A culpa foi do Mansell

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Os dois mais ilustres aniversariantes de agosto protagonizaram disputas abolutamente inesquecíveis... e hoje vamos relembrar uma muito especial.

Brands Hatch, 13 de julho de 1986. A guerra aberta entre Nelson Piquet e Nigel Mansell em seu primeiro ano de convivência na Williams torna-se indisfarçável.

Aos 33 anos, até meses antes pouco mais do que um Zé Mané da Fórmula 1, várias vezes beneficiado pelo simples fato de custar pouco e ser inglês, Mansell finalmente desabrocha no final de 85, quando vence os seus primeiros GPs e marca 31 pontos na temporada – 25 deles em três das quatro provas finais -, quase tantos quanto havia marcado nas quatro temporadas precedentes.

Piquet, um ano mais velho, bicampeão mundial, festejadíssimo pela sua velocidade, visão de prova e capacidade para acertar carros, estreava na Williams e nadava de braçada como favorito absoluto ao título de 86, tirando proveito da visível qualidade dos motores Honda. Alguns apostavam que Alain Prost e o McLaren Porsche, campeões em 85, ainda tinham lenha pra queimar e outros imaginavam que o recém chegado Ayrton Senna podia engrossar mas poucos imaginavam o quanto Mansell poderia se tornar – desculpem o termo – um pé no saco do brasileiro naquela temporada. E que pé no saco!

O GP da Inglaterra marcava o começo da segunda metade do campeonato. Um irritante Prost catou pontos durante as oito corridas precedentes, inclusive duas vitória. O mesmo fez Senna, lutando com garra com seu Lotus menos confiável e potente que os Williams e o McLaren.

Mas a verdadeira surpresa veio da dupla da Williams. Mansell venceu brilhantemente três GPs e perdeu outro, na Espanha, por um piscar de olhos. E poderia ter vencido também em Jacarepaguá, no quintal de Piquet, caso não tivesse se envolvido num acidente logo no começo da corrida. Enquanto isso, Piquet patinava. É verdade que venceu no Brasil, primeira corrida do ano, mas foi se apagando nas corridas seguintes, inclusive batendo em Detroit quando parecia escapar para a vitória.

Resultado: ele tinha apenas 23 pontos na virada do campeonato, ante 39 de Prost, 38 de Mansell e 36 de Senna. Uma reação era urgente.

O Williams Honda estava tinindo nesta altura – das oito corridas seguintes, venceria cinco -, graças em grande parte ao trabalho de Piquet, cuja sensibilidade como piloto de testes valia ouro naqueles tempos em que a telemetria era ainda rudimentar. A Inglaterra era a hora da virada para Piquet.

Ele marca a pole, mais de meio segundo a frente de Mansell, segundo no grid. Dada a largada Piquet arranca menos bem que o inglês, que consegue, por um instante, emparelhar com ele. Mas então o inusitado acontece: Mansell fica para trás, seu semi-eixo quebrado talvez por força de uma patada anormalmente forte. Fim de corrida para ele – não fosse pelos acontecimentos dos segundos seguintes.

A quebra de Mansell acabou atrasando toda a fila de pilotos que optaram por seguir pelo lado esquerdo o que, em última instância, acabou por provocar a perda de controle de Thierry Boutsen, que mergulhou para fora da pista, colheu uma faixa de propaganda estupidamente presa ao guard rail e voltou para o meio do pelotão. Stefan Johansson, com um Ferrari, para desviar de Boutsen, forçou Jacques Laffite para o guard rail interno, onde bate com violência, fraturando as pernas em vários lugares.

A carreira do piloto francês terminava naquele momento, e com um toque dramático: era a sua 176a largada, o que igualava o recorde vigente de participações em GPs, de Graham Hill.

Pelos meses seguintes, o debate se estabeleceu. Por força do acidente originado por Mansell, a corrida foi interrompida e a largada considerada cancelada. Assim, foi como se Laffite não tivesse participado dela, o que não legitimava o seu feito, o mesmo tipo de problema que agora embaralha o eminente recorde de participações de Rubinho.

No final das contas, nem sei bem por qual justificativa, acabou-se por reconhecer o feito do francês e assim ele aparece em numerosos rankings de participação em GPs ao lado de Hill. Seu recorde, hoje, já foi superado por doze pilotos, entre eles Mansell, Piquet e Prost.

Como a largada foi cancelada, o Williams de Mansell pode ser consertado e ele pode partir novamente.

O que se viu na segunda largada foi um combate épico entre a dupla da Williams, Piquet liderando as primeiras 22 voltas com Mansell colado atrás. Então, sem que as câmeras de TV pudessem mostrar, Piquet teria errado uma marcha e perdeu a liderança para o inglês.

Na rodada única de pit stops, Piquet demora-se alguns segundos a mais do que Mansell mas tem uma chance real de retomar a liderança. Eles estão emparelhados na altura da saída dos boxes, fazem a Paddock Hill lado a lado, Mansell por fora, Piquet por dentro. A próxima curva, a Druids, era para a direita, o que deixava faca e queijo nas mãos do brasileiro mas… havia um retardatário no caminho. A pista era estreita e ele nada podia fazer para facilitar a vida de Piquet, a quem só restou frear e ver Mansell assegurar a liderança até o final da prova. Depois, ele comentaria: “venci com o carro que Piquet acertou”.

O brasileiro vence três das quatro corridas seguintes mas Mansell não desgruda dele e só perde o título por força do incrível azar que o atinge como um meteoro na corrida decisiva, na Austrália.

Mas o que teria acontecido caso Boutsen não tivesse perdido o controle de seu carro, levando ao cancelamento da primeira largada e fazendo com que Mansell não marcasse nenhum ponto na Inglaterra?

Não havendo outros incidentes de prova, Piquet venceria, o que teria elevado os seus pontos ao final do campeonato para 72, mesmo número de pontos válidos conseguidos por Prost. Só que o francês também teria ganho pontos extras, já que ele terminou em 3o. Com a quebra de Mansell, receberia dois pontos a mais pelo 2o lugar, indo a 74 pontos válidos.

Tudo isso, eu juro, me ocorreu apenas na 3a-feira*, ao pesquisar no Youtube um vídeo para ilustrar a carta enviada pelo amigo leitor Marcelo Ferreira. Apesar de ter assistido à corrida em 86, não tinha a menor lembrança dos problemas de Mansell e tudo o que ele provocou. Por um momento, imaginei que a recombinação dos resultados poderia ter “dado” o título ao brasileiro, por quem tanto torci naquela temporada e na seguinte, de forma que foi com uma ponta de decepção que conclui a recontagem dos pontos vendo que ainda não teria, infelizmente, dado para Piquet.

Abraços!

*Coluna publicada originalmente em 24 de abril de 2008.

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

6 Comments

  1. Sandro disse:

    1986 foi uma temporada incrivel!

    Em Jerez Mansell quase passou Senna na chegada. Por um “pentelhesimo” de segundo, digo, 0″014!

    E pensar que em San Marino a McLaren de Prost teve pane seca a 300 metros da bandeirada e… ganhou no embalo! Piquet chegou em segundo lugar. “Se” tivesse ganho, Piquet teria faturado o titulo.

    Em Monza nada de “team order”. Piquet passou Mansell e venceu. Tivesse ordem de equipe… Mansell campeão!

    “Se” isso… “se” aquilo…

  2. Lucas disse:

    Eduardo, com a pontuação da época, como é que o Mansell marcou 25 pontos em 3 corridas? Abraço.

    • Edu disse:

      Oi Lucas

      bobeira minha: Mansell foi 2o na Bélgica, venceu nos GPs da Europa e da África do Sul e abandonou na Austrália: 6 + 9 + 9 + 0 = 24 e não 25

      Foi mau, obrigado pelo toque

      Abraços

  3. Fernando Marques disse:

    Não só este GP mas como toda a temporada de 1986 foi inesquecível …
    “…Enquanto isso, Piquet patinava. É verdade que venceu no Brasil, primeira corrida do ano, mas foi se apagando nas corridas seguintes, inclusive batendo em Detroit quando parecia escapar para a vitória. …”
    Acho que aí está o verdadeiro motivo por Piquet não ter faturado o titulo em 1986.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Mauro Santana disse:

      Olá Fernando!

      Lembro de uma entrevista que o Piquet deu no início de 1987 a respeito de como ele perdeu o título de 1986.

      Ele respondeu que na sua opinião o título havia sido perdido no GP de Portugal no Estoril, aonde ele passou muitas voltas andando em terceiro lugar colado na Lotus do Senna que era o segundo, e que com isso o seu Williams #6 acabou tendo os freios bastante desgastados, o que lhe levou a rodar e perder algumas posições.

      Aliás, foi nesta mesma temporada, se não me engano no GP da Hungria, que ele apelidou o Senna de “Freio de Mão Puxado”.

      Mas claro que em Detroit com certeza se ele não tivesse sofrido aquele acidente, teria vencido o GP, que também foi muito emocionante.

      Como você mesmo comentou, a temporada de 1986 foi inesquecível!

      Abraço!

  4. Mauro Santana disse:

    Esse texto é um dos meus preferidos aqui do Gepeto, e esse GP foi muito emocionante, primeiro com o drama do Laffite, e depois com a disputa feroz das duas Williams!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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