Andretti Curse: a maldição da Indy 500

Jack Brabham (1926-2014)
19/05/2014
Uma Mônaco prateada?
23/05/2014

Todo mundo conhece algum tabu esportivo, inclusive no automobilismo, mas aqui você verá que um simples tabu pode evoluir para uma grande maldição, a Andretti Curse

por Guilherme Giavoni* (@g_giavoni)

*Jornalista formado há pouco, mas fã de esportes sempre. Acompanha automobilismo desde criança, já que em casa isso é assunto de almoço. Gosta de esportes americanos, fala sobre NFL, basquete e nunca perdeu uma edição de 500 Milhas de Indianápolis desde 2001.
_______________________________________________________________________

Nem só o automobilismo é feito de mistério. Os tabus existem desde sempre, desde que o homem tentou compreender o mundo como ele é e chegou ao ponto que ele simplesmente não conseguia explicar. O tabu esportivo é a mesma coisa, não conseguimos explicar muitos deles, tanto que acabam de certa forma evoluindo para o que chamamos de maldição esportiva.

Tabus esportivos são uma espécie de fase branda da maldição esportiva. Compreende aquele time que nunca vence fora de casa, ou jogador que não atua bem diante de uma equipe específica etc.

Um tabu esportivo pouco falado envolve o nome do técnico de basquete Phil Jackson. O “Mestre Zen” é o maior vencedor da NBA na história, mas depois que ele deixou suas equipes, elas nunca mais venceram o campeonato. Foi assim com o New York Knicks em 1973 (como jogador), o Chicago Bulls em 1998 e o Los Angeles Lakers em 2010 (ambas como treinador). Phil retornou ao Knicks este ano, dando esperança ao lado laranja de New York.

Maldições são mais complexas. Estamos prestes a entrar em mais uma edição da Copa do Mundo, que traz com ela a maldição do retorno do treinador vencedor. Vicente Feola, por exemplo, foi campeão com o Brasil em 1958 e fracassou ao retornar em 1966. Mesmo caso de Marcello Lippi, vencedor com a Itália em 2006. Ele se retirou da seleção e voltou para a edição de 2010 do torneio e caiu fora ainda na primeira fase ao empatar um duelo contra o time da Nova Zelândia. Não podemos nos esquecer que Felipão vencem em 2002 com o Brasil e está de volta, assim como Parreira venceu em 1994 e fracassou em 2006.

As maldições podem atravessar os times e afetar cidades. Buffalo, no Estado de New York é um exemplo claro. As equipes profissionais do Bills (NFL), Sabres (NHL) e Braves (extinto na NBA) bateram na trave e nunca venceram um campeonato. Essa maldição viajou para a costa oeste, quando o Braves se torneio San Diego Clippers (hoje Los Angeles Clippers). Ah, San Diego também nunca alcançou um campeonato…

O beisebol também tem seus episódios malditos. Um deles envolve o considerado maior de todos: Babe Ruth. Il Bambino, como era chamado, foi transferido do Boston Red Sox para seu maior rival, o New York Yankees. A equipe de Boston depois disso enfrentou a maldição e ficou 86 anos sem vencer o campeonato. Porém a maior maldição de todas é do Chicago Cubs, campeão pela última vez em 1908, é a maior seca da história do esporte. A última vez que o Cubs chegou perto, Steve Bartman, um simples torcedor foi pivô de uma das maiores histórias recentes do esporte, sendo até destaque em um episódio do “30 for 30”, série de documentários da ESPN.

Outro tipo de maldição esportiva é a colocada por algum personagem. Bobby Layne é famoso por colocar uma das maiores maldições da história no Detroit Lions, time da NFL, a liga de futebol americano. Layne se irritou ao ser trocado em 1958 e disse “Detroit would not a win for 50 years”. E que palavras, o Lions realmente ficou 50 anos sem vencer, sendo ainda um dos quatro times da NFL a nunca disputar um Super Bowl.

Indianápolis

Com o mês de Maio chega uma das corridas mais esperadas do ano: a Indy 500. Disputada no solo sagrado da Brickyard, as 500 milhas são emblemáticas, emocionantes e um tanto misteriosas. As histórias são extensas, com rodadas na largada, quebras no fim, batidas na última curva, o famoso banho de leite e a face do vencedor no gigante Troféu Borg-Warner.

Disputada sempre no último domingo do quinto mês, a Indy 500 possui seus heróis, como Al Unser, A.J.Foyt e Rick Mears, os maiores vencedores com quatro conquistas cada. O Brasil está bem representado com três vitórias de Hélio Castroneves, duas de Emerson Fittipaldi e uma de Tony Kanaan e Gil de Ferran.

A lendária prova de 500 milhas também é uma tradição familiar, algo de pai e tio para filho e sobrinho. A família Unser, por exemplo, tem 9 conquistas na prova: 4 de Al Unser, como já citado, 3 de seu irmão Bobby Unser e duas de Al Unser Jr. O clã dos Unser também é o recordista de números de voltas lideradas, individualmente com Al – 644 – e coletivamente com 1194 voltas sem ver ninguém.

Já outras famílias não possuem tanta sorte e isto não é um programa do Family Feud. Os Andretti possuem um nome de peso no automobilismo mundial. O patriarca Mario é um dos poucos homens no mundo que transitam sem problemas pela Europa e Estados Unidos sendo reconhecido como ídolo nos dois lados do oceano.

Mario teve uma carreira brilhante, sendo campeão na Fórmula 1, Indy e um recordista ao lado de A.J. Foyt, sendo ambos os únicos a vencerem as duas provas de 500 milhas nos Estados Unidos: Indianapolis e Daytona, na Nascar.

E em território de Indiana, Mario começou com sorte: venceu as 500 milhas de 1969, apenas cinco anos depois de sua primeira tentativa em 1965. E foi dominante, com 116 voltas lideradas! A Andretti Curse, a maior maldição do automobilismo tem início quando a bandeira quadriculada foi agitada para o velho Mario.

A partir da vitória, uma série de quebras, batidas e outros problemas pautaram a vida do ítalo-americano. Foram mais 24 participações, sendo que em 15 ele nem sentiu o gosto da liderança. Em 1987, o patriarca Andretti pilotou nada menos que 170 (a corrida tem 200 voltas ao todo). Ele colocou segundos de vantagem em Roberto Guerrero na segunda metade da prova e ia caminhando a passos largos rumo ao título da corrida.

Com apenas 25 voltas de sentir o gosto do leite, Andretti possuía uma volta de vantagem sobre Guerrero e duas sobre Al Unser, o terceiro, e assim aconteceu a última rodada de pits. Mario entrou e saiu rapidamente, mas uma falha elétrica na bomba de combustível colocou fim ao sonho. E pior, adivinhem quem venceu a prova. Isso, Al Unser. É a Andretti Curse.

Mario largou as pistas em 1994 com 29 participações em Indianapolis, uma vitória e 424 voltas lideradas sem vitória, o que dá mais de duas corridas completas, ou 1060 milhas. Ele ainda entrou num carro de Indy pela última vez em 2003 para dar algumas voltas, mas bateu e capotou. O susto vai para a conta da Andretti Curse.

A maldição familiar é passada assim como o talento familiar. Como os Unser passaram as vitórias um para o outro, os Andretti passaram a falta de sorte, um eufemismo barato para dizer que eles possuem um azar desgraçado nesta pista.

Bem menos talentoso que o pai, Michael Andretti fez sua estreia nas 500 milhas de Indy em 1984 e chegou em quinto. Em 1986 vieram as primeiras voltas lideradas, 45 ao todo, em edição vencida por Bobby Rahal. Em 1989, Michael liderou 35 na edição que Emerson Fittipaldi venceu pela primeira vez.

Em 1991, Michael tinha um carro mais rápido, porém levou uma das ultrapassagens mais sensacionais da história da Indy 500. Rick Mears se aproximou na reta e depois de um longo duelo, colocou por fora levou a vantagem na curva 1 para vencer pela quarta vez. Para Andretti, restou o segundo lugar, sua melhor colocação na prova.

Lembram das 170 voltas lideradas por Mario sem vencer? Michael quase fez o mesmo em 1992. Foram 10 a menos, é verdade, mas a situação fora parecida. A 20 voltas do fim, Andretti tinha 20 segundos de vantagem para os Unser Al e Jr, além de Scott Goodyear, e quem o traiu foi o sistema de combustível. Assim como seu pai cinco edições antes… A decepção Andretti não parou por aí, porque o vencedor foi Al Unser Jr. A sorte de uma família é o azar da outra.

Michael ainda liderou mais cinco provas, mas não chegou perto da vitória. Ele abandonou a Indy com um recorde que ninguém quer: o maior número de voltas lideradas sem vencer na história da Indy 500: 431. Michael finalmente desistiu e fundou sua equipe em sociedade, a Andretti-Green. Mas antes se passar para o lado esquerdo do pit wall, o herdeiro de Mario ainda foi papel de destaque em uma prova quase vencida por seu filho Marco.

Isso mesmo, outro Andretti no pedaço. E tirando os sobrinhos John e Jeff, que pouco fizeram em suas participações, a família tinha uma nova esperança. E o jovem Marco seguiu a boa estreia da família em uma das provas mais espetaculares já realizadas em Indianápolis. Lembram que eu falei do Michael Andretti? Sim, ele entra aqui.

Já como dono de equipe, Michael viu sua equipe liderar a prova de forma absoluta com o quarteto Tony Kanaan, Bryan Herta, Dan Wheldon e… Marco Andretti! A dez voltas do fim, Marco foi para os boxes completar o combustível e no mesmo momento, o brasileiro Felipe Giaffone tocou o muro, chamando a bandeira amarela. Como estava no pit, Marco conseguiu voltar à prova na segunda posição, pois seu pai não havia entrado e era líder.

Na relargada, Sam Hornish Jr. era o quarto, mas estava em boas condições com pneus novos após pagar uma punição de drive-through durante a prova. Na volta seguinte ao agito da verde, Marco superou o pai e caminharia firme para a vitória e uma dobradinha Andretti se Hornish não tivesse encostado. O piloto da Penske passou para segundo e tentou na curva 3 sobre Marco, levando uma fechada, um toco digno de Shaquille O’Neal.

Marco recebeu a bandeira branca e a maldição estava caindo! A família toda nos boxes já esperava vencer, mas na última curva, Hornish forçou e saiu ‘estilingado’, colocando de lado no vácuo e tomando a liderança com menos de 400 metros para o fim: vitória da equipe Penske e a conta da Andretti Curse recebia um novo depósito.

É verdade que como dono de equipe Michael venceu a prova duas vezes, com Dan Wheldon em 2005 e Dario Franchitti em 2007, mas sua maldição atravessou países e chegou ao Brasil, com Tony Kanaan, que só venceu Indy após deixar o time da família Andretti.

Tabus ou maldições esportivas podem ser apenas coisa do imaginário coletivo. Pode ser que a família Andretti não saiba o segredo de se vencer uma prova longa sem desgastar o carro nas voltas iniciais ou pode ser simplesmente falta de sorte. Como diz aquele ditado espanhol: “não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem“.

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

16 Comments

  1. Lucas disse:

    Odeio ser o chato da ortografia, mas como vi o erro repetidamente, vale avisar: não se diz “há x voltas do fim”, mas “A x voltas do fim”. O “há” só se usaria em algo como “ele não ganha há x corridas” 🙂
    No mais, excelente texto!

  2. Mauro Santana disse:

    E por falar na família Andretti, o que dizer deste acidente bizarro no GP de Detroit em 1991.

    http://www.youtube.com/watch?v=GKe92kHwZSc

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  3. Ronaldo de Melo disse:

    As 500 milhas vão ter alguém transmitindo além do BandSports?

  4. Mário Salustiano disse:

    Guilherme

    Parabéns pela coluna e abordagem dessas duas famílias que com ou sem maldição são sinônimo de velocidade

    abração

    Mário

  5. Rubergil Jr disse:

    Gostei muito do texto, mas achei uma falha imperdoável não ter dado mais destaque a esta corrida de 1992 como A MAIS amaldiçoada para a Andretti. Pois além do citado abandono de Michael, a corrida ainda teve um acidente feio com o pai Mario (quebrou o pé) e outro pior ainda com o irmão mais novo (e não sobrinho) Jeff, muito semelhante ao acidente do Piquet e com resultado praticamente igual: fraturas feias nas duas pernas.

    Agora imagine-se no lugar do Michael: dominando uma corrida caótica, vendo o pai se acidentar, depois o irmãozinho, acompanhando o longo resgate volta a volta preocupado, acelerando fundo mesmo com o pai e o irmão no hospital, quando o carro para a 20 voltas… Essa corrida foi muito cruel com a família.

    E 2003 foi a cereja do bolo…

    • Rubergil, claro que a prova de 1992 foi a mais cruel, sem dúvida, mas a ideia é falar do tabu familiar como um todo. Acho que essa prova de 1992 dá mais um texto exclusivo sobre ela, um subcapítulo da maldição. Obrigado pela leitura, abs!

      • Rubergil Jr disse:

        Boa idéia, já “cobrei” o Lucas Giavoni (é parente? irmão? primo?) pra uma coluna sobre 1992. E sobre o Mercedes Indy 1994. Ah, tanta coisa pra falar…

        Continue a escrever mais, abraço!

  6. Mauro Santana disse:

    Faço minhas as suas palavras Fernando.

    Que chegue logo domingo.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-Pr

  7. Fernando Marques disse:

    O próximo fim de semana é o mais importante do automobilismo … num mesmo domingo duas corridas impares: 500 milhas de Indianapolis e o GP de Mônaco … é muito bom demais …
    Com relação a coluna achei sensacional e me vem a mente a seguinte pergunta: quem é mais querido na Indy: a familia Andretti ou a familia Unser?

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Fernando, acho que as duas famílias se equivalem no gosto do público, mas a gente deve lembrar que Mario Andretti foi campeão na Europa também, na F1. É um ponto para os Andretti. Obrigado pela leitura, abs!

      • Mário Salustiano disse:

        amigos Fernando e Guilherme

        Meu palpite é que dentro estritamente do automobilismo e torcedores americanos acho que os Unsers levam vantagem sobre os Andrettis, temos a natural tendência de pensar nos Andrettis exatamente pelo fato de Mário ter feito sucesso fora dos EUA na Fórmula 1 . Vou citar para exemplificar um piloto que é idolatrado pelos americanos ,Richard Petty mas que é pouco lembrado fora das fronteiras americanas

        abraços

        Mário

Deixe um comentário para Mário Salustiano Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *