A escolha de Chapman

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Há pouco mais de 48 anos, Colin Chapman, dono da Lotus, elegeu Emerson Fittipaldi para integrar a sua equipe de Fórmula 1. O convite deu-se provavelmente no final de junho e a estreia em 18 de julho, no GP da Inglaterra, quinze – quinze! – meses depois de Emerson ter desembarcado na Europa, vindo de um país que naquela altura era tão relevante para o automobilismo quanto a Samoa é para o futebol hoje.

Por que Chapman escolheu Emerson para fazer parte da equipe-referência da época, a mais rica e inovadora e líder do Mundial, caminhando para seu quarto título, a casa de Stirling Moss, Jim Clark, Graham Hill e Jochen Rindt?

A melhor explicação quem me deu foi Wilsinho, irmão de Emerson, e que publiquei em meu livro Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria:

“A coisa que mais impressiona em Emerson é o talento natural que ele tem para pilotar. É como o jogador de futebol que não precisa olhar para a bola antes de chutá-la. Como ele existem poucos: Stewart, Prost e Senna. Pilotos como eu, Moco, Piquet e Peterson, por exemplo, não temos este talento. Temos de aprender a correr. Podemos até andar rápido, mas temos de trabalhar mais. O que Emerson demora três voltas para assimilar, eu demorava seis ou mais. Isso é uma virtude rara e os chefes de equipes valorizam muito isso. É o tipo de qualidade que brilha no escuro. Por causa dela, fica mais fácil estar no lugar certo na hora certa. Foi por isso que ele sempre teve boas oportunidades”.

A despeito da explicação de Wilsinho, ainda resta terreno a mapear sobre a escolha de Chapman.

Além de Emerson, também estrearam na Fórmula 1 em 1970 Clay Regazzoni, François Cevert, Rolf Stommelen, Peter Gethin, Tim Schencken e Ronnie Peterson. Não era por falta de opções que Chapman escolheu o brasileiro.

Certamente pesaram recomendações de quem já havia trabalhado com Emerson e os resultados que conseguiu na Europa, principalmente na segunda metade de 1969, quando levou os Fórmula 3 da Lotus a repetidas vitórias, alavancando as vendas do carro, então em baixa. (Em tempo, era um lindo carro, este Lotus 59 de Emerson…)

Creio que pesou também a personalidade do brasileiro, contido, calmo, centrado, o oposto do encrenqueiro Rindt. Não o imagino questionando Chapman por suas escolhas técnicas, de contrato e remuneração.

Há ainda mais um fator que pode ser influenciado. Naquela temporada, tornou-se relativamente comum as equipes maiores alinharem um terceiro carro no grid, para embolsar um prêmio extra de largada e a Lotus, que já corria com seu revolucionário modelo 72, tinha na garagem um velho 49C.

Não tenho mais elementos a agregar à equação, apenas incógnitas. Melhor concluir que Chapman assinou um cheque em branco para Emerson, como faremos para nossos candidatos no próximo domingo, cheque em branco sim, posto que eles não têm qualquer obrigação de cumprir com o que prometeram na campanha.

Ao contrário de Chapman, que poderia despedir Emerson a qualquer momento, nosso alcance para consertar um erro de escolha é bem mais limitado e certamente traumático, pelo que moderação deveria ser um fator importante nas nossas decisões diante das urnas.

Voltando a Chapman, que bom que ele assinou o cheque e que ele tinha fundos, generosos fundos, diga-se. Sem isso, creio que não teríamos tido este período extraordinário de vitórias do Brasil na Fórmula 1, que começa com Emerson e termina com Felipe Massa, projetando o país a um nível só equivalente ao da Inglaterra e Alemanha.

Mas esta é, agora, apenas uma lembrança.

Podia fica aqui amolando o leitor, arriscando-me a tecer figuras de linguagem opondo Fórmula 1 e eleições. As fake news e os sensores das baterias dos Ferrari, flagrados pela Fia e que roubaram potência dos motores italianos, as entrevistas aguadas dos pilotos e chefe de equipe e as personas de candidatos prometendo ambrosia e hidromel aos eleitores, para depois fazerem tudo ao contrário, tão logo assumam seus cargos, as perspectivas de reviravoltas nas pesquisas e campeonato em sua undécima hora etc.

Respeitemos, porém, a gravidade do momento, mesmo porque nada termina outubro. Pelo contrário, é apenas o começo.

O apoio aberto de Emerson ao candidato Jair Bolsonaro não me surpreendeu.

Automobilistas são, em sua quase totalidade, extremamente conservadores, por assim dizer, em suas inclinações políticas.

Relendo meu livro, coisa que não fazia há tempos, descubro, consternado, dois erros.

Recompondo os dias anteriores à estreia de Emerson na Fórmula 1, escrevi que ele foi sondado por Frank Williams, para ocupar o lugar aberto pela morte de Piers Courage, em 21 de junho de 1970.

Dias depois, escrevo, Emerson fez “uma corrida brilhante” em Rouen, tendo chegado em quarto lugar.

Ok para a corrida, disputada em 28 de junho, não ok – 1º erro – para o resultado: Emerson chegou em terceiro, depois de Jo Siffert e Clay Regazzoni, mas deixando para trás – veja se está bom para vocês – Jacky Ickx, Ronnie Peterson, Jack Brabham e Rindt. Emerson não era fraco, não.

E na terça-feira seguinte, dia 30 de junho, Emerson recebe o convite para testar o Lotus, que – 2º erro – acontece em 8 de junho. As datas não batem, certo?

Será que o teste teria sido em 8 de julho? Ou, como diz meu texto, por ser numa 2ª-feira, em 6 ou 13 de julho? Ou, ainda, será que o convite de Frank veio antes da morte de Courage?

Fico devendo esclarecimentos, se é que será possível chegar a eles. E aceitem minhas desculpas pelos erros.

Terminado o breve almoço, meu querido amigo Roberto Agresti põe o capacete e sai acelerando, o som quente do motor da sua Triumph Scrambler – ele sempre teve bom gosto para motos – monopolizando a atenção dos passantes.

O papo com Roberto, iniciado em 1971 e nunca mais interrompido, é sempre agradável, engraçado, enriquecedor. Não falamos, desta vez, de Fórmula 1, sequer tocamos no assunto, o que não deixa de ser significativo, dado que foi a categoria que nos uniu em amizade à prova do tempo.

Mas nossos cabelos já estão escassos e grisalhos, como me parecem estar os da própria Fórmula 1.

Termino com uma bela ainda que sombria canção de Bob Dylan, augurando que ela seja apenas isso, uma bela ainda que sombria canção e não um prenúncio de nosso futuro

Boa eleição a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Edu,

    O Roberto Agresti ainda bota aquele lindo Puma Prateado para desfilar em Interlagos?

    Quanto ao Emerson, para mim ele é um patrimônio histórico do automobilismo brasileiro. O que ele fez, nunca aparecerá outro que consiga fazer igual. E recomendo para quem ainda não leu trataar logo de ler pois boa parte de seu maior legado estão nas páginas do seu livro “Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria” da qual tenho não só honra de ter e mas também ter sido um belo presente me dado pelo Mario Salustiano.

    Quanto a queda de rendimento da Ferrari, ainda acho que a Mercedes guardou gorduras e lenhas para queimar mais ao fim do campeonato, assim como ela fez ano passado. Me parece que a Ferrari não tem mais como evoluir até o fim desta temporada.

    Quanto a eleição.
    Votem consciente.
    Mas alerto: acho que pelo retrato atual da política brasileira, não temos nenhum candidato ou partido capaz de mudar o atual panorama em que se encontra o nosso Brasil.
    Mas em todo caso, boa eleição para todos também.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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