Surtees – nas 2 e nas 4

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O senhor Surtees, com seus 77 anos, preserva a mesma feição de quando era jovem e dominava as competições de moto. Muitos, como eu, se lembram dele com o único campeão mundial das duas e das quatro rodas na Fórmula 1.

 

No Festival da Velocidade de Goodwood deste ano, enquanto passava entre um carro clássico e outro, vi um senhor recostado em uma moto, com um macacão preto de couro, desses de motociclistas mesmo, e parei por um momento. Aquele rosto não me era de todo desconhecido. Mas, afinal, como cada rosto lá não era completamente estranho, decidi dar uma olhada nas minhas anotações e, ao confirmar o número da moto com o piloto recostado nela, não havia mais dúvidas – era John Surtees!

 

Bastou uma pessoa chegar mais perto e pedir seu autógrafo para que outros que estavam em dúvida ao redor também se aproximassem. O senhor Surtees, com seus 77 anos, preserva a mesma feição de quando era jovem e dominava as competições de moto. Muitos, como eu, se lembram dele com o único campeão mundial das duas e das quatro rodas na Fórmula 1.

 

Conversando com amigos que muito conhecem da história da F1, chegamos à conclusão de que ele não foi um dos “grandes” da categoria, mas eu acho que, por ser o único campeão nas duas modalidades, é difícil de ser deixada de lado. Surtees conquistou sete títulos mundiais nas motos, levou o campeonato das 350cc de 1958 a 1960 e o campeonato das 500cc em 1956 e 1958 a 1960. Sem contar as vitórias na Ilha de Mann, clássica competição das duas rodas.

 

Surtees me intrigou e comecei uma pequena pesquisa – e não é que achei muita coisa não. Assim como para tantos que buscam na pista sua vida, a velocidade chegou cedo para Surtees. Aos 15 anos, venceu uma prova ao lado do pai em um side-car (aquelas motos com carrinhos acoplados e nas quais os dois, piloto e copiloto, fazem malabarismos para manter o veículo no chão), contudo foi desclassificado quando sua idade foi descoberta – era muito jovem. Do side-car para as motos foi um pulinho e, já aos 16, pilotava como gente grande. Andou de Nortons e MV Agustas.

 

 

Mas, o que eu queria abordar mais mesmo são as quatro rodas – a Fórmula 1.

 

Surtees partiu para lá em 1960, com 26 anos de idade. A estreia aconteceu no GP de Mônaco, com uma Lotus. Logo na segunda corrida, na Inglaterra, ficou em segundo lugar. Na terceira prova, em Portugal, foi pole-position. Em 1961 correu pela Cooper, em 1962 com a Reg Parnell Racing e, em 1963, foi para a Ferrari, equipe pela qual conquistaria o título mundial no ano seguinte, entrando para a história.

 

Seu título até hoje é muito contestado. A temporada estava entre Jim Clark, John Surtees e Graham Hill. A decisão ficou para o GP do México. Hill foi prejudicado após uma colisão com a Ferrari de Lorenzo Bandini, companheiro de Surtees. Clark teve que parar com um vazamento de óleo na última volta e a Ferrari, num jogo de equipe, pediu para Bandini favorecer Surtees, entregando ao inglês sua segunda posição. Foi o suficiente para que Surtees levasse o título com apenas um ponto de vantagem sobre Hill.

 

Em 1965, sofreu um acidente fortíssimo no Canadá, com um Lola T70. O carro voou contra uma barreira, capotou e ficou sobre Surtees, que fraturou a bacia, e teve a perna esquerda e a coluna seriamente prejudicadas, além de romper os rins.

 

Depois de passar por maus bocados, após seis meses, ele estava de volta ao cockpit, treinando para a temporada de 1966. Contudo na véspera das 24 de Le Mans, discutiu com o chefe de equipe da Ferrari, Eugenio Dragoni. Muito se fala sobre as causas da discussão, Surtees afirma que o assunto era a política interna da Ferrari que, segundo ele, era a causa das más performances do time italiano. Segundo Surtees, essa “política interna” custou dois campeonatos mundiais a Scuderia.

 

Dragoni, por sua vez, era fabricante de perfume antes de se tornar diretor de provas da Ferrari, em 1961. Ele arrumou muita briga na Fórmula 1 por privilegiar pilotos italianos e agir como um ditador. A briga entre ele e Surtees já tinha outros capítulos – Dragoni destinava o melhor carro sempre ao italiano Bandini. Em Le Mans, Surtees decidiu acabar com essa história. O argumento de Dragoni era que Surtees não estava recuperado do acidente – o que não correspondia a verdade: os resultados falavam por si. Depois do acidente ele já havia vencido o GP de Siracusa, na Itália, os 1000 Km de Monza e o GP da Bélgica. Oito dias depois da discussão em Le Mans, Surtees anunciou sua saída da Ferrari e, no final do ano, Dragoni foi demitido.

 

Após sair da equipe italiana, Surtees juntou-se a Jochen Rindt na equipe Copper-Maserati para o restante da temporada e acabou em segundo, atrás de Jack Brabham. Ainda correu em 1967 e 1968 pela Honda, e pela BRM em 1969, antes de montar sua própria equipe – a Team Surtees em 1970, que teve Jose Carlos Pace como um de seus pilotos. A equipe teve dificuldades financeiras e de fornecimento de pneus e fechou as portas em 1978, após passar por diversas categorias.

 

 

Perguntei a Surtees, em Goodwood, o que havia sido mais difícil: vencer nas motos ou nos carros, e senti que sua passagem pela Fórmula 1 deixou algumas rusgas.  Disse: “o mais difícil foi na F1, porque eu não tinha conhecimento nenhum da categoria. E nas motos eu já tinha começado desde muito jovem. Já conhecia como uma moto funcionava. A minha primeira moto, fui eu quem montou. Mas, em corridas de carros, a minha primeira foi na Fórmula Junior Cooper, minha segunda e terceira corridas foram na Fórmula 2 e minha quarta corrida já foi na F1. Eu tinha a velocidade, mas não tinha o conhecimento. A grande dificuldade também foi não conhecer ninguém lá de dentro e, na vida, você precisa conhecer as pessoas, as que você pode confiar e as que você tem que tomar cuidado – talvez isso tenha sido o mais difícil.”

 

E o mesmo automobilismo que deu a Surtees tantas alegrias, deu a ele a sua maior perda. Em 2009, seu filho Henry morreu depois de sofrer grave acidente em Brands Hatch, segunda corrida da temporada da Fórmula 2. O acidente envolveu o piloto Jack Clarke, que bateu em um muro e teve a roda do seu carro solta. Ela voou e atingiu a cabeça de Henry, que passava pelo local pilotando seu carro. Henry Surtees tinha ingressado na Fórmula 2 após passagem pela Fórmula Renault.

 

Uma dor que Surtees tenta superar até agora …

 

Tiago Toricelli

 

tiagotoricelli@hotmail.com

 

 

Tiago Toricelli
Tiago Toricelli
Jornalista, autor de "Rally dos Sertões" e "Manual do Alpinista de Primeira Montanha". Já cobriu 12 temporadas de F1 (CBN) e acompanhou de perto as principais categorias da velocidade.

3 Comments

  1. Tabajara Aparecido Jorge disse:

    Sir John Surtees é grande em tudo, até na força que teve que ter nessa perda do seu filho.
    Parabéns John, nós motociclistas, jamais te esqueceremos.

  2. Rafael Friedrich disse:

    Putz Grila. O tempos que nos dominavamos as máquinas. Espero que Matrix nuca se concretize.

  3. Fernando Marques disse:

    Acho que o John Surtees merecia há tempos uma coluna de destaque aqui no GEPETO … a sua historia deixa claro este merecimento … ser campeão mundial nas motos e na Formula 1 só ele conseguiu … não foi o maior de todos … mas foi um vencedor … perguntem ao Schumacher ou ao Valentino Rossi se não gostariam de ter este status …
    Nos anos 70, ainda garoto, acompanhava as corridas lendo mensalmente a 4 Rodas e Auto Esporte e sei as dificuldades que Surtees tinha para manter a sua equipe na Formula 1 …
    e o quanto foi importante para a equipe a pole position conquistada pelo Pace no GP de Alemanha disputada nos 22 km de Nüburgring …
    e é legal saber que ainda vive e ama o automobilismo e motociclismo apesar do trauma da perda do filho …

    Fernando Marques
    Niterói – RJ

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