Os Cooper bicampeões da F1 em 59 e 60 são os primeiros da nossa série que, além de largamente dominantes, foram também revolucionários. Aliás, eles vieram de outro planeta exatamente porque eram revolucionários – e como! Charles Cooper e seu filho John colocaram a carroça para puxar os burros, nas palavras de Enzo Ferrari, ao apostarem pela primeira vez na história da F1em carros com motor traseiro.
Não era um ideia inédita, pelo contrário. O jornalista Doug Nye lembra que o triciclo Mercedes de 1885 tinha motor traseiro… Também nas pistas não se tratava de novidade: os Auto Union dos anos 30 tinham motor traseiro. Mas na F1, criada em 1950, os Cooper eram a primeira experiência séria do gênero. E tudo começou pela sensibilidade de um piloto pouco lembrado na história do automobilismo: Roy Salvadori.
A Cooper era uma oficina mecânica surgida nos arredores de Londres em 1947 e que foi gradualmente se tornando um montador de carros de corrida, agregando motores, câmbios, sistemas de freio etc., adquiridos de terceiros. Seus proprietários eram, na definição de Enzo, garagistas: gente com pouco dinheiro, zero de tradição e raízes, mas que ousavam desafiar velhos gigantes, como a própria Ferrari, Maserati, Mercedes (que nesta altura já havia abandonado as pistas) e mesmo a Vanwall que, apesar de mais jovem, era costela de uma grande empresa inglesa de autopeças. Enzo odiava os garagistas – mas ia ter de engoli-los.
A Cooper começou fabricando carros de pequeno porte para a Fórmula Jr., equipados com motores de meio litro. Obteve enorme sucesso e se animou a ir subindo na escala das competições, até entrar na Fórmula 2. Com carros desta categoria, a Cooper participou de 17 GPs entre 50 e 56, sem conquistar um mísero ponto. Foi aí que Salvadori entrou na história.
Correndo pela equipe de Rob Walker, um dos herdeiros da destilaria que fabricava o whisky Johnny Walker, Salvadori testava um Cooper de F2 quando lhe ocorreu que, com um motor um pouco mais potente, o carro poderia conseguir alguma coisa em um GP. Rob e os Cooper compraram a ideia. Como não conseguiram nenhum motor de 2,5 litros – o recomendado pelo regulamento da época – resolveram encarar a temporada 57 com um motor de 2 litros. A estreia aconteceu em Mônaco.
Acontece que Salvadori já havia acertado correr outra prova naquele dia e coube ao australiano Jack Brabham pilotar o carro. Nos treinos, ele foi mal, tomando seis segundos do pole, Juan Manuel Fangio, mas, na corrida, foi muito bem e corria em 3º na volta final quando teve a bomba de combustível quebrada. O Cooper parou no túnel e ele o empurrou até o final, terminando em 6º. No restante do campeonato, o motor fraco só rendeu à equipe um 5º no GP da Inglaterra.
Em 58, a equipe estava de volta, com o mesmo modelo, o T43, e o motor de 2 litros, fabricado pela Conventry Climax, herdeira de uma empresa fundada em 1903 e que conquistou grande sucesso fabricando bombas para combate a incêndio.
Mas as coisas seriam diferentes agora, graças a duas mudanças de regulamento: o combustível passou a ser gasolina de aviação em lugar do metanol e os GPs seriam dramaticamente encurtados, de uns 500 km para 350 km, em média. Os carros, assim, não precisavam mais acomodar grandes tanques de combustível. A potência bruta podia ser superada pela leveza e agilidade.
Foi o que aconteceu nas duas primeiras corridas do ano, Argentina e Mônaco, vencidas pela Cooper com carros pilotados por Stirling Moss e Maurice Trintignant.
A vitória na Argentina foi especialmente rocambolesca: Rob Walker decidiu participar da prova no último momento e embarcou levando apenas um carro, dois mecânicos e Stirling Moss. Havia apenas dez inscritos e Moss foi apenas 7º nos treinos, seis segundos atrás do pole, Fangio. Dada a largada, foi ganhando posições até assumir a liderança, pouco antes da metade da corrida. A Ferrari, a equipe mais forte presente ao GP, tinha a certeza de que Moss faria uma parada para troca de pneus e a Cooper, de fato, encenou uma preparação. Mas era um truque só percebido tarde demais. E assim um carro com motor traseiro ganhou pela primeira vez um GP.
O Cooper pesava pouco mais do que a metade de um Ferrari mas, nas corridas seguintes, a pouca potência dos Climax não permitiu voos maiores.
Em 59, as coisas seriam bem diferentes. A Cooper construiu o modelo T51, desenhados por Owen Maddock e equipado com um motor Climax de 2,5 litros, de quatro cilindros em linha, que chegou a 155 cavalos. As mãos da equipe não estavam mais amarradas. Um novo carro de outro planeta havia surgido.
Em oito provas, o Cooper venceu cinco: em Mônaco e Inglaterra com Brabham, em Portugal e Monza com Moss e nos Estados Unidos com Bruce McLaren. Brabham foi acumulando pontos ao longo do ano mas quase perdeu o título na última corrida, em Sebring: ele ficou – de novo! – sem gasolina na volta final e só conseguiu terminar em 4º por ter empurrado seu carro por 800 metros.
Em 60, a equipe lançou um novo modelo, o T53, uma versão bastante revisada do modelo campeão e venceu o Mundial de forma ainda mais fácil: são seis vitórias em nove GPs, cinco em seguida com Brabham e uma com McLaren. Em Monza, um carro com motor dianteiro – o Ferrari de Phill Hill – venceu um GP pela última vez.
No final daquele ano, o regulamento de motores mudou e todos os construtores assimilaram as lições dos Cooper, inclusive a Ferrari, e todos os carros passaram a ter motores traseiros. A equipe autora da revolução, porém, nunca mais produziu um modelo vencedor.
Leia também “Carros de outro planeta I“, a parte II e a parte III.
Não posso encerrar esta coluna sem agradecer aos leitores do GPTotal no FaceBook, que transformaram nossa homenagem às vitórias de Ayrton Senna num grande sucesso.
Desde que iniciamos a série, há duas semanas, já tivemos mais de quatro mil “curtir” na nossa página.
Curta lá, você também!
Bom final de semana
Eduardo Correa
3 Comments
Será que Don Enzo tinha ódio ou desdém pelos garagistas?
Texto maravilhoso…
A primeira revolução das muitas que a Formula 1 teve foi a introdução do motor traseiro …
e assim os carros ficaram mais bem bonitos …
Fernando Marques
Niterói RJ