logo no inicio da temporada, já se viu que as coisas não saíram tao bem quanto se esperavam.

Nas primeiras sete corridas da temporada tivemos sete vencedores diferentes de seis equipes diferentes. Sem
dúvida a vitória mais chocante foi a de Pastor Maldonado na Espanha, sendo aquela vitória a única vez que o
venezuelano subiu ao pódio em suas 95 corridas na Fórmula Um, enquanto que a Williams não vencia uma corrida desde sua vitória no Brasil em 2004.

Vencer é o objetivo de qualquer piloto e escuderia, e uma vitória sempre representa alcançar um patamar de prestigio mais elevado dentro da categoria. Porém, e apesar de que vencer não esta ao alcance de qualquer um, aquela vitória de Maldonado não elevou seu status dentre os pilotos, pois era um generalizado convencimento que aquela vitória não se derivou de méritos próprios mas de uma conjuntura muito favorável propiciada pelos pneus. Assim, era inevitável não abrigar reticencias sobre o mérito dos anteriores ganhadores.

Assim, as criticas aos pneus logo se generalizaram sendo que a palavra habitualmente mais usada para descrever o que estava acontecendo era “loteria”. Dietrich Mateschitz diria: “Ninguém entende estes pneus e isto virou uma
loteria!“, enquanto que Di Montezemolo dizia que os pneus tinham “demasiada importância” e Ross Brawn que a Fórmula Um se havia tornado “demasiado imprevisível”.

Contudo, as críticas mais duras vieram dos pilotos, como o dito por Jenson Button: “Todos estão contentes com tantos vencedores, mas chegará o dia em que os fãs dirão que qualquer um pode ganhar um GP e qualquer um pode perder!“. Niki Lauda era da mesma opinião: “Se as coisas continuarem assim, vamos perder audiência pois a maior parte do público quer ver os campeões ganhar!“.

Michael Schumacher tampouco escondia seu desagrado pelos pneus, ainda que foi Fernando Alonso quem seria
mais específico em suas críticas ao advertir que a Fórmula Um corria o risco de perder credibilidade, argumentando
que, ainda que tantos diferentes vencedores, a priori, pudesse parecer algo atraente, existia o perigo da competição se converter numa loteria pois “não devemos esquecer que os melhores pilotos e as melhores equipes são os que ganham as corridas, contudo agora parece que qualquer um pode ganhar!“. Também diria: “Assim não importa o talento nem a equipe ou seu rendimento, pois tudo é uma loteria. O que você consegue na Fórmula Um não é por
casualidade. Devemos deixar claro que, se você ganha uma corrida, é porque você foi o melhor, mas não creio que isto esteja claro para a maioria da gente!“.  Com essas palavras, Alonso confirmava o que também dizia Mateschitz em referência a que tanta imprevisibilidade estava acabando com a própria essência do esporte.

Em 2013 a Pirelli, sob petiçao da FIA, fornece uns pneus com uma vida útil muito mais curta, mas a temporada
começa com três vencedores diferentes nas três primeiras corridas. Paul Hembery, o diretor esportivo do borracheiro
justificaria aqueles pneus dizendo: “No fim da temporada anterior, em muitas corridas, tivemos apenas um pit stop e nosso objetivo é que hajam dois ou três!“.

Contudo Lauda logo diria: “A situação dos pneus é absolutamente estúpida. Gerar emoção com mais e mais pit stops é equivocada!“. Depois do GP do Canadá, Pirelli modificou seus pneus aduzindo que era para o “bem do esporte“, algo que nunca devia ter sido permitido pois, com isso, se prejudicava as equipes que estavam conseguindo adaptar seus carros àqueles pneus em beneficio das outras. Assim, era muito difícil não pensar que aquela modificação dos pneus, com o campeonato já em andamento, não acabasse afetando o resultado final.

Em 2014 e 2015, poucas coisas mudaram e a FIA continuava em seu empenho por, segundo diziam, promover a emoçao. Em 2014 a FIA quer pneus que se degradem rapidamente depois de um certo número de voltas, sem importar o esforço ao que sejam submetidos. Em 2015, os pneus voltariam a ser os protagonistas pois a FIA nao esteve satisfeita com dos pneus de 2014, que resultaram durar demais para o seu gosto. A Pirelli apresenta pneus com compostos mais moles e que, após sua vida útil, decaian em rendimento quase repentinamente.

Na Bélgica, Vettel sofreu a explosao de um pneu com apenas 28 voltas, quando acabava de passar pela Eau Rouge, apesar de que, em teoria, devia durar mais de 40 voltas. Nico Rosberg já havia sido vtima do mesmo problema nos treinamentos e pneus furados vinham sendo algo habitual nos últimos anos ( no British GP de 2013 varios pilotos tiveram pneus furados ) e, em 2016, veriamos Vettel sofrer outra explosao de pneu na Austria. Segundo o alemao, o pneu explodiu sem dar nenhum sinal previo. " O pneu simplesmente explodiu ! " diria Vettel depois.
Em 2017, novamente Vettel seria viítima da explosao de outro pneu durante o GP da Inglaterra. Hembery, como em
outras ocasioes, apenas diria que o pneu estava no fim de sua vida útil. Porem, o problema é que ninguem sabia qual era a tal vida útil daqueles pneus, pois em nenhum destes casos os pilotos notaram perdas de rendimento
significativas antes do percalço e, assim, estes vinham se convertendo numa espécie de roleta russa.

Contudo, para a FIA parece que a “loteria” dos pneus não era suficiente e, para aumentar a emoção ainda mais (pelo
menos o seu conceito de emoção), outras formas de promover imprevisibilidade, também, foram sendo implementadas desde faz alguns anos. Além do ridículo DRS, do qual todos já conhecem minha opinião, o Safety Car também acabaria se transformando num instrumento para promover “emoção” pois, enquanto esta na pista, permite que todos os pilotos se reagrupem atrás do carro de segurança e inclusive permite aos retardatários recuperar voltas perdidas, algo impróprio da competição e sem nenhuma justificativa.

Com isto, não foram raras as ocasiões em que tivemos resultados adulterados pelo tal SC, como o caso de Romain Grosjean na Alemanha em 2013, onde tinha a vitória ao alcance da mãos antes da saída do SC. Ou o caso similar de Nico Rosberg na Hungria em 2014. Como não fosse suficiente, ainda outro fator de “imprevisibilidade” seria implementado: O VSC (carro de segurança virtual).

O nome, ainda que muito grandiloquente, encerra uma perversa manipulação do natural desenrolar das corridas, pois o VSC é mobilizado, independentemente do lugar da pista em que se encontre cada piloto, portanto é beneficioso para alguns e prejudicial para outros. O piloto que se encontre próximo a entrar num trecho de alta velocidade e deva reduzir esta para cumprir a fixada pelo regulamento do VSC, perde mais tempo do que outro piloto que esteja a ponto de entrar num trecho de baixa velocidade.

No último GP da Austrália, o acontecido foi ainda mais bizarro. Hamilton havia mostrado ser superior desde os
treinamentos e comandava a corrida sem dificuldade. Com a prova sob controle, o inglês entra nos boxes na volta 20 para trocar pneus, deixando Vettel na liderança. Hamilton voltaria à pista a apenas 12 seg atrás do alemão e, como o tempo que se perde nas trocas é de uns 23 seg, isto significava que Hamilton recuperaria a primeira posição com uns 10 seg de vantagem, quando Vettel entrasse para a sua troca. Contudo, pouco depois o VSC sai à cena e Vettel, que se encontrava justo antes da saída de acesso ao pit lane, aproveita e entra para a sua troca de
pneus. Era a volta 26 e o alemão, ante a surpresa de todos, acabaria saindo justo à frente de Hamilton.

Quando Vettel, saiu da pista e entrou no acesso ao pit lane, já não esteve submetido à limitação de velocidade que afetava aos pilotos que seguiam na pista, o que lhe permitiu acelerar até a linha que marca o principio do pit lane. O mesmo aconteceu no trecho que vai desde a linha que marca o fim do pit lane até a entrada na pista. Além do mais, no próprio pit lane, a velocidade máxima à que podem circular os carros se mantem durante o VSC, portanto a diferença de velocidade entre Vettel e os pilotos que seguiam em pista submetidos à limitação imposta pelo VSC, era muito menor do que em circunstâncias normais de corrida, de modo que o alemão conseguiu descontar a
vantagem de Hamilton sem fazer nada especial e… cumprindo o regulamento!

A norma que regula o VSC foi tao mal concebida que Vettel se beneficiou dela até o ponto de poder vencer uma corrida que parecia firme nas mãos de Hamilton. Assim, apesar de todo o dinheiro que investem as equipes em construir seus carros e do talento e determinação de seus pilotos, a vitória acabou sendo ditada por um VSC!

Dizia Ali : “os campeões não se fazem no ginásio. Os campeões se fazem a partir de algo em seu interior, de um anseio, de um sonho ou uma visão. Eles precisam de habilidade e de determinação, mas a determinação deve ser mais forte do que a habilidade!”.

Não sei o que pensaria Ali, mas temo que nada do que ele dizia seja suficiente para vencer na Fórmula Um atual. Com carros de segurança, sejam estes reais ou virtuais sendo mobilizados a esmo e sem nenhum respeito pela competição e seus competidores, e ridículos pneus que se comportam de forma inesperada e até errática, parece que a FIA vem conseguindo sua tao ansiada imprevisibilidade, ainda que seja a custa de recorrer a estes elementos como se se tratassem de roletas, sorteios ou dados.

No entanto, em minha modesta opinião, com tanta imprevisibilidade sendo promovida por meios aleatórios, me
parece que a competição se está convertendo num simples jogo, onde a vitória depende em boa medida da sorte e nao dos valores descritos por Ali.

Um abraço e boa sorte !

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

2 Comments

  1. Rubergil Jr disse:

    Um ótimo texto, que nos faz refletir também. Afinal, nós fãs, queremos ver competição esportiva, ou jogo?

    Abraço!

  2. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    o que mais criticamos do uso do Safety Car e o VSC na Formula 1, os americanos dizem ser a chave do sucesso nas corridas da Nascar.
    O trem é complicado.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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