Caprichos do destino

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Uma história sobre a trajetória de Larry Perkins - e Alan Jones.

Em plena efervescência do movimento Hippy e no apogeu da musica Pop/Rock, teve lugar a celebração do multitudinário festival musical de Woodstock, acontecido em agosto de 1969.  Nas semanas prévias ao evento, Bill Graham, manager de alguns grupos, após conseguir a inclusão da banda “Grateful Dead” no elenco de artistas que atuariam no festival, tentava incluir algum outro. Dentre os participantes, já estavam confirmadas algumas das mais importantes figuras da época como Janis Joplin,  “The Who” ou Jimmy Hendrix.

Concretamente, Graham tinha grande interesse em promover um grupo de San Francisco chamado “It Is a Beautiful Day“. O grupo tinha já algum sucesso na Califórnia e Graham estava convencido de que sua participação no festival seria o empurrão definitivo que precisavam, pois o estrelato parecia estar ao alcance da mão.  Michael Lang, o organizador do festival, perante a insistência de Graham, lhe pede que se apresente em seu escritório com alguns cassettes para poder escolher outro grupo.

Graham, cujo interesse máximo estava posto em “It Is a Beautiful Day“, também leva o cassette de outro grupo completamente desconhecido sobre o qual ele estava convencido de que não chegaria muito longe no mundo da música, estando seguro de que Lang o descartaria. Lang, como esperava Graham, logo gosta de “It Is a Beautiful Day” mas, surpreendentemente, Lang também gosta deste outro grupo e, sem saber com qual deles ficar, deixa a decisão por conta de uma moeda. A moeda é lançada, e… quis o destino que o escolhido nao fosse o que queria Graham.

Por aquele capricho do destino, o festival acabaria sendo o trampolim que lançou à fama mundial aquele desconhecido grupo que, em pouco tempo, se converteria num dos mais importantes da história do Rock, enquanto que “It Is a Beautiful Day” apenas continuaria conseguindo algum sucesso a nível nacional até sua desaparição em 1974.

httpv://youtu.be/ili5LdQFrQA

No principio dos anos 70, vários seriam os pilotos australianos que se aventuraram em busca do sonho de conseguir um lugar na Fórmula 1, e foram à Inglaterra para participar em seus vários campeonatos de promoção e acesso à máxima categoria (Nosso amigo Salustiano, recentemente, nos deleitou com a história de Dave Walker e sua passagem pela Lotus). Dois desses pilotos foram Larry Perkins e Alan Jones, em cujas trajetórias, como na história acima, quis o destino ter seu protagonismo.

Alan Jones, em 1970, chega na Inglaterra com 23 anos sem nada destacável em seu currículo e começa a financiar sua própria carreira com os escassos recursos dos que dispunha, até que em 1973, finalmente, consegue patrocinador e um bom carro. Seu pai, sabendo das dificuldades do filho, vai ao seu lado para prestar-lhe apoio moral e Alan, finalmente, consegue sua primeira vitória no campeonato britânico de F3 em Silverstone. Justo antes da corrida ocorre a prematura e inesperada morte de seu pai, a causa de um ataque de coração. O féretro é enviado à Austrália com a coroa de loureiro que havia conseguido Alan com aquela vitória. Jones conseguiria outras duas vitórias terminando como vice-campeão.

Nesse mesmo ano de 1973 e também com 23 anos de idade, Larry Perkins chegava na Inglaterra, após um fulgurante passo pelas categorias inferiores australianas. Perkins se iniciou no automobilismo em 1969 na formula Super Vê, conseguindo o titulo já em 1970, sua primeira temporada completa. Em 1971, ascende à formula Ford 1600 e também se consagra campeão. Coisa que repetiria em 1972, já na formula 2 australiana. Em seu primeiro ano na Inglaterra, participa em varias corridas de Fórmula 3 e Chris Amon o chama para correr com ele na temporada de 1974 em sua própria escuderia de F1, a Amon Racing. Contudo, os escassos recursos da equipe não lhe permitiriam participar até o GP da Alemanha, em Nürburgring, o mais desafiador dos circuitos. Perkins, apesar de melhorar o tempo do próprio Amon nos treinamentos, não consegue se classificar.

Enquanto Perkins, então com vários títulos, já havia alcançado a formula 1, Jones ainda corria na formula Atlantic britânica. Com isto, Perkins, então, chegou a dizer: “Estou muito feliz com o jeito em que as coisas estão indo, especialmente se comparado com alguns outros australianos que andam por aqui. Vejam, por exemplo, Alan Jones quem, depois de 5 anos, continua lá na Fórmula 3 e, ainda que este ano esta  fazendo tudo direitinho… não creio que chegue muito longe

Aquela aparição em Nürburgring sería a última da Amon Racing que, falta de recursos, terminaria por desparecer. Em 1975, Perkins disputa o campeonato europeu de Fórmula 3 e resulta campeão. Este seria já o 4º titulo em sua carreira. Nesse mesmo ano, Harry Stiller, o patrão de Jones na formula 3, decide se aventurar na formula 1 e aluga um Hesketh 308 para Jones. A Harry Stiller Racing estrearia no GP da Espanha em Montjuic, circuito muito complicado para um novato e Jones bate nos guard-rails logo na volta 3. Aquele GP passaria à historia por ser um dos mais trágicos da formula um devido ao terrível acidente de Rolf Stommelen, porem o destino seguia seu curso.

Jones, participaria ainda em outros 3 GPs com o Hesketh mas só conseguiria terminar em Anderstorp… a duas voltas do líder. Assim, Stiller se cansa de gastar dinheiro e se retira. Então, Graham Hill, chama a Jones para que ocupe o lugar do convalescente Stommelen, e o australiano consegue um meritório 5º lugar em Nurburgring, o melhor resultado da equipe em toda a temporada. Contudo, o retorno de Stommelen, deixa a Jones sem volante na formula 1. Nessa mesma temporada, Jones também participava do campeonato britânico de formula 5000, onde venceria em duas ocasiões: em Brands Hatch e em Silverstone.

Para 1976 Jones acaba conseguindo um lugar na depauperada Surtees e Teddy Yip lhe oferece outro na sua equipe de formula 5000 nos EE.UU. Por sua vez, Perkins, retorna à  formula 1 no GP da Espanha com a equipe BORO, pela qual participaria em 6 GPs, embora com pobres resultados devido à falta de meios da modesta escuderia, enquanto que Jones, na Surtees, também sofria a já evidente decadência da equipe e, como Perkins,  sempre acabava os GPs com alguma volta perdida (exceto, logicamente, em Nürburgring). Nos Estados Unidos, Jones termina em 4º lugar no campeonato da F5000, com duas vitórias.

Para as três ultimas corridas da temporada, Perkins recebe um convite de Ecclestone para ocupar o lugar de Reutemann (o argentino havia ido à Ferrari). No Canadá, termina em 17º lugar, justo atrás de Jones. Nos EUA Jones consegue ser 8º, ainda que com uma volta perdida, e Perkins, assim como Pace, abandonam. Então, viria a última corrida da temporada:  Mount Fuji no Japão.

Devido às adversas condições climáticas, Perkins decide não participar. Jones, por sua vez, terminaria em 4º lugar, o melhor resultado da Surtees em toda a temporada. Ainda assim, Surtees lhe despede e Teddy Yip, que entraria na formula 1 na temporada seguinte, prefere contratar o jovem francês Patrick Tambay. Portanto, desanimado e descartado da formula um, Alan Jones volta para os EUA para disputar o renascido campeonato Can-Am.

Perkins também seria despedido da Brabham, mas encontra volante na BRM para 1977. Porém, para então, a equipe inglesa já havia deixado para trás seus dias de glória e, apesar de que um novo modelo – o P207 – estava sendo construindo, seu final não estava longe. A equipe não se apresenta na Argentina, o primeiro GP da temporada, porque, quando já se dispunham a carregar o carro no avião que devia transportá-lo, o caixote não cabia pelas portas do aparelho. Ninguém havia comprovado se o tal caixote entraria no avião!

Para o GP do Brasil, a BRM, finalmente, comparece com seu P207, mas Perkins, que partia desde a última posição do grid, deve abandonar logo na primeira volta a causa do superaquecimento do motor. O carro havia sido testado apenas alguns dias durante o frio inverno britânico, mas ninguém pensou no tórrido verão brasileiro!

O próximo GP seria o da África do sul, onde Perkins larga desde a última fila do grid e termina em última posição a 5 voltas do vencedor. Com a paciência esgotada, Perkins se queixa dos despropósitos que vinha sofrendo, mas suas criticas lhe custariam ser despedido da equipe o que, virtualmente, truncava sua promissora carreira. Curiosamente, para Jones, apesar de se encontrar a milhares de quilômetros de distância dali, aquele GP resultaria crucial para o seu futuro, pois o destino lhe concederia uma nova oportunidade.

Durante a corrida, o piloto da equipe Shadow Tom Pryce perderia a vida num horrível acidente. O próximo GP seria o USA West em Long Beach e, precisando de outro piloto que ocupasse o lugar de Price, alguém lembra de Jones, pois este reunia todos os requisitos : já estava nos EUA, onde  buscava equipe para a Can-Am; já tinha muita experiência na Fórmula 1 e, o melhor de tudo, havendo sido descartado por todos, seria barato de contratar. Efetivamente, Jones logo aceita a proposta.

Em sua estreia na Shadow, Jones não poderia terminar por causas mecânicas, mas em Mônaco consegue um excelente 6º lugar, e em Zolder sobe até o 5º. Porem, o melhor viria na Austria onde Jones, partindo da 17ª posição e pilotando com sobriedade e solvência num GP cheio de incidências, ficaria com a vitória quando Hunt, a falta de 11 voltas, abandona com problemas no motor. Em Monza, inesperadamente e largando desde a 14ª posição, Jones sobe ao 3º degrau do pódio, enquanto que nas duas últimas corridas, Canadá e Japão, Jones termina em 4º lugar. O bom rendimento de Jones não passa despercebido para Enzo Ferrari, quem pensa nele para ocupar o lugar que deixava Lauda. Contudo, quando lhe dizem que Alan estava a ponto de cumprir 31 anos, o comendador o descarta por velho e contrata o jovem Gilles Villeneuve.

No fim de 1977, Jones já tinha conseguido um contrato com a equipe Hass para disputar a Can-Am em 1978, no lugar de Patrick Tambay! No entanto, quando Jones fica sabendo que Frank Williams se estava preparando  para ser construtor… lhe faz uma visita. Logo surge um bom entrosamento entre os dois homens e Jones se incorpora à equipe de Frank como seu único piloto. Na Can-Am, Jones sería campeao com 5 vitórias em 9 participações (se ausentou em Laguna Seca por coincidência com o GP do Canadá), enquanto que na formula 1, aquele foi um ano difícil para a Williams, pois seu modelo FW06 sofria os problemas próprios de um carro novo de um novo construtor, mas o entusiasmo nunca faltou.

Assim, a partir de 1979, Alan Jones, completamente integrado na equipe, se concentraria na Fórmula 1 com Williams, ainda que correria em duas provas da Can-Am vencendo uma delas. Nessa temporada Jones terminaria 3º no campeonato, chegando inclusive a  ameaçar os pilotos da Ferrari na luta pelo título até o ponto de que lhe pedem a Gilles Villeneuve, o homem que ocupava o lugar que podia ter sido seu, que se abstenha de disputar tal título em prol de Jody Scheckter. Mas, em 1980 o título seria para Alan e, em 1981 repetiria o 3º lugar, retirando-se no fim da temporada e a ponto de cumprir 35 anos de idade.

Em 1982, já retirado, o destino ainda lhe prepararia outra surpresa, e novamente em forma de desgraça alheia. Logo após o grave acidente de Didier Pironi em Hockenheim, a Ferrari oferece a Jones ocupar o lugar do francês na scuadra. Resultava irônico que a equipe que lhe havia descartado cinco anos antes por ser velho demais, agora quisesse contratá-lo. Jones, talvez ainda lembrando daquilo e, numa espécie de desforra, rejeita a oferta. Desta vez… era ele quem descartava a Ferrari!

Durante esses anos, Larry Perkins, já de volta na Austrália, se proclama campeão da formula 5000 australiana em 1979, sendo esse seu último título conquistado. Durante os anos seguintes, participaria em diversos campeonatos, principalmente o de Touring Car, onde conseguiria diversas vitórias (nada menos que 6 vitórias na Bathhurst 1000, a mas famosa prova do automobilismo australiano), mas sem alcançar nenhum título.

httpv://youtu.be/Nflj21etu5E

Como acabamos de ver, por muito que as trajetórias de “It is a beautiful day” e de Larry Perkins pudessem sugerir um iminente sucesso, o destino tinha seu próprio roteiro preparado para eles e, embora Graham e Perkins pensassem que tanto aquele desconhecido grupo quanto Jones, nao tinham nenhum futuro, o destino se encarregou de colocar a cada um em seu devido lugar, ainda que para isso tivesse que se manifestar de formas diferentes. Como diz o ditado:  “Nós jogamos o jogo da vida, mas é o destino quem reparte as carta

No caso daquele desconhecido grupo, cujo nome era “Santana“, foi uma moeda a  forma escolhida pelo destino, enquanto que no caso de Alan Jones, sería a desgraça alheia seu modo de se manifestar. Em ambos casos, e estando já descartados, suas vidas mudaram por completo num instante… por caprichos do destino.

Um abraço a todos e até a próxima.

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

7 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Belo texto Manuel!

    Esta história me lembra um pouco o Damon Hill com o Senna na Williams, pois o inglês era um mero coadjuvante, um inofensivo 2º piloto, mas que depois de 1° de maio de 1994, sua carreira teve uma guinada, e de um mero segundo piloto, passou a cargo de primeiro piloto, lutando pelo campeonato e conseguindo o título 2 anos mais tarde.

    E que bom que a moeda caiu para o Santana!

    Abraço!!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  2. wladimir duarte sales disse:

    Alan Jones sofreu mas se firmou na F1. Merecia ser protagonista da primeira vitória da Williams que caiu no colo de Regazzoni (silverstone/1979, os colunistas da categoria na época sugeriram que Jones forçou demais o motor). Merecia uma sobrevida da carreira na Williams a partir de 1982 (talvez disputando o campeonato com Rosberg, Pironi, Watson e Lauda) e não merecia aquela canoa furada chamada lola Haas beatrice (1986) onde sobrava verba e faltavam resultados!!! Pior que essa roubada foi a que foi vítima Bruno Giacomelli (Life racing,que devia ser chamada de living-dead racing!!!). Ignorando as ofensas vindas de Nelson Piquet (semelhantes às dirigidas por este a Nigel Mansell anos depois) Alan Jones é um dos grandes da F1. Deu à equipe Surtees um último suspiro de competitividade, a vitória na Áustria/77 provou que a Shadow fez um bom carro e Tom Pryce teria uma grande temporada não fosse a tragédia em Kialamy, Conseguiu suas vitórias e seu título guiando magistralmente o Williams fw07 (uma das dezenas de cópias do lotus 79 que funcionaram muito bem naquelas temporadas) iniciando a trajetória vitoriosa da equipe. E, na minha opinião, abaixo de Jack Brabham é o melhor australiano que passou pela F1.

  3. Mário Salustiano disse:

    Manuel

    sensacional todo a amarração que voce faz no enredo dessa história, eu sou fã confesso de Santana e desconhecia esse lado da moeda
    Acho Alan Jones um piloto subestimado em sua passagem na Fórmula 1, muitos o qualificam como rude ao volante, eu não comungo 100% dessa opinião, rude sim, mas muito eficiente considerando que sua chegada foi bem diferente dos demais campeões dos anos 70/80

    abraços

    Mário

  4. Manuel disse:

    Meu caro Fernando, foi J. P. Jarier quem propiciou a vitoria do Moco !

    • Fernando Marques disse:

      Tem razão.
      Faz muito tempo e não tenho o costume de pesquisar nada quando comento … mais era uma Shadow na liderança … hehehehe

      Mais uma vez parabéns pelo texto

      Fernando

  5. Fernando Marques disse:

    MAnuel,

    mais uma vez seu texto foi show de bola.
    Nem me lembrava mais do L. Perkins assim como o inicio da trajetória do Alan Jones na Formula 1. Aliás a unica lembrança que me veio de Jones foi a sua vitoria na Shadow, uma nanica equipe aliás que fez muito sucesso na Formula em 75 e 76. Vale lembrar que a vitoria Pace no GP do Brasil em 75 só foi possível por causa do abandono da Shadow de T. Price que liderava desde o inicio a corrida.
    Com relação a Woodstock, ainda bem que moeda caiu para o Santana.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  6. Lucas Giavoni disse:

    Lindo texto, querido Manuel.

    Não conhecia a trajetória destes aussies, de modo que foi uma delícia aprender um pouco mais, e ainda fazer reflexões sobre a vida.

    Abração!

    Lucas Giavoni

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