Indivíduo vs Equipe

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Indivíduo vs Equipe – parte II
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Uma análise sobre a importância do chamado jogo de equipe na Fórmula 1. Passado e presente.

Sigmund Freud, em seus estudos sobre a personalidade humana, estabeleceu que esta se conformava de três principais componentes que ele denominou ID, EGO e SUPEREGO.

O ID é o componente mais primitivo e instintivo, e o único dos três com o que nascemos. É o que nos impulsa a satisfazer nossos desejos e necessidades, em busca de gratificaçao imediata, enquanto que o EGO se desenvolve conforme crescemos e é o responsável de lidar com os impulsos do ID em base à realidade e à razão, satisfazendo estes de maneira aceitável e lógica segundo nossas capacidades. Assim, o ID seria o “que queremos” e o EGO o “que podemos“.

Por último, se desenvolve o SUPEREGO, cuja complicada tarefa é dotar-nos de princípios morais e éticos, de normas e comportamentos de boa conduta e, em definitiva, de dar-nos a capacidade de discernir o bem do mal. Este componente da personalidade seria o “que devemos”.

O SUPEREGO, ao contrário dos outros dois componentes, não se desenvolve sem ajuda externa pois precisamos de uma figura que nos sirva de modelo e nos inspire. Outrossim, precisamos de um entorno adequado que nos proporcione um bom exemplo e sirva de guia à nossa conduta. Assim, o SUPEREGO, termina reprimindo os desejos do ID que resultem convencionalmente inaceitáveis e impele o EGO a atuar segundo uns princípios ideais e razoáveis, e nao apenas em base à realidade estrita.

No passado GP da Malásia, a recorrente polêmica sobre as ordens de equipe se apresentou uma vez mais de forma virulenta, personificada em dois protagonistas : Sebastian Vettel e Nico Rosberg. Os motivos de tal protagonismo foram totalmente opostos pois, enquanto Vettel desobedeceu a orden que lhe foi dada de manter a posição, Rosberg cumpriu a recebida nesse mesmo sentido, e toda classe de elogios ou censuras lhes foram dedicadas pelos fãs.

Em ambos os casos, tanto Vettel quanto Rosberg, não me cabe a menor dúvida de que queriam ganhar uma posição. Tampouco havia dúvidas de que podiam fazê-lo. Então, que lhes impeliu a comportamentos totalmente opostos, havendo recebido as mesmas ordens de suas respectivas equipes? Fizeram o que deviam?

Como aficionado, e desde um ponto de vista puramente passional, meu ID quer ver disputas na pista. Quero a satisfação de assistir uma acirrada luta entre dois pilotos com um mesmo objetivo, e de vibrar com manobras ousadas e atrevidas. Porém, meu EGO me diz que isso nem sempre é possível (normalmente por diferença de equipamento) e, inclusive, há ocasiões em que meu SUPEREGO me diz que isso nem deve ocorrer.

Os casos em questão de Vettel e Rosberg, em minha opinião, foram dois claros exemplos de que o dever há de prevalecer sobre o querer e o poder. Como em qualquer sociedade ou empresa, a ordem é fundamental para seu bom funcionamento e consecução de objetivos. Assim para conseguir ordem, as ordens e a disciplina sao necessárias e indispensáveis.

Uma equipe de formula um não é nenhuma exceção e, de fato, a existência de ordens que visavam alcançar os objetivos buscados, nunca foi nada excepcional e muito menos atual. Numa equipe, todos os seus membros devem saber exatamente qual há de ser sua contribuição ao conjunto e o que se espera deles em prol do bem comum.

Robert E. Lee, o lendário general confederado disse: “quando um homem cumpre seu dever, não se lhe pode exigir mais, mas tampouco esperar menos“.

No GP da Itália de 1956, Fangio para nos boxes com seu carro quebrado. Pouco depois, quando Peter Collins entra para reabastecer e, ao ver o argentino lá, rapidamente lhe cede seu carro (então era permitido). Fangio sai novamente à pista e consegue se recuperar até o segundo lugar proclamando-se campeão. Collins, também tinha probabilidades de ser campeão, mas não duvidou em ajudar o companheiro, o que lhe fêz merecedor da mais alta admiração e respeito perante todos.

Respeito também foi a palavra usada por Jackie Stewart para descrever o nobre comportamento de François Cevert durante a temporada de 1973. Segundo Stewart, naquele ano, Cevert já estava ao seu mesmo nível de pilotagem, no entanto o francês se manteve sempre num segundo plano (em três GPs terminou atrás do escocês) e, por respeito à equipe, nunca fez nada que pudesse prejudicar suas opções ao título.

Outro exemplo de respeito foi o de Ronnie Peterson em 1978. Naquele ano, Peterson retornava à Lotus após tê-la abandonado em 1976, devido à falta de um bom carro. Mario Andretti, havia permanecido na equipe durante esses duros anos e Ronnie soube respeitar isso, assumindo dignamente o papel de segundo piloto e, como no caso de Cevert, em três ocasiões terminou atrás de Andretti.

Um amigo de Peterson, pouco depois de sua morte, contou que, em certa ocasião, lhe perguntou porque não lutava pelo título e Ronnie lhe respondeu que não queria ser recordado como alguém que não respeita a palavra dada.

Em nenhum desses casos, ou de outros (eg. Stirling Moss em 1955 ou Gilles Villeneuve em 1979) o acatamento de ordens ou o cumprimento do dever, foi percebido como um ato de debilidade ou algo vergonhoso. Tampouco houve nenhuma crítica contra nenhum de seus protagonistas. Muito ao contrário, esse comportamento magnificou a figura destes grandes pilotos e, até hoje, permanecem na memória e nos corações dos aficionados como um bom exemplo dos dourados anos da formula um.

Todos, haviam cumprido seu dever e, como disse Lee, não se lhes podia exigir mais. As ordens e disciplina de equipe são algo que sempre existiram na Fórmula Um. Em ocasiões em forma de cessão do carro de um piloto a outro (antigamente), ou em forma de cessão de posição (atualmente), tanto faz. A questão é que a equipe e o bem conjunto devem prevalecer sobre o interesse pessoal do piloto. Como disse Eric Boullier, chefe da Lotus, após a desobediência de Vettel na China, “não devemos esquecer que as equipes são as que pagam os pilotos e quando há por trás mais de 600 pessoas te apoiando, estes devem mostrar respeito pela equipe“.

A segunda parte desta coluna irá ao ar na próxima sexta-feira, 26 de abril.

Abraços!

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

3 Comments

  1. Lucas Giavoni disse:

    Manuel, meu caro amigo, ótimo como sempre.

    Você, como eu, tem a preocupação de fazer ligações interdisciplinares, uma vez que entendemos que a Fórmula 1 é uma junção de vários saberes. Buscar explicações dos acontecimentos em Freud foi simplesmente brilhante.

    Aguardo ansiosamente a segunda parte.

    Abração!

  2. Fernando Marques disse:

    Para variar o Manuel Blanco aparece sempre com belos textos … penso eu que uma hieraquia numa equipe no mundo de hoje está ligado a dois pontos fundamentais: competencia e dinheiro. Quem é mais competente, tem maiores cargos e ganha mais.
    Não vejo como isso pode ser diferente na Formula 1. No caso do Vettel nada aconteceu a ele por não repeitar uma ordem da equipe, como bem disse o Webber. mas podem ter certeza de que alguma forma o Webber foi recompensado.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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