Engenheiro da vitória

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A história de John Cooper, um homem que foi, na melhor definição, um "engenheiro da vitória".

Convido a uma volta no tempo, começando por janeiro de 1943, em Casablanca, onde líderes aliados estavam reunidos tentando encontrar uma solução para por fim a II Guerra Mundial – que já se estendia  desde 39. A situação era bastante complexa, pois vários eram os teatros de operações a serem considerados, e por essa razão diversos problemas operacionais precisavam de soluções. Nessa conferência o pensamento inicial derivou para um plano estratégico que abordava todas as possibilidades e situações a serem trabalhadas e solucionadas, e seriam necessários abrir cinco frentes de trabalho. Passado pouco mais de um ano da conferência, o mundo via os maiores desafios serem transpostos e o êxito dos aliados estava muito próximo de acontecer.

Nos anos seguintes, poucos historiadores voltaram seu foco para extrair maiores detalhes desse período e de como ocorreu a mobilização de pessoas em busca das soluções para os desafios impostos nas metas do plano. Lendo a pouco tempo o livro “Engenheiros da Vitória” de Paul Kennedy , onde ele mergulha nesse tema e nos mostra como as pessoas foram mobilizadas para trazer soluções a situações complexas, me chamou a atenção que alguns pontos ocorridos no mundo após a guerra, incluindo o automobilismo ,ocorreram  por influência indireta dos acontecimentos desse período.

A começar pela definição e concepção da palavra “Engenheiro”, que não se limita apenas a aqueles com diploma nessa profissão, segundo uma definição mais ampla do dicionário Webster:” Engenheiro é uma pessoa que executa uma determinada tarefa por meio ou utilizando um dispositivo engenhoso ou criativo”.

Após o término da guerra e com a retomada das atividades, a Europa foi inundada por veteranos, e no caso particular da Inglaterra foram muitos os “engenheiros” que voltaram ao país e precisavam rapidamente de uma ocupação e emprego. Dentre essas pessoas vamos lembrar a trajetória de John Cooper.

John Cooper nasceu em 1923, em Surbiton na Inglaterra, e junto a seu pai, Charles Cooper, fundou a Cooper Car Company. Ele se tornou uma lenda não só pela adoção de um design de chassis mais esbelto e pela volta do motor na traseira dos carros, mas por trabalhar com soluções que funcionaram e consequentemente mudaram a concepção e desenvolvimento  do esporte em seus níveis mais altos, tanto na Fórmula 1 quanto nas 500 milhas de Indianápolis de automobilismo.

httpv://youtu.be/6u6OZNQMOgc

Charles possuía uma pequena garagem em Surbiton  especializada na manutenção de carros de corrida, nesse ambiente John resolveu  deixar a escola aos 15 anos para se tornar um ferramenteiro aprendiz e logo ficou evidente o seu talento para criar engenhocas e criar dentro do pequeno orçamento dos Coopers soluções criativas.

Com a chegada da guerra, John foi  servir na força aérea real como fabricante de instrumentos para aviões, feito esse que o aproximou dos diversos engenheiros que aportavam na RAF naqueles anos. Com o espírito curioso ele logo estava aprendendo e sempre buscando entender como os mecanismos podiam ser otimizados dentro de recursos limitados.

Após a guerra, ele e seu pai começaram a construir carros de monopostos simples e baratos para pilotos ávidos no pós-guerra a voltar a competir, onde os seus recursos escassos muitas vezes os afastavam das marcas mais tradicionais. Os carros da Cooper foram extremamente bem sucedidos, principalmente na nova categoria criada pela FIA, a Fórmula 3,que eram monopostos de 500 cilindradas , e em 1950 seus carros conquistaram 13 vitórias nas 16 provas disputadas.

Em paralelo, um jovem engenheiro chamado Owen Maddock, estudava engenharia na Kingston Technical College enquanto  servia ao exército durante os últimos anos da guerra, e logo Após o término da guerra se tornou um membro associado da instituição de engenheiros mecânicos.

Em abril de 48, Maddock foi para a recém-fundada Cooper Car Company, buscando ganhar experiência. Ele começou como um instalador e montador, e logo caiu nas graças de John, que se referia a ele como “parceiro e comprometido, com o dom para o desenho quando queríamos algo no projeto desenhado”.

A primeira produção de carros de corrida Cooper, movidos por motores de motocicleta, foi desenhada e projetada nas paredes da fábrica, e isso se tornou uma rotina dentro da Cooper Cars. “Quando pintavamos as paredes as seções dos projetos desapareciam, então tivemos que desenha-los novamente!”. Isso até explica o porquê dos poucos registros dos projetos da Cooper nos dias atuais. Eu diria que enquanto numa Lotus o clima foi bem detalhista nesse quesito, na Cooper tivemos um ambiente altamente intuitivo, e isso na verdade era a concretização da personalidade de John, pois enquanto ele era um poço em ebulição de idéias com soluções de baixo custo, Maddock conseguia concretizar do ponto de vista técnico essas idéias.

Com o pragmatismo típico dos ingleses, Cooper sempre minimizou a questão de terem optado pelo motor na traseira do carro; ele afirmava que foi por uma questão de conveniência e não por deliberadamente achar que estaria criando uma revolução. O que de fato é verdade, pois os Fórmula 3 que eles produziam usavam motores de motocicletas e a solução mais simples para a transmissão era a corrente e o motor precisava ficar na traseira para o carro ter um projeto simples e barato.  Essa versão da história faz sentido quando lembramos que os primeiros Fórmula 2 e Fórmula 1 produzidos pela Cooper tinham motores dianteiros.

Em 1950, para o GP de Mônaco, o piloto Harry Schell compra um chassi Cooper e com um motor de 1.100 cilindradas se inscreve para disputar o GP, marco da primeira incursão de um carro com motor traseiro desde o término da segunda guerra. Evidente que ante a carros bem mais potentes sua participação foi discreta nos treinos, mas alguns espectadores mais atentos perceberam a maior agilidade daquele carrinho em curvas, nos treinos ele se classificou para largar em 20° lugar, porém, na corrida, infelizmente se envolveu no acidente múltiplo na primeira volta e abandonou a prova.

httpv://youtu.be/5tXf4UMqqLw

Essa participação em Mônaco não passou despercebida para John e em 1952 a equipe estreou no GP da Suíça com dois carros modelos  T20 projetados por Maddock, equipados com motores Bristol de 150 HPs na dianteira. No GP seguinte, na Bélgica, a equipe levou Mike Hawthorn para pilotar, o que seria o GP de estreia do inglês. Essa primeira tentativa de John na Fórmula 1 tinha muito a ver com o regulamento da época, que privilegiava motores menores e a inclusão de Fórmulas 2 no grid, propiciando um baixo custo na construção dos carros.

Para 1953, Maddock projetou o modelo T24 equipados com motores ALTA de 1.970 cilindradas e 160 HPs, mas os resultados não foram os esperados e com a mudança do regulamento no final do ano aumentando a cilindrada dos motores a equipe Cooper resolveu se retirar do campeonato de Fórmula 1.

Em 1955, Maddock projetou  o T39 para corridas de Carros Esportes e adotou o motor traseiro como solução; era um carro pequeno, mais leve e equilibrado, com baixo consumo de pneus que dava uma vantagem nas corridas onde as trocas e reabastecimentos eram demoradas, além disso seguindo tradição da Cooper era um carro barato. Segundo declarações de John Cooper foi a partir desse carro que eles começaram a pensar mais seriamente na adoção do motor traseiro como uma solução viável para voltar a Fórmula 1, então eles partiram para a construção de um modelo de Fórmula 2 utilizando as técnicas desenvolvidas no T39.

Em 1957, a Cooper volta a disputar o campeonato de Fórmula 1, agora com ambições e modelos bem diferentes . Nesse ano eles sentiram o sabor do que é tentar mudar um modelo em vigor e foram alvo de muitas chacotas no paddock quando o pessoal tirava sarro da adoção do motor na traseira; Enzo Ferrari foi um dos que comentou abertamente: “ onde já se viu, querer colocar os cavalos para empurrar e não para puxar os carros”. Esse não foi um ano fácil para a Cooper, os carros não conseguiram marcar um único ponto no mundial de 57.

Até que veio 58 e a história começou a mudar. Vamos até a Argentina – onde seria disputado o GP de Fórmula 1 em 19 de janeir – e a equipe particular de Rob Walker, que contava com o piloto Striling Moss, havia encomendado um Vanwall para participar dessa corrida mas o carro não ficou pronto a tempo, então eles resolveram inscrever um Cooper T45 que tinha um motor de 2,2 litros clímax. Quando finalmente o carro chegou a Buenos Aires, os promotores da corrida a principio se recusaram  a aceitar a inscrição alegando que  o carro era ridículo e não uma máquina adequada ao Grand Prix, mas essa questão foi contornada e o carro inscrito na corrida. Durante os treinos, Moss foi um segundo mais lento do que a Maserati de Fangio, porém percebeu que o desgaste do pneu era mínimo, em comparação com os carros grandes das demais equipes. Sem contar a ninguém, ele e Rob Walker planejaram uma corrida sem troca de pneus e assim a Cooper alcançou sua primeira vitória na categoria.

No ano seguinte, com Jack Brabham ao volante, a Cooper conquistou os mundiais de piloto e construtores da Fórmula 1 em Sebring no GP dos Estados Unidos. A equipe também contava com Bruce Mclaren como piloto, e juntos, Cooper, Brabham e Mclaren se tornaram nomes importantes no cenário da Fórmula naqueles anos 50/60.

httpv://youtu.be/5FXgBbxsE6Q

John Cooper era um protagonista dessa quebra de paradigma e ajudou a iniciar um importante capitulo da história do automobilismo. Podemos avaliar que a partir dessas conquistas houve o inicio do domínio da Grã-Bretanha na tecnologia do automobilismo esportivo, que continua até hoje.

John Cooper  foi, na concepção da palavra, um Engenheiro da Vitória

Abraços

Mário Salustiano

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

6 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Belo texto Mario!!!

    Realmente estes senhores fizeram história no automobilismo.

    Abraço!!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  2. Carlos Chiesa disse:

    Muito legal, Mario.

  3. Fernando Marques disse:

    Beleza Mario!!!!!
    Show de bola!!!

    Interessante como os sobrenomes Cooper, M]claren e Brabham foram fortes juntos.

    E o livro chega ou não chega?

    Fernando marques
    Niterói RJ

  4. Manuel disse:

    Caro Mário, esta coluna é uma bela obra de engenharia !

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