Ciao, Luca

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Tudo levado em conta, não é exagerada a frase de Bernie Ecclestone, para quem a saída de Luca di Montezemolo da Ferrari equivale à morte de Enzo Ferrari

O vice-reinado de Luca Cordero di Montezemolo na Ferrari chega ao fim em 13 de outubro. Foram 23 anos, período em que ele viabilizou a mais longa hegemonia jamais vista na Fórmula 1 – 1999-2004, seis Mundiais de Construtores, mais cinco Mundiais de Pilotos, com Michael Schumacher –, ao qual se juntaram dois Mundiais de Construtores (07 e 08) e o título de Kimi Räikkönnen em 07.

Em paralelo, Luca deu uma nova dimensão à Ferrari. Sua marca nunca foi tão prestigiada, seus carros nunca foram tão vendidos e cobiçados, receitas e lucros nunca foram maiores.

Mas foi também nos anos Luca que a Ferrari meteu-se num longo túnel. Depois do GP do Brasil de 2008, onde Felipe Massa perdeu o Mundial por muito pouco, a equipe italiana atrapalhou-se. Provavelmente padecendo da impossibilidade de testar seus carros na pista, a Ferrari amargou resultados menos dignos: em cinco temporadas completas, um vice-campeonato, três 3os lugares, um 4º, apenas doze vitórias, menos do que as obtidas na temporada 04, com Schumacher e Rubinho. Neste ano, um novo 3º no Mundial de Construtores é tudo com o que a equipe pode sonhar.

Ao fim, foi a falta de resultados o que se alegou para destronar Luca. Em verdade, o jogo é bem mais complexo, envolvendo uma disputa antiga de poder com o presidente da Fiat, Sergio Marchione, e a abertura do capital do grupo Fiat-Chrysler na Bolsa de Nova York. A Fiat é a maior acionista da Ferrari e tem na marca uma das suas joias, tanto em prestígio quanto em receitas e lucros.

Próximo de completar 70 anos, Luca pode simplesmente se aposentar e pensar na vida. Ele, naturalmente, ainda não se pronunciou sobre o seu futuro.

Para nós, que amamos a Fórmula 1 de raiz, não é difícil eleger Luca como herói. Foi ele, afinal, quem reabilitou a equipe nos anos 70, trazendo-a para a idade contemporânea e dando a ela as bases para os anos de sucesso com Niki Lauda, Jody Scheckter e Gilles Villeneuve. Sua sintonia com Enzo Ferrari o credenciaram a projetar para o Século XXI, ao menos na aparência, a tradição de competição dos carros vermelhos.

Foi Luca, também, quem tantas vezes ergueu a voz para contrariar Bernie Ecclestone, chegando a encabeçar o movimento de rompimento com ele e suas práticas, alguns anos atrás.

Mas como não há heróis absolutos em nosso tempo (assim como vilões), é bom lembrar que, como todo político contemporâneo, Luca foi o que foi por ter habilidades de um artista de circo: ilusionista, equilibrista, prestidigitador, domador, eventualmente palhaço, ainda que valha observar que ele poucas vezes desempenhou este papel, tão caro ao conterrâneo Silvio Berlusconi.

Da mesma maneira com que rosnava publicamente contra Bernie, nas reuniões fechadas Luca tendia a se acertar com ele em troca, principalmente, de mais dinheiro para a Ferrari, sob a justificativa de tradição etc. e tal. Foi um arreglo dessa natureza que pôs fim de forma vil à rebelião das equipes de fábrica contra Bernie. É verdade que era uma iniciativa difícil de ser viabilizada, dado o controle de Bernie sobre os autódromos, emissoras de TV e a própria marca Fórmula 1 mas, que diabo, Luca entregou tudo por trinta dinheiros, sem maiores considerações pelos companheiros de aventura Mercedes, BMW e Toyota, as duas últimas optando por deixar a categoria depois da punhalada.

Também houve muito dinheiro por traz do sucesso nas pistas da Ferrari no vice-reinado de Luca, vindo de próprio Bernie, da Philip Morris, da Shell, do Banco Santander, da Bridgestone. Schumacher foi um piloto excepcional, não se discute, mas ele pode apurar a própria competência em incontáveis quilômetros de testes financiados pelos patrocinadores da Ferrari. Conquistar dinheiro para a própria equipe não é crime, tampouco atitude antiética mas é bom pesar este fator na balança. É bom lembrar também a influência nem sempre esportiva da Ferrari em decisões da Fia e outras instâncias do esporte.

Em suma, Luca não era nem é nenhum anjo. Jogou o jogo, pegou pesado quando pode, valorizou o dinheiro, a vaidade, o poder, como todos fazemos hoje, nestes tempos de marquetagem despudorada, onde pisar no pescoço da própria mãe não é reprovável desde que se vença ao final.

É de justiça reconhecer, porém, que Luca entregou resultados excepcionais e desempenhou os seus muitos papéis com um padrão de compostura bem acima da média, o mesmo valendo para os acertos das suas iniciativas. Tudo levado em conta, não é exagerada a frase de Bernie, para quem a saída de Luca da Ferrari equivale à morte de Enzo Ferrari.

É triste que ela ocorra justamente quando Flavio Briatore volta a circular pelo paddock da Fórmula 1. Será simples coincidência?

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

4 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    É o fim de uma era, e tenho certeza que tanto a Ferrari como a F1 sairão perdendo, mas, como tudo na vida, a renovação sempre estará presente, e neste momento a F1 se renova, e nós nos renovamos junto com ela.

    Obrigado Luca di Montezemolo, por tudo que você fez pela Ferrari e pela F1, por ser um dos últimos da era romântica neste automobilismo cada vez mais infiltrado por gananciosos que não estão muito “aí” para a F1.

    Certamente você fará falta para cuidar um pouco desta F1 que todos nós amamos, e que pode cair nas mãos de crápulas como o CANALHA do flavio briatore.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Fernando Marques disse:

      Se o canalha do Briattore voltar a Formula 1, não duvido que o Ricardo Teixeira volte para a CBF …

      Fernando Marques

  2. Bruno Wenson disse:

    Briatore nos paddocks?… Mas ele não foi BANIDO da F1, e com isso incluindo circular nos meios?

    Não entendi.

  3. Fernando Marques disse:

    Luca di Montezemolo a meu ver realmente encarnou o espirito o Enzo Ferrari. A Italia respira Ferrari e neste aspecto ele manteve a tradição. A questão é saber nestes novos rumos administrativos e com chefia não italiana se a Ferrari, pelo menos nas pistas, vai continuar sendo a Ferrari de sempre.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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