Confiança

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Felipe Massa teve uma carreira um pouco distinta dos seus contemporâneos. Ao invés de desembarcar numa categoria intermediária (F3, de preferência inglesa), ir para a antessala da F1 (F3000 Internacional) e depois estrear na categoria principal, o brasileiro desenvolveu toda a sua carreira na Itália, longe dos olhares mais atentos dos formadores de opinião da F1. Claro, sem contar os italianos, que chegaram a compará-lo a Senna no final do ano 2000.

Massa foi contratado pela Ferrari, passou por Sauber por empréstimo, um ano como piloto de testes até substituir Rubens Barrichello no final de 2005 na Ferrari como companheiro de equipe de Michael Schumacher. Massa tinha plena confiança da Ferrari, que o desenvolveu pacientemente, enquanto Felipe ia ganhando confiança em si mesmo. Porém, era nítido que Massa não tinha o mesmo talento dos seus contemporâneos, como Fernando Alonso, Kimi Raikkonen e Jenson Button.

Após ver Raikkonen ser campeão em 2007 com a Ferrari, Felipe Massa se aproveitou de pequenos azares do finlandês na temporada seguinte para ir ganhando cada vez mais confiança, entrando na briga pelo título de 2008 com Lewis Hamilton, piloto da novíssima geração da F1 junto com o alemão Sebastian Vettel. Massa estava tão confiante que quase venceu em Mônaco, uma pista que nunca andou bem, além de conseguir andar bem na chuva, outro ponto fraco dele.

Exatamente dez anos atrás, Massa liderava o primeiro Grande Prêmio de Cingapura da história da F1 de forma dominante, no que era também a primeira corrida noturna da categoria. Felipe transbordava confiança e mesmo não tendo o mesmo talento dos seus pares, estava pronto para ser campeão de 2008. Na volta 15, Nelsinho Piquet bateu e trouxe o Safety-car para a pista. Massa foi aos boxes, mas um mal-entendido na Ferrari faz com que Felipe saísse dos pits com a mangueira de reabastecimento ainda presa no seu carro, como se uma anaconda gigante quisesse engolir a Ferrari. Massa ainda voltou à corrida, mas aquela derrota seria determinante para que Lewis Hamilton vencesse o título na corrida final, mesmo que de forma dramática.

Hamilton estava com a confiança em alta após conquistar seu primeiro título logo em sua segunda temporada na F1, mas o inglês provaria que a maturidade ainda lhe faltava em várias situações dentro e fora das pistas que o atrapalharam, fazendo com que seu rival de geração, Sebastian Vettel, conseguisse juntar seu talento, o melhor carro do momento e uma confiança incrível para conquistar quatro títulos mundiais consecutivos.

Dez anos depois do incidente com Massa no circuito de Cingapura, a confiança de um atleta voltou a ser fator primordial para se definir o vencedor de uma corrida e até mesmo de um campeonato. Porém, ao contrário de 2008, quando a confiança estava no lado do piloto menos dotado de talento, 2018 mostra o melhor piloto dessa geração com a confiança transbordando a ponto de conseguir pilotagens incríveis.

Na minha coluna sobre o Grande Prêmio da Inglaterra, falei que Lewis Hamilton ainda precisava amadurecer mais para enfrentar um oponente tão forte como Sebastian Vettel. Naquela mesma semana, Hamilton pediu desculpas aos envolvidos. Se alguém falou com Lewis ou foi o próprio inglês que percebeu a burrada que tinha feito em casa, o certo é que o inglês percebeu que jogos mentais poderiam ser fatais para quem tem um talento tão exuberante quanto ele. Hamilton conhece bem essa história.

Ele foi derrotado por Nico Rosberg, um piloto flagrantemente menos talentoso do que ele, usando o mesmo equipamento, mas Rosberg soube utilizar cada ponto fraco de Hamilton a seu favor. Agora era Lewis Hamilton que precisava se focar em sua pilotagem, mas o vento estava todo a favor de Vettel naquele momento. Até vir a chuva em Hockenheim. O abandono de Vettel no chuvisco em Hockenheim, quando o alemão liderava na frente de sua torcida, mexeu no emocional e na confiança de Sebastian, que foi toda para Hamilton. A Ferrari já tem hoje um carro, no mínimo, no mesmo nível da Mercedes após anos de dominação, mas Lewis Hamilton vem demonstrando uma confiança tão grande que ele vai sobrepujando seu rival a cada corrida.

A falta de confiança de Vettel é percebida em pequenos detalhes. A classificação na Hungria debaixo de chuva, logo depois do seu erro na Alemanha foi um exemplo clássico. Naquela corrida, onde a Ferrari dominou todos os treinos livres, Hamilton venceu com facilidade após um desempenho débil de Vettel na classificação molhada. Se fosse tênis, seria um break point a favor de Lewis. Em Monza, foi praticamente a mesma coisa. Vettel se afobou, Hamilton fez uma corrida extraordinária e venceu numa pista em que a Ferrari chegou como favoritassa.

A exibição em Monza deixou Hamilton ainda mais confiante, causando o efeito contrário em Vettel. Era o segundo break point. Em Cingapura, mesmo palco onde ano passado as duas Ferraris se eliminaram na largada e Hamilton começou a trilhar o caminho para o tetracampeonato, novamente a Ferrari era favorita, mas Lewis Hamilton inverteu toda a lógica com um final de semana muito próximo da perfeição.

Se Kimi Raikkonen conseguiu a volta mais rápida da história da F1 em Monza, a volta de classificação de Lewis Hamilton no sábado foi daquelas de se levantar e bater palmas. Foi a demonstração clara do quão confiante o inglês está no momento. Foi um momento sublime do automobilismo, onde Lewis Hamilton não tomou conhecimento do favoritismo dos rivais e cravou uma pole position épica. Até agora, esse seria o momento de Lewis Hamilton na coluna Pra Ninguém do meu amigo Marcel Pilatti.

Sem fazer nenhuma comparação com Ayrton Senna e sua volta mágica em Monte Carlo em 1988, Lewis Hamilton teve sua marca registrada também num circuito de rua. Se não falou nada muito poético como Senna falou na época, Hamilton teria muito orgulho de saber que certamente Senna assinaria uma volta como a de ontem.

Se em Mônaco se fala que mais da metade da vitória é conseguida na classificação, a volta épica de Lewis Hamilton praticamente encaminhou a vitória de hoje, onde Hamilton só foi ameaçado por uma contingência, quando preferiu esperar o resultado da briga entre Romain Grosjean e Sergey Sirotkin no pelotão intermediário. A vitória de número 69 de Lewis Hamilton o colocou quarenta pontos na frente de Vettel. O alemão até começou bem a corrida ao sair da incômoda terceira posição no grid para segundo logo na primeira volta com uma bela ultrapassagem sobre Max Verstappen. Porém, a confiança de Vettel e da Ferrari já tinha ido para as cucuias antes mesma da largada e quando Sebastian simplesmente não foi páreo para o ritmo de Hamilton nas primeiras voltas, a Ferrari resolveu arriscar mudar o status da corrida de Vettel.

A chuvinha que chegou a cair ou a vã esperança que Safety-car aparecesse fez com que a Ferrari chamasse Vettel mais cedo e colocasse os pneus ultramacios. Tudo começou a dar errado quando o alemão se viu atrás de um desastrado Sérgio Pérez, fazendo-o perder tempo para Max Verstappen, que com os pneus corretos, saiu um pouco à frente de Vettel na saída dos boxes. O alemão ficou sem muitas alternativas e teve que se conformar com a terceira posição, tomando mais de 30s de Hamilton.

A fragilidade emocional de Vettel está tão evidente que a Ferrari já começa a agir. Com Vettel longe do seu melhor momento nos bastidores da Ferrari, a equipe de Maranello anunciou a troca de Kimi Raikkonen por Charles Leclerc em 2019, um jovem como Felipe Massa na década passada e louquinho para mostrar serviço. Querido por Vettel pela maneira subserviente com que se relaciona dentro da Ferrari, Raikkonen vai cada vez mais se parecendo com o francês Patrick Tambay, um piloto rápido, mas totalmente impotente em disputas por posição. Raikkonen não tentou uma única ultrapassagem sobre um não menos apagado Valtteri Bottas hoje, que terminou quase um minuto atrás do companheiro de equipe.

Fernando Alonso deu outra mostra que seu talento está intacto ao ser o melhor do resto com um sétimo lugar que, pela forma atual da McLaren, é um feito e tanto. A vaidade de Alonso não irá transparecer isso nunca, mas o espanhol está sofrendo o pesadelo de todo piloto campeão como ele. Alonso está sendo aposentado da F1. Não que falte talento ao espanhol, mas falta ao espanhol uma palavra muito em voga hoje em dia: relações pessoais. Num pelotão intermediário que viu Kevin Magnussen marcar a volta mais rápida da corrida com 1s de vantagem para o restante, o ritmo baixo dos ponteiros ainda não foi capaz de fazer as equipes médias se aproximarem das grandes.

Alonso terminou mais de 50s atrás do sexto colocado Ricciardo e o oitavo colocado Sainz já estava uma volta trás num circuito longo e com cem segundos de distância. O destaque negativo desse pelotão foi Sérgio Pérez, que se envolveu em dois acidentes na corrida, uma envolvendo seu companheiro de equipe que manteve o 100% de aproveitando de safety-car em Cingapura. Depois se envolveu num toque inacreditável com o inofensivo Sergey Sirotkin, além de reclamar da postura normal do russo. Já considerado um piloto experiente, Pérez se desespera ao se ver na mesma situação de Nico Hulkenberg, que hoje completou 150 Grandes Prêmio sem pódio e sem estourar.

A derrota de dez anos atrás foi o começo do final da confiança plena de Felipe Massa. O terrível acidente em Hungaroring foi apenas a pá de cal e Felipe nunca mais seria o mesmo piloto valente e cheio de confiança que o fez brigar de igual para igual com pilotos melhores do que ele. A saída de pista de Sebastian Vettel na volta 51 do Grande Prêmio da Alemanha minou a confiança do alemão, que ainda não se recuperou da derrota. Se em Monza Vettel levou um direto de direita no queixo, hoje levou um jab no fígado. Foi o terceiro break point à favor de Hamilton.

Pilotando como nunca, Lewis Hamilton se encaminha firmemente para o pentacampeonato.  A confiança é um fator essencial em qualquer esporte e além do talento, Hamilton está transbordando em confiança.

Abraços!

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

5 Comments

  1. Walter disse:

    Excelente texto!

    Se o Hamilton conquistar o título este ano, será um título valorizado pelo fato de não ter conquistado o título com um carro imbatível.

  2. Calhiandro Lisandro Mendes Cavalcante disse:

    Hamilton, é muito melhor que sebastian Vettel, aqueles 4 títulos com a rbr nunca me enganaram, foi campeão por que tinha um carro muito, mas muito melhor que a concorrência. Alonso estava certo, quando comentou:” vamos vê quando ele não tiver um carro tão superior aos outros” dito e feito. Aposto que com esse nível de pilotagem e esse fracasso de bastião, Ham levanta o caneco no mesmo local do ano passado, GP do México, a fatura deverá está liquidada em favor de HAM.

  3. Fernando Marques disse:

    JC Viana,

    sua coluna está simplesmente perfeita.
    A vantagem que Hamilton tem de 40 pts sobre Vettel na tabela do campeonato agregada a sua confiança e excelente pilotagem, permite-lhe a administrar com sobras esta boa vantagem sem muitos sustos até ao fim da temporada. Ainda mais somadas com a confiabilidade que a Mercedes tem no seu carro .
    S. Vettel sabe que tem o melhor carro. Mas sabe (intimamente) que não está no mesmo nível de Hamilton em termos de pilotagem e que a Ferrari como equipe ainda está longe da eficiência que a Mercedes tem … a falta de confiança de Vettel faz sentido … pois nem ele e nem a Ferrari conseguem reagir a estes golpes tão perfeitos soltados pelo Hamilton e a Mercedes ….

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Mauro Santana disse:

    Belíssimo texto, JC!

    Vettel teve melhor sorte que Massa, pois chegou a está situação, com 4 campeonatos no bolso.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  5. Thiago Rocha disse:

    Que maravilha de coluna meu amigo, parabéns! É uma pena que Vettel esteja quase nocauteado em uma luta que parecia, iria até o último round, mas realmente Lewis vem fazendo por merecer a vitória desse histórico Pentacampeonato, mas ainda há esperança! #forzaferrari

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