A escolha de Hamilton

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Piloto ou corredor? Qual será, em Abu Dhabi, a escolha de Lewis Hamilton?

Qual o parágrafo que lhe parecer mais correto:

Lewis Hamilton correu com a cabeça em Interlagos. Usufruindo da vantagem acumulada nas corridas anteriores, ele controlou a corrida do rival Nico Rosberg, chegando logo atrás dele e mantendo as coisas de uma forma que, se repetir a tática no Abu Dhabi, garantirá o título de 2014 sem maiores dramas.

Ou

Lewis Hamilton esteve muito próximo de jogar pela janela a sua confortável vantagem sobre o companheiro de equipe, ao forçar o ritmo além do razoável em Interlagos. O que teria acontecido se o Mercedes de Hamilton apagasse ou se tivesse tocado as barreiras de proteção na rodada que ele se permitiu na Curva do Sol, quando fazia uma tentativa extrema e, pensando em termos de campeonato, inútil, de roubar a liderança da corrida de Nico? Nesta altura, Hamilton estaria um ponto atrás do alemão e precisaria necessariamente terminar à frente dele no Abu Dhabi.

A dúvida expressa nos parágrafos anteriores é um pouco mais do que uma observação sobre os rumos do campeonato 2014 e suas limitadas possibilidades de desfecho, dado ser muito pouco provável que os carros da Mercedes sejam superados pela oposição na corrida final da temporada.

É que Hamilton ainda é um automobilista por decifrar. Ele vai pensar no campeonato ou na corrida? Conterá os próprios institutos ou simplesmente vai acelerar pelo puro prazer de acelerar, sem medir as consequências? Resumindo a coisa de outra forma: Hamilton é um piloto ou um corredor? É alguém que pensa as corridas e campeonatos a partir de um plano bem definido e necessariamente cauteloso e conservador, na linha de gente como Emerson Fittipaldi e Alain Prost, por exemplo? Ou ele rende-se ao risco contínuo e sem maiores considerações pelo resultado final das corridas e campeonato, estilo que tem Gilles Villeneuve como santo padroeiro por excelência?

Ao longo da temporada, enquanto Nico mais e mais se afinava com o perfil de pilotos como os citados, Hamilton oscilou – vacilou? – entre este e o de corredor, em linha com ídolos dele como Stirling Moss, Jim Clark, Nelson Piquet (não o de 87…) e Ayrton Senna, gente que tinha, digamos, uma certa resistência a ceder aos imperativos do campeonato e aliviar um pouco o acelerador, pensando que um 3º lugar na corrida é o melhor que dá pra fazer naquela situação e é bobagem forçar o carro e a sorte em busca de algo mais do que uma volta rápida.

Qual será a escolha de Hamilton?

Piloto ou corredor, o eterno drama do automobilismo, marca presença na final do Abu Dhabi. Que bom que é assim.

Porque se não fosse por isso, haveria pouco mais a atrair a atenção para o GP final da temporada.

Daniel Ricciardo já tendo garantido o 3º lugar no Mundial, resta saber quem será o 4º colocado no Mundial de Pilotos – Sebastian Vettel, Fernando Alonso ou Valtteri Bottas? – e o 7º –  Jenson Button ou Felipe Massa?

As coisas são ainda piores no Mundial de Construtores. Matematicamente, até existe a possibilidade de alguma mudança de posição nas faixas debaixo da classificação das equipes mas elas são apenas retóricas.

Em 2009, escrevi sobre o dilema corredores & pilotos (leia clicando aqui), que não implica necessariamente em considerar que um gênero é superior ao outro. No parágrafo final cito Hamilton.

Em tempo: reclassificaria Jim Clark, trocando a sua condição de piloto pela de corredor.

A propósito da abjeta pontuação dupla para este último GP, AutoSprint deu-se ao trabalho de recalcular nestas bases as 64 temporadas das Fórmula 1, a partir de 50, e concluiu que dez títulos mudariam de mãos:

53: Fangio tomaria o título Ascari.
56: Fangio perderia o título para Moss.
58: Moss seria o campeão ao invés de Hawthorn.
70: Ickx, e não Rindt, seria o campeão da temporada.
79: Scheckter perderia o título para Gilles Villeneuve.
81: Piquet perderia para Jones.
84: Prost bateria Lauda.
03: Schumacher perderia para Raikkonen.
08: Massa seria o campeão ao invés de Hamilton.
12: Alonso, e não Vettel, venceria o Mundial.

Eu, Eduardo Correa, concordo em linhas gerais com o diagnóstico exposto cruamente por Bernie Ecclestone em relação à atual crise da Fórmula 1: as equipes gastam mais do que deveriam e são elas as principais responsáveis pela própria penúria.

O problema da categoria não é mais aquele de uns cinco anos atrás, quando a distribuição das receitas entre os proprietários da Fórmula 1 e as equipes era demasiado desigual. Hoje, as equipes ficam com a maior parte do dinheiro. Claro que a parte dos proprietários da Fórmula 1 ainda é grande – algo em torno de 520 milhões de euros, pouco menos de 37% da receita total dos organizadores, da ordem de 1,44 bilhão de euros em 2013 – mas não pode ser considerada injusta ou exagerada.

Os cerca de 920 milhões de euros que vão para as equipes são distribuídos por critérios de mérito, o que é mais do que apropriado no esporte, sendo importante notar que a Caterham recebe, pelo fato de ter terminado o Mundial de 2013 na 10ª posição, 47,7 milhões de euros. A equipe ainda pode aumentar suas receitas por conta dos patrocínios conquistados, venda de artigos com a sua marca etc.

É este o dinheiro que ela tem para tocar a vida. Se gasta mais do que isso, seja investindo em tecnologia, seja permitindo retiradas generosas aos seus proprietários, é decisão que só diz respeito a ela. À propósito, os dois responsáveis pelo Marussia não se inibiram em ir a Silverstone para o GP deste ano dirigindo seus McLaren e Ferrari, carros pouco compatíveis com quem é proprietário de uma equipe à beira da falência.

A Caterham pode chorar – posto que o choro é livre –, assim como fizeram Lotus, Force India e Sauber mas trata-se apenas de choro, quase uma auto-humilhação para ver se sobra algum para tapar buracos. Melhor teriam feito rendendo-se às evidências do orçamento a que já tinham acesso desde o começo da temporada. Poderiam também ter ido correr em outras categorias. Nenhuma delas, absolutamente nenhuma, oferece remuneração remotamente semelhante à da Fórmula 1.

Todos os números citados por mim são do jornalista inglês Joe Saward  e reproduzido por AutoSprint.

Abraços,

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

8 Comments

  1. Fabiano Bastos disse:

    Eduardo,
    Gostei dos teus argumentos, tanto no que diz respeito ao Hamilton corredor ou piloto (vamos ver se ele faz a transição) quanto no aspecto do orçamentos das equipes menores.
    Mas me parece que há uma diferença muito grande na premiação que dificulta muito o crescimento das equipes menores.
    A ideia do terceiro carro – segunda equipe nos moldes do WRC pode ser uma boa, mas imagine qual seria a colocação da Mercedes 2 neste campeonato?
    Talvez uma abordagem como a do WEC, onde diferentes categorias correm junto, possa ser melhor. Quem sabe Marussia, Caterham e outras pudessem correr sob o regulamento de motores do ano passado, com as mudanças necessárias para colocá-los em pé de igualdade de peso e aerodinâmica com os carros de 2014. Assim teríamos resolvido o problema daqueles que reclamam da falta de barulho e estas equipes poderiam correr com custos menores (motores mais baratos).

    • Lucas dos Santos disse:

      Uma suposta “Mercedes 2”, se tivesse apenas um carro, talvez se colocasse atrás de todas as demais equipes de dois carros.

      Em 2013, a Volkwagen Motorsport dominou a WRC tal como a Mercedes domina a F1 esse ano. Terminou o campeonato com 425 pontos contra 280 da Citroën Total Abu Dhabi World Rally Team (a “equipe 1” da Citroën), a segunda colocada. Já a Volkswagen Motorsport II terminou o campeonato em sétimo, com apenas 50 pontos, logo atrás da Abu Dhabi Citroën Total World Rally Team (a “equipe 2” da Citroën), que marcou 63.

      No WRC as segundas-equipes costumam ter um papel diferente, que é desenvolver o carro e novos pilotos. Todas as novas soluções são primeiramente testadas exaustivamente no carro da segunda-equipe. Somente quando tal solução estiver totalmente confiável é que ela é adotada pela equipe principal. Normalmente, quem pilota o carro da equipe secundária costuma ser um piloto com menos experiência, justamente para ganhar quilometragem. Isso resolveria a questão dos testes e dos pilotos novatos.

      Quanto a uma equipe se destacar das demais, isso certamente continuará acontecendo e é assunto para outra conversa.

  2. Fernando Marques disse:

    Acerca de um terceiro carro numa equipe de Formula 1 … sei lá … imagina na Ferrari aquele famoso radio que Alonso está mais rápido que você … seria apenas mais um no grid como são atualmente as Cathermans e Marussias …

    Fernando Marques

  3. Muito boa a parte final da coluna, Edu!

    Usando como base o nosso orçamento familiar, se ganho X todo mês, tenho que gastar no máximo do máximo, X por mês. Se gastar X+Y, a conta nunca irá bater. Então, tenho que viver pensando em viver com X ou fazer algo para ganhar esse Y.
    Sendo bem polêmico, simpatizo bastante com a ideia de um terceiro carro nas equipes grandes. Afinal, prefiro muito mais um Carlos Sainz Jr, campeão da World Series, correndo num terceiro carro da Red Bull, do que um Max Chilton se arrastando com um Marussia…

    • Lucas dos Santos disse:

      Compartilho da mesma opinião acerca do terceiro carro. As regras para esse carro adicional poderiam ser como as do WRC – que também passou por um esvaziamento de “grid” ainda pior.

      Lá as equipes podem incluir um terceiro carro se quiserem, mas apenas dois somam pontos para o campeonato.

      Se quiserem marcar pontos com o terceiro carro, os donos de equipe podem inscrever uma segunda equipe, que concorre (separadamente) ao campeonato de construtores. A Volkswagen, por exemplo, possui duas equipes: Volkswagen Motorsport e Volkswagen Motorsport II. A Hyundai tem a Hyundai Shell World Rally Team e a Hyunday Motorsport N. O ex-piloto Malcolm Wilson também possui duas equipes na categoria: M-Sport World Rally Team e RK M-Sport World Rally Team. Em todos os casos, as equipes secundárias possuem apenas um carro, o qual, com a exceção da M-Sports, utilizam a mesma pintura dos da equipe-irmã.

      Pode ficar meio repetitivo, mas ao menos serão equipes com mais condições de se manter na categoria e com mais oportunidades para serem competitivas ao mesmo tempo em que se soluciona o problema do esvaziamento do grid.

  4. Mauro Santana disse:

    Se o Hamilton usar a cabeça, em condições normais, chega em segundo e levanta a taça.

    Agora, se ele(Hamilton) pensar com o dedão do pé direito, olha, aí talvez o campeonato possa cair no colo do Rosberg.

    Vamos aguardar.

    Na minha opinião, acho que os gastos na F1 atual não tem mais volta, pois sempre foi assim, e sempre será, quem tem gasta, e quem não tem, gasta do mesmo jeito.

    Só acho que já faz anos que a F1 não é mais aquela brincadeira de milionários como vimos um dia no passado, com equipes pequenas que tinham um carro apenas, umas vinte pessoas trabalhando no padock, e só.

    Os tempos são outros, e infelizmente os pequenos sonhadores não tem mais vez nesta categoria.

    É isso.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  5. Fernando Marques disse:

    Se Hamilton tiver o mínimo de inteligencia em Abu Dhabi, certamente deverá ser mais piloto …

    Fernando Marques
    Niteroi RJ

  6. Ronaldo disse:

    Edu (olha eu, todo íntimo…), elabore mais o Piquet de 87. Você acha que naquele ano ele foi “piloto”? O que teria de diferente de, por exemplo, 83 e 86?

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