Aberto ou fechado?

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As recentes mortes de Jules Bianchi e, principalmente, Justin Wilson, trouxeram à tona a discussão sobre o cockpit fechado.

Começo pedindo um minuto de silêncio.

Todos lamentamos o pavoroso acidente que vitimou Justin Wilson em Pocono.

Que trágico destino estar passando por aquele trecho da pista justamente quando um dos detritos lançados para o ar vinha com o endereço de seu capacete.

Alguém pode pensar que a F-Indy é menos segura que a F-1, mas basta lembrar que Jules Bianchi foi sepultado há pouco tempo para essa sensação desaparecer.

Trágico destino aquela máquina estar naquele lugar naquele momento. Em um país em que eficiência e disciplina contam muito, portanto os riscos de negligências são menores.

Não ocorria uma morte na F-1 desde 1994 mas, enquanto Wilson ainda estava no hospital Felipe Massa lembrava que sofreu acidente parecido, que poderia ter tido consequências muito mais sérias.

Certamente os capacetes foram melhorados desde então.

httpv://youtu.be/dLrtKAbRfxU

As viseiras tinham tido um importante upgrade mesmo na década de 70, após uma pedra ter cegado um dos olhos de Helmut Marko.

Certamente essa foi a época em que a segurança, para pilotos e público, começou a ser tratada realmente a sério, com Stewart e Fittipaldi à frente, usando seu prestígio para vencer barreiras.

Cascos Bell Star, integrais, versus os abertos usados por Clark, Rindt e outros, imortalizados no mitológico filme Grand Prix, foram unanimemente adotados. Estes já eram um enorme avanço comparados com os capacetes de pano do pré-guerra, não?

Roupas resistentes ao fogo, dispositivo externo para acionar o extintor de incêndio de bordo, guard-rails colocados corretamente, e por aí foi.

Para mim, esse tipo de capacete e proteção do corpo reforçava a semelhança dos pilotos com os cavaleiros medievais, com seus elmos e armaduras. As pinturas dos capacetes não são como as pinturas dos escudos, que identificavam cada cavaleiro?

Cavalo preto empinado, touro vermelho, estrela de três pontas… não são símbolos que parecem tirados das bandeiras militares de todos os tempos? O da Ferrari realmente era o símbolo do regimento original de Francesco Baracca, ás dos ases italianos da 1a. Guerra.

Aliás, originalmente as equipes não eram chamadas de escuderias? A Ferrari não é conhecida como La Scuderia, na Itália?

De vez em quando um cavaleiro 2.0 morre em pleno torneio.

A diferença é que não se usam armas nem há a intenção.

Fim do parêntesis.

A introdução do protetor de pescoço HANS já é bem mais recente.

Sistema para evitar que rodas se desprendam dos eixos e saiam voando também.

Que precedentes encontramos para acidentes como o de Justin?

O do jovem filho do legendário John Surtees, em uma corrida de F2 em Brands Hatch, semanas antes do acidente de Massa.

Henry Surtees foi fulminado por uma roda perdida de um carro acidentado segundos antes.

A memória se aviva e outros acidentes onde a cabeça dos pilotos foi o alvo aparecem.

Nos treinos de Watkins Glen 73 François Cevert bate de lado em um guard-rail, o Tyrrel ricocheteia para o outro lado da pista, vira de rodas para o ar a cavalo do outro guard-rail e corre assim ao longo da lamina por metros, cortando-lhe o pescoço.

Crueldade total. Não apenas era o herdeiro natural de Stewart, logo potencial campeão, como um dos rostos masculinos mais bonitos do circuito em todos os tempos.

O mais horrendo de todos foi o que vitimou o promissor piloto galês Tom Pryce e, ao mesmo tempo, um jovem fiscal de pista de 19 anos, Jansen Van Vuuren, em Kyalami 1977.

O fiscal atravessava a pista com um extintor de incêndio, para ajudar a controlar fogo aparentemente já extinto na Shadow-Ford de Renzo Zorzi.

Hans Joachim Stuck contorna a curva e entra na reta onde está parado o carro do italiano, com Tom Pryce colado em sua traseira.

Stuck consegue desviar, mas o galês, com a visão encoberta, não tem como detectar o rapaz. Em uma sequencia arrepiante, ele atropela o garoto a mais de 270km/h e o extintor que este carregava atropela seu capacete.

Ambos morrem na hora. O Shadow de Pryce segue a reta toda como um esquife inesperado, até o guard-rail final.

Era um momento sinistro, como o de Imola 94, em que as feiticeiras pareciam estar cruzando os céus em diferentes latitudes. Foi a primeira vitóriaa de Nikki Lauda após o acidente que o levou à extrema-unção, e a última corrida de “Moco” Pace, desaparecido em desastre aéreo antes do GP seguinte.

Podemos considerar o de Gilles também nesta categoria, porque morreu em consequências de lesões no pescoço e na cabeça. Foi arremessado do carro com banco, cinto de segurança e tudo.

Em 2015 as autoridades máximas da F1 não podem ficar inertes diante da possibilidade de outra revoada de vassouras mágicas.

Então, em setembro irá ser testada uma proposta de cockpit fechado feita pela Mercedes, chamada HALO.

httpv://youtu.be/j-vMPb5rkZM

Independente do resultado, não há solução simples.

Copiar a adotada pelos caças, aquela cobertura transparente feita em uma só peça chamada canopy, implica em complicar a saída do piloto por seus próprios meios e seu resgate em caso de empilhamento, como ocorreu recentemente entre Alonso e Kimi.

Os caças, como sabemos, tem assentos ejetáveis, que expelem primeiro o canopy, mecanismo que não se aplica na F1.

Esta solução também traria um problema inédito, que seria o de desviar os destroços que se chocassem contra ele, fazendo com que fossem eventualmente atingir o público.

Ninguém quer outra Le Mans 1955.

Uma outra proposta é instalar laminas com diferentes alturas na vertical, na frente do piloto. Parece que também complica a saída dele por seus próprios meios.

Não há mesmo solução simples.

Se você tiver alguma…

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

14 Comments

  1. Allan Guimaraes disse:

    Enfim, abordagens interessantes, bem distantes daquelas que falam em “riscos do esporte” ou descaracterização: tanto num como noutro, a F1 deu um jeito de se acabar esteticamente, já que bonitos eram os bólidos até os anos 80, com seus perfis de dragster que faziam curvas, bem como os autódromos, agora resumidos a retas seguidas de curvas fechadas, tudo muito plano, e com imensas áreas de escapes e, por fim, até 6km de extensão. Dito isto, o canopy é sim uma medida viável, com travas internas e externas de ejeção da peça, com força evidentemente menor que de um caça (afinal para isso acontecer, diferentemente de um caça com imensas pressões aerodinâmicas de velocidade e força g naturalmente em queda, o bólido estaria parado…). O único real problema é o monoposto capotado, mas o risco hoje de alguém precisar sair muito rápido de um bólido capotado para não arder em fogo é bem pequeno… Provavelmente a quantidade de acidentes em que o bólido virou e pegou fogo é bem menor do que os capacetes expostos a riscos com peças voando até mesmo um outro passar rente ao capacete, ou mesmo uma grua.

    • Carlos Chiesa disse:

      Tenho a impressão de que em qualquer outra época da F1 os carros eram mais bonitos e emocionantes do que essa insossa equação atual. Como já escrevi aqui em outra coluna, saudades dos 12 cilindros… Os autodromos também era mais desafiantes. Não tenho nada contra aumentar a segurança para pilotos e público, mas é preciso evitar perder de vista a razão de ser do espetáculo. Já faz tempo que as autoridades se enfiaram nessa armadilha.

  2. Mauro Santana disse:

    Grande texto Chiesa!!

    Realmente, é um assunto muito complicado, pois é uma grande barreira a ser quebrada, e neste sentido, estamos vivenciando uma mudança histórica na categoria, como um dia os moderes passaram a ser traseiros, capacetes a serem inteiros fechados, carros com grandes asas, e assim por diante.

    Outro exemplo, foi a morte de Dale Earnhardt, que em pleno ano 2000 ainda corria na Nascar com capacete aberto.

    Confesso que não sei o que pensar, mas, como já falei, se bruxas resolverem dar uma revoada, com ou sem o canopy, a morte irá reaparecer, pois do contrário, em carros de turismo não teríamos mais mortes.

    Acho que vamos presenciar uma grande mudança que esta por vir.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Carlos Chiesa disse:

      Sempre gentil, Mauro. “No creo en brujas, pelo que las hay, las hay.” Tem sido assim mesmo, depois que a porta é arrombada inventam-se trancas. Dificil (ou impossível?) prever tudo. Estou de acordo contigo, a figura sinistra de foice em punho não irá se ausentar completamente das pistas. Mas será interessante averiguar o que a tecnologia de ponta tentará fazer para esticar essa ausência ao máximo.

    • Marcelo C.Souza disse:

      Concordo contigo, Mauro!!! O esporte motorizado, em geral, sempre foi arriscado e sempre será, isto é fato!

      Por mais que as entidades das categorias de todo o mundo tentem melhorar a segurança dos bólidos(sejam carros, motos, caminhões, lanchas, etc.) e das pistas, o imponderável estará sempre à espreita, podendo vitimar qualquer um dos envolvidos(sejam pilotos, espectadores, mecânicos de box e/ou fiscais de pista) de forma imprevisível e implacável. E, com toda certeza, uma grande mudança no conceito das provas de open-wheels(carros de Fórmula) virá mais cedo ou ou mais tarde.

      Mas só uma pequena correção: o lendário Dale Earnhardt sofreu o acidente fatal na última volta da edição de 2001 da tradicionalíssima Daytona 500, e não em 2000.

      Um forte abraço!!!

      Marcelo C.Souza
      Amargosa-BA

      • Carlos Chiesa disse:

        Penso que é preciso equilibrar riscos desnecessários para pilotos e público, sem perder de vista que é um esporte em que o perigo é uma constante. O que as autoridades poderiam fazer para evitar que acidentes como o que ceifou parte das pernas de Zanardi se repitam?

  3. Rubergil Jr disse:

    Belo texto Chiesa. Eu também não sei o que pensar disso. Até acho que ficaria bonito, mas.. sei lá, não parece mais monoposto.

    Ah, uma correção: o GP da Africa do Sul de 1977 foi a primeira VITÓRIA de Lauda após o acidente, não a primeira CORRIDA.

    Abraço!

    Rubergil Jr.

    • Carlos Chiesa disse:

      Muito obrigado pelo elogio, Rubergil. Obrigado também pela correção, realmente Lauda venceu essa sinistra corrida. Pelo menos ela serviu para isso, palco de um esforço praticamente sobre-humano ser recompensado com uma vitória.

    • Allan Guimaraes disse:

      Rapaz, beleza não é sinônimo de F1 ou mesmo IRL. Há DÉCADAS deixou de ser. Se falar que se acostumou com o design bico de tamanduá e largura de carro popular, com asas imensas, também pode se acostumar com o canopy. Por fim, nunca, NUNCA é demais lembrar que fórmula tem por essência rodas descobertas, e é o que diferente de um WEC, cujo Audi R8, ou Porsche 936, ou Mirage, dentre tantos outros, venceram em Le Mans (especificamente) com o piloto exposto.

      • Carlos Chiesa disse:

        Tem toda razão, Allan. Os Indy também não ficam atrás dos F1 em matéria de falta de graça.

  4. Fernando Marques disse:

    Chielsa,

    a solução não é simples, muito pelo contrário …
    eu creio que a cobertura será aplicada aos formulas pois não existe outra melhor solução

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Carlos Chiesa disse:

      Pois é, Fernando, estou curioso para saber até onde a tecnologia de ponta chegará para
      resolver este problema.

  5. Lucas disse:

    A preocupação com a saída do piloto em caso de “empilhamento” é pertinente, mas não vejo porque a preocupação com o desvio dos destroços: no modelo atual, o perigo já existe (qualquer parte da carenagem tem o poder de desviar destroços em direção ao público, a existência de uma cobertura não faria grande diferença nesse sentido). Enfim, os eventuais problemas são muito menores que as vantagens. Vidas poderiam ser salvas por uma cobertura, mas com a atual eficiência das equipes de resgate não acho que acidentes seriam mais graves devido ao maior tempo de saída do piloto do carro associada à existência da cobertura.

    • Carlos Chiesa disse:

      Penso que o fantasma de Le Mans 55 jamais saiu do inconsciente coletivo dos dirigentes da F1. Além das cenas horripilantes, a tragédia afetou os negócios: a Mercedes se retirou das corridas por décadas e a Suíça proibiu corridas de automóvel sumariamente, e não mudaram de ideia até agora. Talvez seja exagero da FIA, mas… Quanto à eficiência do resgate, sempre pode haver uma situação em que o acidente ocorreu longe demais, com a convergência de vários fatores. Lembra do acidente em Congonhas com o Airbus da TAM? A causa foi uma soma de relativamente pequenos detalhes.

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