A inveja que eu sinto da Alemanha

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Senna E Piquet, ou Piquet E Senna, seria muito melhor que Piquet OU Senna...

Domingo de manhã, temporada da F1 encerrada, sou surpreendido pela chamada de uma entrevista do Nelsão ao Esporte Espetacular, “relembrando suas disputas com Ayrton Senna”. E, no restante da chamada, um trecho que deve ter soado como uma frase de efeito aos ouvidos de algum editor menos familiarizado com o contexto. Nele, Piquet dizia que estava disposto a jogar Ayrton para fora da pista, caso não lhe fosse dado o devido espaço [na eterna disputa que ambos protagonizaram na Hungria, em 1986].

Pronto, lá se foi qualquer traço de empolgação de minha parte. Depois de ver algumas centenas de entrevistas do Piquet, e de ter feito uma ou outra pessoalmente também, eu já sabia o teor do que vinha pela frente. Ironias, espetadas, algumas frases possíveis apenas graças a Imola 94, e sim, várias brincadeiras e histórias interessantes também.

E não deu outra. Desta vez, em meio ao bom humor de dar autógrafos em nome de Fittipaldi e Senna ou às lembranças sobre como pastou até chegar ao topo, Piquet justificou sua postura alegadamente conservadora na 1ª tentativa de ultrapassagem na Hungria com a afirmação de estar lutando pelo título, “ao contrário do Senna, que nunca lutava”.

httpv://youtu.be/Mzzhirhrjfo

Diante disso eu me limito a lembrar que, no momento da disputa, Senna estava quatro pontos à frente de Nelson na tabela de pontos. E não vou adiante, porque é justamente esse tipo de argumentação fratricida e descompromissada que eu pretendo questionar aqui. Uma bipolaridade maniqueísta e desnecessária, nascida a partir de posturas dos próprios pilotos, que terminou se espraiando por um universo de torcedores e abriu uma ferida triste e estúpida no momento que deveria justamente ser o mais feliz do esporte a motor no Brasil.

Como disse em minha pequena autobiografia aqui no GPtotal, eu nasci no exato momento em que Piquet entrava num F1 pela primeira vez. Amo corridas desde minhas primeiras memórias, e Nelson Piquet foi um dos primeiros nomes que consegui balbuciar, não muito depois de papai e mamãe. Da mesma forma, cresci vendo brilhar o talento de Senna, de modo que sempre fui um grande admirador de ambos – ainda hoje, meus dois pilotos favoritos na F1. Numa época de sennistas e piquetistas, eu era uma aberração, um aficionado pelo esporte em si, que vibrava com suas diferentes versões de genialidade ao volante. Era muito fã dos dois, nem tanto por serem brasileiros, mas sobretudo por serem bons como eram.

Portanto, quando via episódios como a terrível troca de farpas em Jacarepaguá (1988), ou a forma como a mídia a um só tempo instigava e conduzia a questão, isso de alguma forma acordava em mim sensações muito desagradáveis, como as que um filho de pais separados experimenta ao ver seus genitores falando mal um do outro. Caramba, os caras eram geniais, estavam maravilhando o mundo através de características tão especiais e peculiares – e o que era muito mais importante para mim: eles eram meus maiores ídolos, minhas maiores referências. Por que, afinal, precisavam brigar daquele jeito?! Por que não podiam se dar bem, se apoiar, quem sabe até dividir uma equipe algum dia? Por que me obrigavam o tempo todo a responder ironias ou críticas agressivas por parte de amigos partidários de um ou outro?

Talvez por esta ferida aberta de uma infância sem pai e mãe num mesmo teto, essa eterna e repetitiva briga entre Senna e Piquet tenha incomodado tanto certa parte de mim. Não a parte profissional ou analítica, mas certamente a parte mais importante. A parte que restou do menino apaixonado por carros e corridas, do moleque introspectivo e calado que aprendeu a catalogar suas memórias pessoais tendo temporadas e corridas como referência cronológica, e que ainda hoje se percebe lembrando de diversas pessoas que já se foram a partir das corridas que viram juntos.

E então, quando às vésperas de meu casamento eu vejo Nelson repetindo o mesmo discurso circular de sempre, lembro sem querer da fantástica letra de “Bola de Meia, Bola de Gude”, de Milton Nascimento:

Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão

De fato, o moleque dá sinais de vida em momentos como esse, e ainda consigo sentir sua admiração silenciosa, em algum canto escuro de minha personalidade, quando vê cenas como o abraço de Michael Schumacher a Sebastian Vettel após o mais recente GP do Brasil, em Interlagos. Momentos como esse, de exaltação e respeito mútuos, de passagem do bastão e fechamento do ciclo, jogam luz sobre algo de triste e não plenamente cicatrizado em minha história. E provocam sim, em parte de mim, uma assumida ponta de inveja da trajetória alemã, muito mais do que fariam eventuais números para lá ou para cá.

Entre todas as alegrias que os gênios complementares de Piquet e Senna me deram na infância, essa, tão importante, talvez tenha sido a única que ficou faltando.

Bom, creio que essa sessão de terapia em forma de coluna tenha sido minha última colaboração para o GPtotal neste ano de 2012. Assim, aproveito a ocasião para agradecer aos amigos do site por mais um ano extremamente proveitoso. Através dos comentários nas colunas, e de modo muito especial do Facebbok, temos tido a chance de conhecer de forma muito mais profunda muitos de vocês, que são efetivamente a razão disso tudo.

Espero que em 2013 esse processo se acentue ainda mais, e desejo a todos, desde já, um feliz natal e um excelente 2013.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

13 Comments

  1. Jovino disse:

    Eduardo, você pode ter certeza de que o Piquet falou aquilo de sacanagem mesmo. Ontem mesmo estivemos com o Piquet e ele nos matou de rir quando falou dos pegas que ele deu com o Mansel semana passada num autódromo do sul quando a Ford disponibilizou 4 Ford Fusion para os dois dualarem e os carros sairam quase que destruídos para a realização de um comercial da Ford. A velha rivalidade depois de 25 anos e que será mostrada em janeiro num documentário. Jovino

  2. wladimir duarte sales disse:

    Fernando,
    Se não estou enganado esse boato maldoso do Piquet contra Senna começou em 1987 e Nelson era casado com katherine Valentin, já estava separado da mãe do Nelsinho (Silvia) há algum tempo.

    • Fernando marques disse:

      Wladimir,

      não sei quando isso se deu mas muitos correlacionam este problema ao não relacionamento de amizade entre Piquet e Senna … que pelo visto começou bem antes de 1987 …

      Fernando Marques
      Niterói RJ

    • Mauro Santana disse:

      No livro de Ernesto Rodrigues, este assunto é explicado em detalhes.

  3. Fernando Marques disse:

    Não tinha visto a entrevista dele ao Esporte Espetacular … e achei gozadíssimo a historia dele dando autógrafos em nome do emerson e do Senna … hehehehehe

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Mauro Santana disse:

    Olá Marcio!

    Na hora em que Piquet soltou esta frase, olhei na hora para minha noiva e falei a mesma coisa, que Senna naquele momento do campeonato estava a frente de Piquet.

    Mas este é o jeito Piquet de ser, sempre foi e sempre será assim, mas é uma pena o Senna não estar mais entre nós para ver o que ele iria falar também, e talvez os dois já velhinhos pudessem ter uma convivência um pouco mais próxima.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Fernando Marques disse:

      Mauro,

      o Piquet nunca aceitou ser inferior ao Senna e vice versa …

      Fernando Marques
      Niterói RJ

    • Mauro Santana disse:

      Verdade, mas com ambos ficando mais velhinhos, quem sabe um dia não batiam um bom papo de final da tarde regado a uma bela rodada de chopp.

      rsrs

      Difícil, é mui difícil!

      rsrs

      Abraço!

  5. Salve Fernando.
    Realmente houve episódios envolvendo uma mulher, de forma muito semelhante ao que aconteceria mais tarde entre Schumacher e Frentzen. Mas, se olharmos as declarações de época, veremos que a antipatia entre eles começou bem antes, lá por 1982, quando tiveram o primeiro contato pessoal.
    Na verdade, as muitas entrevistas que fiz nos últimos anos me convenceram de que o contraste entre o suporte que Ayrton tinha, e a forma como a maioria dos demais pilotos tinha que se virar para correr, acabava tornando esses relacionamentos muito difíceis. Perceba, por exemplo, que Gugelmin gozava deste mesmo suporte por aqui.
    Também concordo plenamente com tudo que você disse sobre Vettel e Schumacher, e faço apenas uma ressalva em relação a este meu texto. Sem qualquer pretensão de analisar a fundo as relações ou personalidades destes pilotos – até porque não sou qualificado para isso -, eu apenas dei voz a sensações muito infantis que ainda guardo comigo, e que volta e meia afloram quando vejo entrevistas como esta mais recente do Nelson.
    Foi, antes de tudo, um relato emocional.
    Abraço, meu amigo.

    • Fernando Marques disse:

      Marcio,

      de certa forma tambem não gostava da birra entre Piquet e Senna. O seu texto está sensacional. Mas me lembrei de certos fatos que diziam ocorrer entre Piquet e Senna e pensei que talvez este poderia ser o principal motivo da birra entrre eles.
      O Piquet, pelo seu jeito de ser, nunca foi de querer ser pai/protetor para nenhum piloto ( a não ser para seus proprios filhos) iniciante na Formula 1, nem mesmo para o Roberto Moreno ja que são amigos de longa data. Sei lá isto nunca bateu bem na cabeça do Senna que esparava ao menos mais cordialidade dele como bem fazia o Emerson.

      Parabens pelo texto!!!

      Fernando Marques
      Niterói RJ

    • Acho que vc tem toda razão, meu amigo. Um não correspondia ao que o outro esperava / respeitava.
      Abs!

  6. Fernando Marques disse:

    Marcio,

    a relação entre Piquet e Senna (fora das pistas) realmente poderia ter sido diferente. Mas não foi por um motivo muito simples e ao mesmo tempo complicado. E bota complicado nisto. Uma mulher. Na epoca falou-se (nunca soube se foi verdade tambem) que a esposa na epoca do Piquet (se não me engana a mãe do Nelsinho) tinha sido namorada do Senna e que largou ele para ficar com Piquet. Um indicio desta “fofoca” poder ser verdade foi uma declaração na qual Piquet disse que Senna não gostava de mulher ou algo parecido exatamente por causa disso. Considerando que isto poderia ser uma verdade acho que seria muito dificil uma relação de amizade entre os dois.
    Penso também que se a relação entre Schumacher e Vettel seja o oposto em relação Piquet/Senna deve-se principalmente ao fato de ambos serem de gerações diferentes. Quando Vettel despontou o Schumacher já pensava em aposentadoria. Nunca houve um embate entre eles nas pistas. E vale lembrar que o Schumacher nunca teve um bom relacionamento com H. Fritzen que foi seu principal adversario alemão no automobolismo. Duvido que o temperamento de Schumacher e as regalias que teve como na Ferrari permitisse ele aceitar um adversário como Vettel naquela epoca.
    Para terminar reitero que sou um Piquetista. O Senna foi tambem um grande idolo mas o que mais faz tender a ser mais Piquet é extamente a trajetoria que ele cumpriu até chegar na Formula 1. Ele teve que ralar muito, com muitas incertezas e sózinho. Senna teve um caminho bem mais tranquilo. E isso me faz entender que Piquet como piloto era mais completo que o Senna.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Fernando Marques disse:

      Só complementando … nunca vi o Emerson Fittipaldi correndo aqui no Brasil quando iniciava a sua carreira. Era uma criança e nem tinha como querer ver ainda mais morando em Niterói. Mas com Piquet foi diferente. Frequentava o autodromo de Jacarepagua sempre que tinha corridas e vi o Piquet vencer e ser campeão na Formula Super Vê. O Piquet tornou-se um idolo para mim aqui no Brasil e vibrei muito quando ele foi para a Europa correr na Formula 3 pois tinha certeza que ele chegaria a Formula 1 e seria um campeão do mundo. O Senna nunca correu aqui no Brasil.

      Fernando Marques
      Niterói RJ

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