Não é Automobilismo

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Reflexões sobre a morte de Paul Walker, ator da franquia "Velozes e Furiosos": não é automobilismo.

Assim que confirmada a morte do ator Paul Walker, ocorrida na tarde do sábado, 30 de novembro, refleti rapidamente sobre o episódio e compartilhei, através do Facebook do GPTotal, o seguinte texto assinado:

Neste domingo, espalhou-se a triste notícia do falecimento do Paul Walker, protagonista da franquia “Velozes e Furiosos”. O ator, de 40 anos, era passageiro de um Porsche Carrera GT que bateu contra um poste e imediatamente pegou fogo, negando a ele e ao motorista qualquer chance de sobrevivência. Autoridades se resumiram a dizer que velocidade foi um fator para o acidente ser fatal.

Como entusiasta, pesquisador e historiador do esporte a motor, sempre vi com maus olhos esses filmes. Muito além da reles proliferação do tuning (para mim um festival de mau gosto estético em sua grossa maioria), o grande legado desta série de filmes foi a glamourização e apologia dos famigerados e perigosos rachas de rua e velocidades absurdas em nome da “adrenalina”.

Digo que não sou contra obter-se prazer num carro de rua. Às vezes dirigir em uma tocada mais esportiva, tratá-lo bem, e sentir suas reações e características, é uma atividade extremamente prazerosa. Jamais, porém, pensando em adrenalina – o hormônio aqui é a endorfina, do bem-estar, não o da euforia.

Tudo deve ser feito dentro dos limites das vias, dos limites do próprio carro e da sua própria habilidade de condução. E NUNCA com caráter de competição, pois essa relação deve ser entre o motorista e seu carro, jamais compartilhado com outras pessoas.

Sou defensor indelével de que competição automobilística deve ser feita em ambientes adequados. Lugar de correr é na pista, não é na rua – uma verdade tão óbvia quanto negligenciada pelos adoradores dos rachas. O triste é saber que os inconsequentes ao volante não vão tirar lições dessas tristes e evitáveis mortes. Sem dublês, sem efeitos especiais, sem ensaio e sem chances para erros, o mundo real pode ser muito cruel e chocante.

Paul Walker infelizmente morreu daquilo que propagava em seus filmes.

O texto foi curtido por mais de 500 pessoas, e compartilhado por 400. Não foi unanimidade – claro, jamais almejaria isso. Entretanto, entre os discordantes, houve um festival de hostilidades, tanto em forma de xingamentos gratuitos quanto na forma de “quem é você pra escrever isso, não entende nada de carro” – postura que, além de puramente antipática, não leva a discussões maduras a respeito do tema. Poucos (e bons) foram os que se propuseram a argumentar construtivamente na discussão do tema. Ainda assim, tive disposição para responder a todos, inclusive os selvagens digitais, uma vez que foi minha a iniciativa discorrer sobre o tema.

A maioria dos ataques selvagens veio de pessoas que gostam de tuning, chamando-me de preconceituoso. Ora, não sou preconceituoso, eu tenho é conceito formado. Tuning é um festival de mau-gosto em sua grossa maioria e de uma vulgaridade estética que muitas vezes acaba com os carros – raros são os exemplos contrários. Às vezes ainda pior, o tuning deixa carros ilegais e menos seguros. Quantas vezes não vemos nas ruas automóveis com rodas pateticamente grandes que mal cabem nas caixas e/ou tão rebaixados que nem conseguem passar por lombadas e valetas do asfalto lunar das ruas brasileiras? Falando com franqueza: carro rebaixado é coisa de boçal.

Uma das argumentações mais consistentes dentre as pessoas que se manifestaram foi a de que, se eu pensasse dessa maneira sobre a imitação do mundo de Velozes & Furiosos, não poderia haver filmes, e que cinema é para fugirmos um pouco da realidade. Esta, porém, é apenas uma visão parcial de uma conjuntura bem mais complexa.

Sabemos, por exemplo, que é uma tremenda falácia afirmar que games violentos estimulam violência. Está mais que provado, por sérias e extensas pesquisas científicas, que isso está longe da verdade. Mas não podemos negar que cinema, além de seu caráter deentretenimento (às vezes de pura fuga da realidade), também é negócio (franquias que dão certo financeiramente são exploradas à exaustão; V&F se encaminha para o 7º filme) e também é ideologia, pois dentro de sua estética e de sua narrativa, sempre traz uma mensagem, um grupo de ideias.

A da franquia V&F é bem clara: explorar o mundo dos carros customizados, das corridas de rua clandestinas – os rachas – e do carro como instrumento de adrenalina através da velocidade.

Cria-se um cenário particular, em que a ligação entre ficção e realidade torna-se muito mais fácil de ser misturada. Como o automóvel é um bem de consumo tão arraigado e incorporado à sociedade (à disposição de praticamente todos), a tentação de assistir aqueles filmes e acelerar carros nas ruas torna-se muito maior que em outras situações, como em games e filmes violentos. Não há metralhadoras e automáticas a cada esquina. Mas há carros e ruas por todos os lados.

A tentação da emulação é tanta que o piloto amador Roger Rodas, e Paul Walker, seu passageiro, estavam a bordo de um superesportivo digno de filme, e em alta velocidade, certamente muito maior que o limite da via onde ocorreu o acidente, tal como aparece nas cenas do cinema. Só que, como eu escrevi, o mundo real é cruel e não admite erros. O fato do Porsche Carrera GT ter explodido e ter ficado irreconhecível mais por conta do impacto do que pelo incêndio em si nos revelam a violência do choque.

Transferida para a realidade brasileira, as coisas ficam ainda mais preocupantes. Por aqui além das ruas e estradas em péssimo estado, ainda temos carros que estão anos-luz da segurança dos carros vendidos em Estados Unidos e Europa. Ao comprarmos um carro, não temos a cultura de chegar junto ao vendedor e perguntar se tem airbag, abs, controle de estabilidade, ou quantas estrelas tal carro levou num crash-test. Mesmo num trânsito ordeiro já estamos sujeitos a sofrer acidentes graves, e esses carros, se não podemos afirmar que eles nos matam, podemos dizer que em caso de colisão, eles não nos salvam.

Os números são alarmantes. Não é exagero. A maioria dos carros vendidos no Brasil não suporta batidas a 60 km/h. Isso mesmo: são reprovados em colisões de velocidades compatíveis com a maioria das avenidas. Estou falando de SESSENTA quilômetros por hora, não de velocidades de estrada, ou de velocidades de pessoas tirando racha.

Fiz um pequeno cruzamento de informações para mostrar a gravidade dos fatos. Dos dez carros mais vendidos no Brasil em 2013, de acordo com o ranking da Fenabrave, apenas DOIS levam em crash-test quatro de cinco estrelas, número considerado satisfatório e que aprova um carro como sendo “seguro”. A metodologia é da Latin NCap, órgão ligado à FIA responsável pelos testes de segurança dos carros vendidos na América Latina, e que seguem os padrões europeus de crash-test.

Vale, e muito, a visita ao site www.latinncap.com, para assistir cada crash test e ler os breves e assustadores relatórios das colisões.

Evidentemente, a grande maioria das pessoas tem bom senso a ponto de saber que tudo o que mostram nos filmes é errado. E que sabem que por mais doloroso que isso seja, admitem que Rodas e Walker (um cara “do bem”, com espírito filantrópico), também estavam, sim, errados, misturando ficção de realidade, tirando adrenalina com aquele Porsche. Esse carro, por sinal, pertencia a Graham Rahal, piloto de Indy e filho do tricampeão Bobby Rahal. Ele vendeu o carro por considerá-lo “difícil de guiar”.

A frase que eu não escrevi naquele texto, eu escrevo agora: Velozes & Furiosos NÃO É AUTOMOBILISMO. Reitero que infelizmente o público que mais precisaria ler este texto, que é o dos inconsequentes ao volante, não vai tirar lição alguma dessas tristes e evitáveis mortes.

Despeço-me de 2013, muito positivo para o GPTotal, com a palavra do momento: CONSCIENTIZAÇÃO. Vamos aproveitar o que há de melhor em dirigir, sentir bem-estar ao volante, mas com respeito aos limites e ao próximo.

Que 2014 seja um ótimo ano para todos. Aquele abraço!

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

8 Comments

  1. Ronaldo disse:

    Lucas, não gostei do texto. Acho que o tom ficou parecido com o daqueles que, por exemplo, usam as brigas de rua para criticar o MMA, entre outros comportamentos indissociáveis que regularmente são relacionados só para favorecer uma argumentação. Antes de qualificar os que te criticaram no FB veja que no seu texto as palavras boçal, selvagem e vulgar aparecem e doa a quem doer.
    Sobre o “conceito formado”, Nietzsche falou que a convicção é maior inimiga da verdade do que a mentira. O que o tuning é ou deixa de ser não te dá o direito de desqualificar seus adeptos. Quando você utiliza as palavras que quer para ilustrar o cenário que quer, me dá a abertura que preciso para te atacar, com um maniqueísmo besta, e passando a impressão de que está “jogando para a torcida”. É o tipo de parcialidade e falta de isenção que não costumo ver por aqui.

  2. Mário Salustiano disse:

    Lucas

    excelente reflexão sobre episódios onde o aspecto automobilístico é desvirtuado, no Brasil por ano morrem cerca de 40mil pessoas vítimas de acidentes de transito, as pericias indicam que em sua maioria esses acidentes são causados por imprudência dos condutores,vi muitas pessoas se manifestarem pela morte do ator nas redes sociais, que o episódio ao menos sirva de lição para os muitos boçais que dirigem como verdadeiros irresponsáveis em nosso dia a dia.
    Até porque voce explana muito bem o ponto em que nossos carros são também muito fora dos padrões internacionais de segurança,mas lembro que existem os dois fatores que compõem a direção segura, o ativo e o passivo, o primeiro fica a cargo do condutor ao adotar padrões de segurança em sua condução e o segundo dizem respeito aos aspectos dos carros, das vias e das condições de trafego, mas os especialistas afirmam que um carro inseguro dirigido por um motorista consciente , tem probabilidade menor de sofrer que um carro seguro nas mãos de um irresponsável, evidente que defendo a melhora dos nossos carros, mas antes precisamos acabar com tanta irresponsabilidade dos motoristas, parabens pela coragem de expor seu ponto de vista sobre esse tema

    abraços

    Mário

  3. Rangel disse:

    Sobre rachas e corridas de rua, costumo dizer o seguinte: para começar, se guiar rápido fosse fácil e sem riscos, os salários de Vettel, Alonso, Hamilton e Cia. seriam infinitamente menores do que são. Além disso, se eles, tem habilidades e reflexos muito superiores aos de uma pessoa “normal”, só aceitam correr com condições adequadas de segurança, porque os “amadores” deveriam aceitar o risco de correr nas ruas?

  4. Mauro Santana disse:

    Belo texto Lucas!

    Realmente, um carro veloz nas mãos de uma pessoa amadora, se torna uma arma mortífera de grande calibre.

    E aqui no Brasil, quantas mortes já foram relatadas por inconsequentes ao volante de Porsches, Camaros e tantos outros super esportivos para o mundo brasileiro.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Mário Salustiano disse:

      Mauro

      aproveitando teu comentário e do Rangel mais acima, muito bem colocados por sinal, lembro que a tempos atrás, não me lembro com precisão as datas, houve um diretor do Detran de São Paulo que tentou levar os amadores de rachas e corridas de rua para dentro do autódromo de Interlagos, na época ele afirmou que não haveria punição aos que por lá aparecessem, pois bem a iniciativa não vingou por duas razões, os poucos que foram demonstraram na pista serem muito ruins de braço e muita gente ficou levantando o boato que haveria prisões caso os praticantes de racha aparecessem na pista, uma pena que mesmo tendo as condições necessárias para descarregar a adrenalina as pessoas preferem arriscar a sua e a vida alheia

      abraços

      Mário

  5. Manuel disse:

    Excelênte querido Lucas 🙂

  6. Lucas disse:

    Matou a pau mais uma vez, xará. Mas infelizmente, os comentários raivosos não me surpreendem nem um pouco – é a internet mais uma vez mostrando o que o ser humano tem de pior…

    • Lucas Giavoni disse:

      Obrigado pelas palavras, meu caro xará português!

      Digo que os que me trataram barbaramente são aqueles que não estão acostumados com o clima respeitoso e construtivo do GPTotal. Há duas opções bem claras: ou a pessoa se manca e percebe que é necessária uma ambientação, ou passa certificado de selvagem e cai fora.

      Abração!

      Lucas Giavoni

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