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A loteria pneumática pode ser a solução para os “problemas” da Fórmula 1?

Já flertei com esta tese descabelada antes. Para trazer a desejada imprevisibilidade aos GPs, a Pirelli ou o fornecedor de turno poderia alterar sem aviso prévio as especificações dos pneus, forçando equipes e pilotos a reverem seus estilos e regulagens. Como a correspondência entre o desempenho global do carro e o dos pneus é muito elevado, seria uma garantia de surpresas.

Meu flerte pode ter virado um caso no GP da Espanha. Alegando questões de segurança, a Pirelli decidiu unilateralmente reduzir em pouco menos de meio milímetro a espessura de seus pneus, de forma a minimizar a possibilidade de formação de bolhas de ar entre as camadas de borracha, fenômeno denominado blistering, que não só acelera a degradação dos pneus como pode levá-los a explodir em pleno uso.

A mudança, aplicada a todos os tipos de pneus fornecidos às equipes, foi devidamente comunicada às equipes. A Ferrari e a RBR não se beneficiaram da novidade, a Mercedes certamente sim, ela e Lewis Hamilton tendo reencontrado a superioridade perdida.

Em entrevista a AutoSprint desta semana, Toto Wolff confirmou a vantagem para sua equipe. Ele explicou que a Mercedes vinha enfrentando este ano problemas diferentes dos que enfrentou em 2017: lá uma dificuldade em encontrar o que chamou de “equilíbrio geral do carro”, cá problemas com a “justa janela de operação de temperatura dos pneus”.

Ninguém arrisca dizer que a mudança proposta pela Pirelli deriva de pressão da Mercedes, muito menos da Liberty Media para atrair mais atenção para o campeonato. Fica, porém, comprovado: é possível estimular ou punir hegemonias na Fórmula 1 com um ato comparativamente simples, que pode ser urdido por poucas pessoas, em curto espaço de tempo, sem violar regulamentos esportivos.

Conto esta história porque, em meio aos debates pelo novo regulamento de motores para 2021, vai se tornando explicito o interesse da Liberty Media por disputas mais apertadas, vencedores em rodízio, corridas imprevisíveis, incertezas e alternâncias, como se vê na Nascar. Esta, na opinião da dona da categoria, seria a solução para o que considera perda de interesse por parte do público mais jovem.

Como já disse aqui, mais de uma vez, julgo este um erro crasso de diagnóstico, contrariando quase 70 anos de história da Fórmula 1, marcada pelas hegemonias sempre reafirmadas, estão aí os anos Hamilton/Mercedes para confirmar.

Melhor seria ter uma visão menos gananciosa do negócio, reconhecer que o culto ao automóvel e ao automobilismo está sendo devorado pelos novos tempos e se conformar com uma Fórmula 1 menor, mais barata, menos ambiciosa e vaidosa do seu poder.

Não posso, contudo, imaginar que o capitalismo selvagem que move a Liberty Media, as equipes e todos mais que têm interesse financeiro na Fórmula 1 se rendam a este fato. E aí abre-se a porta para uma loteria pneumática aperfeiçoada como se viu na Espanha.

E sempre se pode contar com o uso mais frequente do safety car.

Por falar nisso, em Baku finalmente se viu uma disputa aberta pela liderança de um GP na saída do safety car, Valteri Bottas x Sebastian Vettel.

A ultrapassagem não se consumou, mas me acendeu uma lâmpada: já houve troca de liderança na Fórmula 1 em uma relargada? Eu não lembrava e, por isso, desafiei os colegas do Gepeto. O amigo leitor quer arriscar uma resposta?

Volto ao assunto mais abaixo.

Vettel errou em Baku?

Por óbvio que o alemão superestimou a capacidade de frenagem do seu Ferrari, mas resisto em apontar-lhe o dedo. Não era este arrojo o que tanto admirávamos em Gilles Villeneuve, Nelson Piquet e Ayrton Senna?

Vettel tinha todas as razões para considerar que, ou recuperava a liderança na relargada, ou não o faria mais, mesmo com aquele interminável retão. Além disso, sabia que estaria sob ameaça de Hamilton.

Resisto também em criticar Max Verstappen pelo seu comportamento nas corridas deste ano.

Um corredor, ainda que longe, muito longe, da sua plenitude, tem seu tempo de aprendizado e não creio que seja uma boa ideia encamisar alguém naturalmente veloz, de forma a que se contente em apenas terminar GPs. A meta, afinal, não é terminá-los e sim vencê-los.

Entendo que situações como a que resultou no choque entre os dois RBRs em Baku sejam parte do jogo. Burrice e erros de julgamento são o preço que se paga no aprendizado. Corredores que nascem prontos, como Emerson Fittipaldi e Piquet são raros, mesmo gente do quilate de Senna teve de trilhar um caminho mais ou menos longo até se tornar um senhor da pistas, pleno de seus direitos.

Destes casos, o de Nigel Mansell me parece ser o mais emblemático. Foram 75 GPs disputados em cinco anos até a sua primeira vitória, sendo que seu melhor resultado até então, um 2º lugar, havia sido obtido no GP anterior ao da vitória.

A Fórmula 1 terá tanta paciência assim com Verstappen?

Na entrevista a AutoSprint, Wolff deu como fato consumado o fim do kers-H, aquele ligado ao eixo do turbo compressor, no próximo regulamento de motores, lembrando que Ross Brawn, o responsável técnico da Liberty Media, considerou o equipamento o vilão dos motores atuais.

Interessante a afirmação de Wolff posto que os engenheiros consideram o kers-H um dos dois grandes diferenciais dos motores Mercedes, ao lado das baterias elétricas menores e mais eficientes.

Voltando às relargadas, depois de espremer nossas memórias, lembramos de um único caso: Montoya x Schumacher, Interlagos 2001, por sinal uma das mais belas ultrapassagens da história da categoria, o colombiano redefinindo os limites de velocidade e aderência do S do Senna.

Se não nos enganamos, segue sendo a único caso de ultrapassagem que valeu a liderança na saída do safety car na Fórmula 1 recente (recente mais ou menos…).

O chefão da Mercedes, Dieter Zetsche, teria dito a Wolff, que, para a montadora, o melhor é o Mundial ser vencido por Hamilton ou Bottas no último GP do ano, por um único ponto de diferença, gerando a maior visibilidade e atenção possíveis.

Por algum motivo, a frase de Dieter me lembrou outra, que teria sido dita pelo general George Patton, herói americano na II Guerra: “quero morrer pelo último tiro, da última batalha, da última guerra”.

Ouvi esta frase muito tempo atrás. Não sei até hoje, sinceramente, se ela é extraordinariamente poética ou extraordinariamente idiota.

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

5 Comments

  1. Thiago disse:

    Schumacher x Barrichello indianapolis…2004

  2. Arlindo Silva disse:

    Tem mais casos de ultrapassagens em relargadas:

    Melbourne 2002: Montoya sobre Schumacher onde o colombiano passou o alemão por fora após este ser pego de surpresa por uma escapada de pista de David Coulthard.

    Interlagos 2003: Coulthard sobre Barrichello. Ultrapassagem até fácil do escocês sobre o brasileiro.

    Indianápolis 2004: Schumacher sobre Barrichello. Novamente Barrichello cochilou na relargada, a ponto de Schumacher quase ter ultrapassado ele antes da linha de chegada.

    Melbourne 2006: Alonso sobre Jenson Button. Manobra cirúrgica do espanhol sobre um Button que largou na pole e sofreu com pneus numa pista fria o dia todo.

    De cabeça que me lembro temos esses casos. Também devem existir casos mais recentes.

  3. Mauro Santana disse:

    Grande Coluna Edu!!

    Já fazem alguns anos que, nós aqui no Gepeto sempre voltamos neste assunto, e sim, eu também temo que a Liberty siga neste caminho de nascariar a F1, esta errado isso, pois cada categoria escreveu a sua história da sua maneira.

    Aos poucos, se forem indo nesta linha, é capaz de termos circuitos ovais, ou até mesmo, uma 500 minhas de indianápolis no calendário da F1.

    Pode parecer um absurdo isso, mas destes caras, pelo visto, tudo é possível.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  4. Carlos Chiesa disse:

    George S. Patton era um idiota.

  5. Fernando Marques disse:

    Eduardo,

    v amos que vamos …

    1) Esta questão de alterar sem aviso prévio as especificações dos pneus acho bacana mas perigoso e não transparente … pois sempre vai levantar dúvidas de favorecimento para uma equipe em detrimento de outra … eu penso que o regulamento neste caso deveria dizer o seguinte: cada que use os pneus fornecidos pela Pirelli da maneira que bem entender e que faça quantos pit stops acharem necessários … quer um outro exemplo? … penso a mesma coisa em relação a esta questão de ter que se usar a mesma relação de marchas em todas as corridas … ora se posso através de uma nova relação melhorar o desempenho do carro por que não poder fazê-lo? … O grande problema da Formula 1 é que o avanço tecnológico é tão grande que ela deixou de ser uma coisa de se entender mais simples … mas como voltar atrás é uma palavra proibida na Formula 1, a cada ano que passa ela vai ficar mais complicada e quem sabe ficar pau a pau com estes regulamentos usados na Nascar …

    2) Não me recordo de nenhuma outra ultrapassagem em relargadas … mas duvido que ela seja tão bonita e tão bem feita como foi esta do Montoya em cima do Alemão Dick Vigarista …

    3) Com relação a Baku eu disse: Vettel fez o que tinha de fazer. Não deu certo por que o Valteri Bottas soube muito bem se defender … e não por que o VBettel errou …

    4) Quanto ao M. Verstappen, se ele sob seu ponto de vista não merece ainda receber críticas em relação ao seu comportamento, o mesmo deve valer pro Grosjean? … O acidente entre ele e Ricciardo em Baku, foi para mim um acidente de corrida (não houve um culpado em si) mas poderia ter sido evitado se ele defendesse a sua posição como o Bottas fez em relação Vettel.
    Verstappen fez a mesma coisa que Vettel fez em Baku ano passado e no mesmo ponto, que além dele tirou Raikkonen da corrida também …

    5) O que o chefão da Mercedes, Dieter Zetscheue quer eu chamo de manipulação de resultados … deixa os dois livres para se duelarem nas pistas desde que tragam seus carros inteirinhos de volta pros boxes ao fim de cada corrida …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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