Amor de pai 2

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Leia a 1ª parte desta coluna:  https://gptotal.com.br/amor-de-pai-1/ ‎

Me parece que as críticas das que é objeto Lance Stroll são exageradas, pois o rapaz está se desenvolvendo bastante bem. Apesar da lógica bisonhice própria de alguém com apenas 18 anos de idade, em sua primeira temporada com a Williams, Lance terminou a apenas três pontos de Felipe Massa, seu companheiro e com mais de 250 GPs nas costas. Com seu terceiro lugar no Azerbaijão 2017, Lance seria o rookie mais jovem da história a subir ao pódio. Com aquele pódio, foi também o único piloto não pertencente a alguma das três grandes equipes do campeonato a pisar um de seus degraus.

Na temporada seguinte, com a Williams ainda em mais lamentáveis condições, Lance consegue pontuar em duas ocasiões. Em 2019, o canadense passa a competir pela Racing Point e uma vez mais é criticado, aduzindo estar sendo favorecido pelo pai, que havia passado a controlar a equipe. Lance teria Sergio Pérez como companheiro, piloto dez anos mais velho e com a experiência de 158 GPs disputados, 100 deles pela própria Force India/Racing Point – conhecia, portanto, muito bem o carro. Após um começo de temporada titubeante, Lance foi se reafirmando e já era habitual ver os dois bem perto no grid (em três GPs Lance até superou o mexicano na classificação).

Nesta temporada, acho que podemos comparar o rendimento de ambos, antes que Lance tivesse que se ausentar devido a seu contágio. Até então, dez provas se haviam disputado e, ainda que Sergio teve de se ausentar por contagio em duas delas, Lance abandonou em três por imponderáveis: motor na Áustria, pneu furado/acidente em Mugello e abalroado por Leclerc na Rússia. Assim, e apesar de haver terminado uma prova menos do que Perez, Lance estava um ponto à sua frente na classificação.

Contudo nada disso parece suficiente para os detratores de Lance, e as criticas que lhe dedicam ainda são mais exacerbadas desde que a escuderia é propriedade de um grupo de investidores liderados por seu pai e foi anunciada a contração de Sebastian Vettel para a próxima temporada, o que acabou provocando a necessária saída de um dos pilotos, sendo Perez o “sacrificado”. Desde então o pai também é objeto de críticas, acusando-lhe de praticar nepotismo por dar preferência ao filho, mesmo que o próprio Sergio, depois do GP da Hungria quando perguntado ao respeito diria: “eu também sou pai e não despediria meu filho!”

Confúcio nos deixou todo um legado de textos e frases que salientavam as bondades da honra e da honestidade. Textos que vem servindo de inspiração, pois constituem uma verdadeira guia moral. Num desses textos, Confúcio conta como, quando visitava uma vila na província de Shou, seu magistrado lhe diz orgulhoso que ali morava um rapaz tão honesto que denunciou o próprio pai, ao saber que este havia roubado uma ovelha. Confúcio então lhe responde: “na nossa vila a honestidade é diferente da sua. Ali os pais defendem os filhos e os filhos defendem os pais”.

Apesar da inegável carga moral dos ensinamentos de Confúcio, para o filósofo a relação entre pai e filho era algo sagrado e de suma importância, até o ponto de situar-se acima da lei. Com essa observação, apenas confirmava a propensão natural existente entre pais e filhos a proteger-se e a ajudar-se mutuamente, como algo próprio e consubstancial à nossa condição.

Portanto, não há nada de surpreendente em que Lawrence ajude a Lance. Contudo a Fórmula 1 é uma dura competição e lá na pista papai já não pode te ajudar. Lawrence, com todo o seu dinheiro, e como todos os outros pais, apenas ofereceu ao filho a oportunidade de demonstrar se tem condições ou não para aproveitar essa oportunidade, pois no fim tudo depende de Lance e de ninguém mais.

Nesta vida, as boas oportunidades são escassas. Tanto que constituem um bem em si mesmo. Portanto, é lógico que se busquem com afinco e onde quer que seja, e se o dinheiro ajuda… Como diz um ditado espanhol: “quem tem padrinho… é batizado”.

Porém, e recordando as palavras do próprio Élio de Angelis, “você pode comprar a sua entrada na Fórmula 1, mas uma vez que você está lá, no frio cockpit, a única pessoa que te pode ajudar é você mesmo!”

Contudo, não há forma de saber se, apesar de ser bem sucedido, algum desses pilotos que desfrutaram do favor do pai não acabou ocupando o lugar de outro, que poderia ter sido ainda melhor. De modo que, no fim, o único que permanece na memória coletiva é o que foi feito com essa oportunidade, pois se os resultados são satisfatórios… ninguém nem sequer lembrará como foi conseguida essa oportunidade.

Isso mesmo é o que aconteceu com de Angelis e com outros pilotos cuja ajuda do pai foi crucial em suas carreiras, mas que uma vez bem sucedidos, essa ajuda passou a um segundo plano e quase a uma simples curiosidade em suas trajetórias. Assim temos outro exemplo no caso de Nico Rosberg, piloto também muito criticado em seus inícios pela ajuda recebida do pai. Nico debutaria na competição com os kart e desfrutando do apoio do pai Keke, quem sempre se assegurou de que seu rebento dispusesse do melhor equipamento possível, conseguindo que o filho competisse sob a tutela de Dino Chiesa, afamado construtor e preparador de karts. Anos mais tarde, Dino também se ocuparia da carreira de Lance Stroll.

Depois de uma primeira aproximação aos monopostos em 2001, Nico passa a disputar a Fórmula BMW em 2002 com a equipe de seu pai, que participava com o nome Viva, consagrando-se campeão. Em 2003 e 2004, Nico ascende à Fórmula 3 e continua competindo com a equipe de Keke, conseguindo o 4º lugar em 2004, justo à frente de um tal de Lewis Hamilton. Suas boas performances lhe valem entrar na escuderia ART da GP2 Series de 2005, com a qual seria o campeão.

Esse mesmo ano já passaria a ser piloto de testes da escuderia Williams, para ser piloto titular a partir de 2006. Desnecessário dizer que, sem o apoio e as oportunidades que lhe brindou Keke, é bem possível que Nico nunca tivesse mostrado suas qualidades.

Noutro de seus textos, Confúcio se refere a seu filho Li, falecido ainda jovem. O rapaz, cuja vida havia sido muito mais fácil que a do pai, nunca chegou a destacar podendo considerar-se um sujeito apenas medíocre. Contudo, o pai se referia a seu amado filho dizendo: “tanto se tem ou não tem talento, ele ainda é meu filho”. Assim, para Confúcio, o único que importava é que Li era seu filho.

Contudo, numa competição tão dura quanto a Fórmula 1, ser “o filho” não é suficiente. Podemos até recordar os casos de Mathias Lauda e de Tomas Scheckter, filhos dos bem recordados campeões Niki e Jody. Apesar de portar ilustres sobrenomes, parece que os filhos não herdaram o talento que adornava os pais e, por muita ajuda que tivessem, suas carreiras não chegaram longe. Inclusive temos os casos de Damon Hill e de Jacques Villeneuve, ambos também filhos de ilustres e queridos pilotos. Ainda que suas carreiras começassem quando seus pais já haviam falecido, creio que portar seus sobrenomes lhes abririam muitas portas e lhes brindariam boas oportunidades fora do alcance de outros aspirantes.

No caso de Lance, além da pressão própria da dura concorrência à que se enfrenta, o rapaz tem a pressão de não decepcionar o pai. Por sua parte Lawrence também está sob pressão, pois tem que prestar contas aos outros sócios sobre o bom andamento de seu investimento. Assim, e considerando que Lance ainda é muito jovem, podemos até recordar as palavras de J.C.Viana em sua recente, e como é habitual excelente coluna, intitulada “Hamilton 92” :  “nem todos os jovens pilotos têm a mesma velocidade de desenvolvimento”.

Podemos também recordar que Max Verstappen em seus inícios chegou a ser popularmente conhecido como Max Crashtappen, por todos os acidentes que provocava, portanto não é descabido pensar que Lance tenha margem para melhorar, mas no caso de que essa melhora não se produza, sua presença na Fórmula 1 vai continuar sendo questionada impiamente e atribuída a fatores extraesportivos.

Por agora, o rapaz vai melhorando e ainda que Lance nunca chegasse a ser uma estrela, pode muito bem ser o suficientemente bom para permanecer na categoria. No entanto se essa melhora não vem e a sua continuidade na equipe representa um prejuízo, o mais provável é que seja o próprio Lawrence quem lhe diga que se dedique a outra coisa, pois nenhum pai gosta de ver seu filho fazer o ridículo e submetido a escárnio publico.

Em definitiva, as críticas que se dedicam tanto ao pai quanto ao filho me parecem excessivas, pois não estamos perante um comportamento que nos seja desconhecido. Não me parece que a ajuda que presta Lawrence a Lance seja algo excepcional ou censurável, visto que não se trata de nenhuma novidade na categoria… Nem em nenhuma outra parte.

Assim, levando em consideração as palavras de Confúcio sobre a nossa natural propensão a ajudar os filhos, creio que mais do que um caso de nepotismo, se trata pura e simplesmente de amor de pai.

Um abraço e até a próxima.

Manuel Blanco

P.S.: Dedico esta coluna à memória de meu pai e à de todos os pais!

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

7 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Olá Manuel!

    Parabéns por mais esta eccelente coluna.

    Aproveitando o gancho do Fernando, também lhe faço uma pergunta:

    Eduardo Barrichello tem futuro na F1?

    Certa vez vi uma entrevista do Rubinho falando de seu filho, que ele consegue abrir algumas portas, mas, que não consegue mante-las abertas.

    Torço para que o próximo Barrichello chegue na F1.

    Abraço!

    • Manuel disse:

      Oi Mauro,

      Como disse Nils Bohr: “Fazer previsões é algo muito difícil, especialmente sobre o futuro ! “

      Confesso não ter seguido a carreira do garoto e só agora consultei as suas estatísticas. Pelo que vi, não há nada extraordinário que faça abrigar alguma esperança de que chegue à formula um, a menos que algum patrocinador aporte um bom dinheiro.

  2. Manuel disse:

    Olá Fernando,

    Bom, Nelsinho foi outro desses pilotos cujo pai lhe brindou a oportunidade de mostrar se tinha qualidades para chegar à formula um e seu histórico mostrou que sim, pois em 2006 seria vice campeão na GP2, perdendo por pouco para Hamilton.
    Uma vez na F1 o rapaz não fez feio, chegando a conseguir um pódio em sua primeira temporada e, mesmo que fosse numa corrida atribulada, ele manteve um bom ritmo durante toda a prova. Então a Renault já não era a que foi nas temporadas dos títulos de Alonso, que havia retornado à equipe e recebia as máximas atenções.
    Contudo e ainda sem o chamado crashgate da Singapura, creio Nelsinho não estava convencendo o suficiente para continuar na formula 1 e o incidente apenas precipitou sua saída da categoria. Talvez ele mesmo era consciente disso e acedeu a participar da falcatrua como um recurso para continuar na equipe.

  3. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    vou deixar uma pergunta no ar, caso queira, gostaria da sua opinião. Nelsinho Piquet teria futuro na Formula1 se não fosse aquele episodio de Singapura?

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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