Amor não correspondido

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Histórias de amor contadas nos livros ou cinema em sua maioria remetem a finais felizes. Recentemente assisti o filme “Um Dia”, estrelado por Anne Hathaway. O enredo é o de uma moça e um rapaz, ambos colegas de estudo, que saem juntos uma noite para comemorar a formatura na faculdade, trilhando a partir dali caminhos diferentes. Eles acabam se reencontrando todos os anos, na mesma data, continuam muito próximos, mas o romance é algo que a personagem de Anne mantém dentro de si e não consegue engatar o amor que sente. Sugiro que assistam, é um bom programa para os que gostam de romances, mas com desfecho diferente dos romances de finais previsíveis, desculpem o spoiler…

Cena do filme “Um Dia”, com Anne Hathaway

E o que afinal isso tem a ver com Fórmula 1?

Muitas vezes usamos o nosso amor pelo automobilismo como pano de fundo para muitas coisas que nos cercam. Por vezes me vi comparando a relação dos pilotos com certas pistas como histórias romanceadas, onde conquistas, brigas, celebrações ou tragédias marcaram o que presenciei.

Numa dessas coincidências do destino, estou revendo a biografia de Jim Clark e encontrei na trajetória desse aclamado gênio uma história de amor com um desses desfechos não correspondidos.

É a sua história nas participações do GP de Mônaco.

Falar em Jim Clark, sem dúvida, faz com que uma quase unanimidade de fãs o coloquem na lista dos maiores pilotos de todos os tempos. Seus números conquistados nos anos sessenta corroboram com essa questão.

Clark participou de 72 GPs oficiais, conquistando, 25 vitórias (34,7%), 33 pole-positions (45,8%) e 28 voltas mais rápidas (38,9%), tendo subido 32 vezes ao pódio (44%) das suas participações. Outro ponto também chama a atenção: Clark participou de competições na Fórmula 1 em 13 países diferentes, vencendo em 9 deles. Só não conseguiu vitória em Portugal, Áustria, Canadá e… Mônaco. Nos três primeiros países, ainda há um ponto plausível: correu neles apenas uma vez, sendo Portugal em 1960, Áustria em 1964 e Canadá em 1967.

Em Mônaco foi diferente. Foram seis participações, e Mônaco, logo Mônaco, a mais emblemática das pistas, onde a realeza se fez sempre presente, ainda mais nos anos sessenta, o glamour e o sex appeal dessa pista são enormes, por isso ela está na lista da tríplice conquista que muitos perseguem – mas que só Graham Hill ganhou até agora.

Mas a pista de Mônaco se fez de rogada e nunca viu uma vitória do escocês… ou será que não permitiu? Ou será que o escocês não fez jus a sua fama de grande piloto e domou a pista? Fiquei intrigado e pesquisei. As participações de Clark em Mônaco foram de 1961 a 1967, com exceção de 1965, fato explicado mais adiante.

Jim estreou na Fórmula 1 em 1960, na Holanda, a corrida de Mônaco já havia acontecido. Em seu ano de estreia já era possível perceber que ali estava um futuro campeão, seu melhor resultado no ano seria um terceiro lugar no GP de Portugal, penúltima prova da temporada.

Quando a temporada de 1961 começa, por Mônaco, o escocês já dava mostras de sua velocidade e habilidade. Nos treinos, ele marca a terceira posição, numa época em que a primeira fila era composta por três carros. Vem a largada, mas ele cai para último. Mesmo assim, se coloca numa corrida de recuperação e termina em décimo lugar. Era apenas sua sétima corrida na categoria e dava para esperar por outras oportunidades. Na prova seguinte, na Holanda, Clark obtém outro pódio ao terminar na terceira posição, resultado que ele repete na França, na Alemanha, ele termina em quarto e termina ao no de 1961 na sétima posição no mundial, com 11 pontos.

1961, primeira tentativa: Clark é o carro #28, na primeira fila

Vem a temporada de 1962, a prova de abertura é na Holanda, em seguida vem Mônaco e nessa edição Clark obtém sua primeira pole-position. Será que ele conquistaria sua primeira vitória? Na largada, Clark sai mal e cai para a sexta posição, mas logo faz uma bela recuperação e na volta 28 está em segundo lugar, posição que ele mantem até a volta 55, quando sua embreagem quebra e ele abandona.

A primeira vitória vem na corrida seguinte na Bélgica, na pista de Spa-Francorchamps. A temporada de 1962 marca a subida de Clark ao panteão de grande piloto, ele vence três corridas e conquista seis poles, mas ele acaba perdendo o título para Graham Hill na última prova, numa quebra de motor surreal.

Vem a temporada de 1963, disputada em 10 corridas. Clark vence nada menos que sete delas, com mais sete poles e nove pódios. Mas Mônaco mais uma vez escorreu entre os dedos. Fez a pole, liderou 61 das 100 voltas, mas teve o câmbio quebrado na volta 78.

Em 1964, Clark novamente é pole. Larga bem e lidera por 36 voltas. Durante a prova, cai para terceiro e já estava em segundo quando, apenas quatro voltas do fim, seu motor quebra. O escocês ainda se classifica na quarta posição, resultado que acabaria sendo a melhor posição que ele obteve no circuito de Mônaco em sua carreira.

Na temporada de 1965, Clark abre mão de disputar a corrida em Mônaco, segunda etapa do ano, para atravessar o Atlântico e disputar as 500 milhas de Indianapolis. Decisão acertada, já que venceria a corrida, em sua terceira tentativa. Interessante olhar essa atitude e decisão, pois o seu domínio na temporada de 1965 foi avassalador. Mesmo se ausentando de uma corrida, ele vence seis corridas e conquista o bicampeonato com três corridas de antecipação.

A temporada de 1966 marca a famosa mudança de regulamento com os motores que passam de 1.500 para 3.000 cilindradas. A equipe Lotus disputa a prova de Mônaco com o modelo 33 equipado com motor Climax improvisado, de 2.000 cilindradas, bem menos potente do que o regulamento permitia. Mesmo assim, Clark conquista a pole na classificação, mas novamente tem um problema na largada. Em último, faz nova prova de recuperação, indo para o quarto lugar já na volta 37. Uma quebra de suspensão na volta 60, porém, decreta mais um abandono.

A Climax, principal parceira da Lotus nos anos anteriores, não se preparou para a fase da mudança para as 3000 cilindradas. Então, durante a temporada de 1966 e as duas provas iniciais de 1967, além de usar o Climax improvisado de 2.000 cilindradas, a Lotus também usa o bizarro motor BRM H16, que mesmo tendo 3.000 cilindradas e tendo uma boa potência, nada mais era que uma junção pouco inteligente de dois motores V8 1.500 deitados, com muito peso e quase nenhuma confiabilidade.

A Lotus, na figura de Colin Chapman, negociara com a Ford e havia a expectativa para a chegada dos motores Cosworth DFV V8. Mas estes só ficaram prontos em maio, forçando Clark novamente a disputar Mônaco com o Climax 2.000 fraquinho, enquanto praticamente todos os rivais já contavam com motores muito melhores. A participação de Clark nessa corrida acaba sendo uma versão piorada de sua corrida do ano anterior. Quinto no grid, novamente teve problemas de largada, novamente subiu para quarto lugar e novamente teve suspensão quebrada, dessa vez na volta 42. O único consolo é que aquela seria a última corrida com motor defasado.

1967: uma suspensão quebrada quando era quarto

O GP seguinte é o da Holanda, chega o novo Cosworth DFV, Clark vence logo de cara e mostra que o novo motor seria dominador. Apesar de vencer quatro provas na temporada, Clark termina 1967 em terceiro. Olhando em retrospectiva, ele só não foi campeão devido às fragilidades iniciais do motor que, ao final do ano, estavam sanadas. Tudo indicava que em 1968 a dupla Clark e Lotus seriam os protagonistas.

A prova de abertura do campeonato de 1968 foi em janeiro, na África do Sul, e Clark não decepciona: vence sua 25ª corrida e quebra o recorde de vitórias do lendário Juan Manuel Fangio. A etapa seguinte já seria Mônaco, mas com um intervalo de quatro meses. Havia um fio de esperança de que finalmente veríamos Clark vencer com o agora imbatível modelo Lotus 49 e seu motor Cosworth.

Mas antes disso, em abril, veio a corrida de Fórmula 2 em Hockenheim e esse sonho foi um dos muitos que deixamos de ver o escocês obter.

As participações de Jim Clark em Mônaco estão nos números abaixo:

Ele teve 6 participações – obteve 4 poles

Mônaco 62 marcou a primeira pole da carreira do escocês

Corrida de 63 – liderou 61 voltas

Prova de 64 liderou 36 voltas

61 – Décimo, cumpriu 89 das 100 voltas

62 – Abandono embreagem

63 – Oitavo, quebra de câmbio na volta 78 de 100

64 – Quarta quebra de motor na volta 96 de 100

66- Abandono na volta 60, quebra de suspensão

67- Abandono volta 42, quebra de suspensão

 

Tal qual o filme “Um Dia”, onde os protagonistas só se entendem perto do fim e uma morte inesperada termina o romance, vi um paralelo entre esse filme e o enredo das participações de Jim Clark na pista de Mônaco.

Para Jim Clark e Mônaco, o amor chegou na hora errada…

Até a próxima!

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

3 Comments

  1. Wladimir disse:

    Bom dia a todos.
    Apenas um adendo à resposta do Fernando: Outro motivo para Jim Clark não vencer em Mônaco, acredito eu, tem o nome Graham Hill. O primeiro mister Mônaco devia considerar as ruas do principado como extensão de sua casa pois no mesmo período venceu quase todas as edições. Com o detalhe de vencer seguidamente de 1963 a 1965.

  2. Fernando de Carvalho disse:

    Jim Clark é, o maior exemplo de como, nesta época, as quebras impactariam nos números, meio óbvio, mas sem estas Clark teria ao menos 4 títulos de campeão. Enfim, um dos grandes, somente atrás de Fangio e na frente de Sena, em minha opinião.

  3. Fernando marques disse:

    Mário,

    Vou fazer uma analogia entre o futebol e a Fórmula 1, para te parabenizar pela excelente coluna que você escreveu.

    Zico nunca ganhou uma Copa do Mundo.
    Azar da Copa do Mundo.

    J. Clark nunca venceu o GP de Mônaco.
    Azar do GP de Mônaco.

    A Copa do Mundo e o GP de Mônaco seriam em termos de grandeza maiores ainda.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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