De Melbourne a Abu Dhabi

Nocaute psicológico
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Mon ami mate
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No início de 2001, eu estava no auge dos meus 15 anos. Estava no auge de minha paixão pela Fórmula 1, também. Desde a morte de Senna eu não tinha aquela sensação de varar madrugadas esperando pelas corridas, ainda que tenha acompanhado os campeonatos e sido marcado por vários momentos, bons e ruins. No entanto, a chegada de Barrichello à Ferrari, no ano anterior, me fez resgatar o interesse frenético pela categoria.

Enquanto a maioria de meus amigos estava fissurado por videogames como FIFA ou usando a internet no icq, minhas tardes iam numa dessas variantes: FORIX, f1-grandprix e GPtotal, revistas Grid e Racing, livros (“F1 pela glória e pela pátria”, “A face de um gênio” e outros), e toda uma gama de recortes e informativos que meu pai colecionou ao longo da vida (Marlboro guide etc). Toda minha cultura histórica da F1 descende dali.

Em paralelo, acompanhava treino livre, qualificação e corridas, anotava numa tabelinha a pontuação, autores de melhor volta, pódio etc. Mais ou menos como todo mundo faz(ia) a cada 4 anos, durante a Copa do Mundo.

Minha cultura musical também se sedimentou aí: meus colegas se dividiam basicamente em dois grupos: os que estavam no afã da MTV (Linkin Park, Gorillaz e outros) e os que curtiam rock mais ‘pesado’ — Metallica e, especialmente, Dream Theater. Eu não ignorava nada disso, mas estava mergulhando de forma profunda e irrecuperável na obra dos Beatles.

Em termos de música brasileira, eu destoava ainda mais: na verdade, minha geração despreza o cancioneiro nacional — escutavam alguma coisa de CPM 22, talvez. Eu optei por mergulhar nos ícones, de Roberto Carlos a Maria Bethânia, passando por Tom Jobim e Chico Buarque.

Nas rádios, o maior sucesso era Amor, I love you, com Marisa Monte, e não havia quem passasse incólume ao refrão.

No dia 4 de março, no GP da Austrália, era dada a largada para mais uma temporada, e eu estava extremamente empolgado.

A corrida em Melbourme não foi propriamente memorável. Para lembrar, na verdade, a nota triste do falecimento de um fiscal de pista, vítima de um pneu que voou do carro de Jacques Villeneuve, que se chocou com Ralf Schumacher.

Na parte esportiva, mais uma obviedade: vitória de Michael Schumacher. E para um torcedor de Barrichello, mais uma decepção.

Mas três estreantes chamaram muita atenção: Juan Pablo Montoya, Kimi Räikkönen e Fernando Alonso (para os brasileiros também havia Enrique Bernoldi…).

O colombiano, por motivos óbvios, concentrava os holofotes: além de ser aquele que tinha em mãos o melhor equipamento, já tinha carreira respeitável no automobilismo americano.

[De fato, Montoya faria jus a tais expectativas, vencendo corridas naquele ano e proporcionando grandes momentos como aquela ultrapassagem no S…].

Mas o finlandês e o espanhol eram os que atraíam os observadores mais atentos e aqueles que ansiavam por uma renovação: Kimi aparecia com a polêmica da super licença, queimando etapas; Alonso já trazia recorde: era o mais jovem da história a largar.

Os dois justificaram os olhares especializados: Kimi pontuou, num sólido sexto lugar, e Alonso conseguiu terminar (12º). Ambos os pilotos e suas equipes comemoraram efusivamente aqueles resultados, dando ainda mais destaque para as promessas de futuro.

Nos três anos seguintes, Kimi e Alonso trilharam caminhos semelhantes, mas o finlandês parecia um pouco mais pronto.

Räikkönen substituiu o maior ídolo de seu país e logo numa das melhores equipes do circuito. Em 2003, ele chegou a disputar o título até a última volta da última corrida, mas ainda não era hora.

Alonso foi para a Renault, quando a montadora ressurgia na F1 e trazia Briatore na bagagem. O primeiro ano foi “sabático”, Fernando apenas testando, mas nos dois anos seguintes assumiria a liderança do time, vencendo pela primeira vez.

2005 marcaria uma disputa polarizada por eles, no ano do regulamento que proibía a troca de pneus e que, isso somado a um Ferrari mal projetado, Schumacher foi mero coadjuvante.

[O outro estreante de quatro anos atrás vinha em ascensão parecida, também ganhando GPs e disputando o caneco em 2003, mas àquela altura já era claro que ele não tinha o mesmo talento de Kimi e Fernando].

Naquela temporada, Alonso e Kimi venceram sete corridas cada, o que significa que em apenas 4 dos 18 GPs com a presença de ambos o vencedor foi outro nome.

No fim, Alonso ganhou o título e o recorde de mais jovem campeão do mundo, superando Emerson Fittipaldi. Muitos lembram da conquista como “sorte” do espanhol, dadas as quebras de Kimi — e o inesquecível final do GP da Europa –, mas a verdade é que Alonso foi merecedor, correndo à la Prost mas com momentos de Senna, e também teve seus azares.

O grande desempenho do ano, no entanto, foi mesmo do finlandês: sua vitória mitológica em Suzuka, indo de 17º na largada a 1º literalmente na última volta. Mas Alonso não fez feio: completou o pódio, garantindo o Mundial de construtores para a Renault, depois de ter largado em 16º!

2006 foi um ano difícil na vida de Kimi, mas o ápice de Alonso, que chegaria ao bicampeonato batendo Schumacher em duelo franco e épico. O resultado seria a aposentadoria do alemão, e uma dança das cadeiras inevitável: Alonso iria para o lugar de Kimi na McLaren, e o finlandês ocuparia a vaga de Schumy na Ferrari.

O final daquele roteiro foi dos mais inesperados: Kimi campeão, Alonso vice por um (!) ponto a menos, rigorosamente empatado com seu novo companheiro de equipe — o campeonato mais apertado da história para todo o sempre.

O que ninguém poderia esperar, no entanto, é que aqueles três títulos em sequência da dupla seriam os últimos. E menos ainda se podia imaginar que dois estreantes naquele ano viriam a assombrar a categoria nos 11 anos seguintes.

Apesar de um início fantástico em 2008, Kimi se tornaria sombra do que foi, deixando a Ferrari e a F1 ao fim de 2009 para dar lugar a… Alonso.

[A saga do espanhol na Ferrari eu contei na coluna “Fernando Reutemann“, e o vazio da ausência de Räikkönen eu narrei em “Que saudades Kimi dá!.]

Kimi retornou à F1 em 2012, após dois anos se aventurando em outras categorias. Naquela temporada, marcada por diversas mudanças no regulamento — aquele tosco bico degrau –, Fernando teve sua última disputa real pelo troféu, e Räikkönen conseguiu uma bela vitória no fim da temporada, a primeira do nome Lotus em 25 anos.

Foi um último brilho de ambos, inda que no começo de 2013 ambos amealhassem vitórias. Não era bem verdade, era apenas uma ilusão.

Em minha vida pessoal, eu já era outra pessoa completamente diferente, ainda que mantendo as raízes. Casado, me descobri um admirador daquela Marisa Monte das rádios de 2001: minha esposa é fã de carteirinha, e juntos acompanhamos um show dela pela primeira vez.

Em 2014, quis o destino que Kimi e Alonso dividissem a equipe e desempatassem o jogo: mas eles ficaram mesmo no empate, uma vez que a Ferrari de 2014 era pior que aquela de 2005.

Alonso foi pra McLaren, e Kimi viu outro alemão, discípulo maior daquele a quem substituíra em 2007, tomar conta do pedaço. A diferença de desempenho, a priori, talvez não tenha sido tão brutal assim, mas a verdade é que Kimi nunca fez frente para Vettel em Maranello. E Alonso agonizou junto com a equipe inglesa para onde primeiro fora em 2007.

Foram quatro temporadas de ocaso, chegando a 2018 e (Alonso direta Kimi indiretamente) o anúncio inevitável de que ambos est(ar)ão fora da Fórmula 1: dia 25 de novembro deste ano, em Abu Dhabi, veremos a última largada desses dois pilotos sensacionais.

Inevitável pra mim fazer um flashback e voltar para aquele dia em Melbourne, no qual ambos me chamaram a atenção por coisas distintas, e que, sem saber, seriam pano de fundo para minha transição de um moleque para pai de um moleque; de apaixonado por F1 para alguém com nostalgia da F1.

Inevitável, também, lembrar de Marisa Monte.

Nós dois
Já tivemos momentos
Mas passou nosso tempo
Não podemos negar
Foi bom
Nós fizemos história
Pra ficar na memória
E nos acompanhar

Alonso e Räikkönen hão de ser felizes, também. Depois.

Marcel Pilatti

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

5 Comments

  1. Alexei disse:

    Me parece que a Fórmula 1 está morrendo…
    Pilotos com grande carisma sendo obrigados a deixá-la por falta de opções competitivas. Pilotos entrando a cada dia mais jovens, imaturos – é possível hoje em dia chegar à categoria sem estar montado no dinheiro? – e sem a mesma perspectiva de retorno de imagem para a categoria.
    Convenhamos… Max Verstappen?
    Carros confiáveis demais que praticamente não quebram, enquanto as corridas têm a mesma distância e duração dos anos 70. Resultados previsíveis. Ausência de ultrapassagens em razão do desenvolvimento aerodinâmico. Excesso de gastos. E fora de seu universo particular, um questionamento muito complexo mas pertinente sobre nossa relação com o automóvel e os combustíveis fósseis.
    É difícil ver a categoria como hoje está… a perda de público será inevitável e a Ferrari terá que arcar com uma grande crise de relações públicas.

  2. Amigo Marcel,

    Que coluna…

    O ano de 2001 também me foi muito marcante e foi uma temporada que a F1 viu os dois pilotos que ‘aposentariam’ Schumacher. Todos pensavam que seria Montoya, mas acabou sendo a dupla Kimi e Fernando.

    Que saudades daquela época!

  3. Fernando Marques disse:

    Marcel,

    sua coluna demonstra que a renovação de valores na Formula 1 nunca deixou de existir e nunca vai acabar … durante dinastia do Schumacher esta renovação parecia ser ilusória e passível de não acontecer pois ninguém acreditava que pudesse aparecer um piloto que desafiasse e batesse nas pistas o Queixudo Mandrake Alemão. Graças a Deus foi apenas um ledo engano …
    Hoje a grande questão é saber quando a dinastia Hamilton/Vettel vai acabar pois os dois juntos são donos de 8 dos ultimos 9 campeonatos disputados e possivelmente donos de mais de 85% das vitorias neste mesmo período … e um deles será campeão este ano novamente … Quem será o piloto que conseguirá vencê-los? …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Mauro Santana disse:

    Fantástico, Amigo Marcel!

    Estamos num momento de transição, e que o saudosismo bate forte.

    Espero que o futuro na F1, seja promissor, mesmo estando vivenciando uma temporada muito boa, a aposentadoria de ídolos deixa um vazio que é difícil de ser preenchido.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

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