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As voltas mais rápidas de Senna – parte 2
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Esta série de colunas — teremos mais duas partes — foi originalmente publicada em julho de 2008, por isso algumas referências desatualizadas a números de alguns pilotos. O texto trata das voltas mais rápidas em corrida de Ayrton Senna. Seus críticos costumam apontar o total relativamente baixo de melhores voltas em GP como um ponto fraco do piloto ou, pelo menos, uma das ”provas” de que ele não era completo. Bobagem. Seria como dizer que Lionel Messi não é ”tão bom assim” por ter poucos gols com a perna direita…

Uma marca desprezada

Ao longo de sua carreira, nos 161 GPs que disputou, Ayrton Senna assinalou por 20 vezes o recorde da pista. Na verdade, os registros históricos contam 19, e Senna fica empatado com Damon Hill. Isso acontece porque lhe é descontada a melhor volta do Grande Prêmio do Japão de 1989, onde foi desclassificado, sendo creditada a Prost, que chega por conta disso a 41 melhores voltas.

O que mais notabilizou Ayrton, porém, não foram suas voltas rápidas em corrida, e sim em treinos classificatórios. Foram 65 ao longo da carreira, número três vezes maior do que o de voltas mais rápidas. Por que, então, acontece essa espécie de discrepância? O jornalista Marcio Madeira da Cunha nos dá a dica: “Senna, assim como Fangio e Clark, era um piloto descendente”.

Marcio explica: “[os descendentes] normalmente são as caças, e não os caçadores. (…) são mais espetaculares”. Em contraponto a eles, existem os pilotos ‘ascendentes’, que seriam representados por Alain Prost e Michael Schumacher, entre outros, definidos como “cerebrais”. Assim, notamos que os descendentes são os pilotos que largam na frente rumando à vitória, enquanto que os ascendentes são os que partem mais de trás do grid.

Algo que fica notável nessa diferença é que os descendentes têm mais poles que vitórias: Senna fez 65 poles e ganhou 41 vezes; Clark 33 a 25 e Fangio 29 a 24 Por outro lado, os ascendentes venceram mais do que largaram em 1º: Schumacher triunfou em 91 corridas e partiu em primeiro por 68 vezes; Prost, 51 a 33. Em resumo: Os descendentes primam pela velocidade pura; os ascendentes, pela estratégia de corrida.

Seguindo essa linha de raciocínio, é também interessante notar que, no caso dos descendentes, o número de melhores voltas por GP também é inferior ao de poles: Senna, 65 a 20; Fangio, 29 a 22; Clark, 33 a 28; E dos ascendentes, é maior: Schumacher 76 a 68, Prost, 40 a 33. Por aí, podemos entender melhor a característica descendente X ascendente: este, “compensa” os treinos na corrida; aquele, “garante” a corrida nos treinos.

Mas, embora se tenha explicado a razão de Senna ter feito menos voltas mais rápidas do que pole-positions, algo que fica inexplicado é o porquê de esse número ser “tão” menor. Essa marca aparentemente baixa de melhores voltas é, inclusive, usada como argumento pelos detratores de Senna para “provar” que o piloto brasileiro não era “tão bom assim”: dizem eles, isso mostra que o brasileiro “não era rápido quando precisava” (sic).

De fato, é de se estranhar, pois mesmo os outros pilotos citados que possuíam características de pilotagem semelhantes às de Ayrton, marcaram mais recordes de pista que o brasileiro em um número bastante menor de corridas. Estranha-se, também, o fato de Berger (210 GPs disputados) estar à frente de Senna, com 21; E mais, é a única marca na qual Piquet, com 23 em 207 GPs, sobrepõe Senna. Indo além, Coulthard (238 GPs), tem só duas a menos que o brasileiro (18).

Mesmo sabendo que a média de volta mais rápida por GP de Ayrton Senna (12,4%) é superior a de Piquet, 11,1%, Berger, 10%, e Coulthard, 7,6%, continuamos sem entender por que Senna não tinha a melhor volta como sua especialidade. Por outro lado, temos que Kimi Raikkonen (único do grid atual a ter passado a marca de Senna) já possui 31 melhores voltas em 130 GPs (até o começo de julho), e está prestes a se tornar o piloto com a segunda melhor marca, superando as 40 de Prost.

Aliás, é possível dizer que o finlandês poderia se aposentar como recordista nesse quesito, pois possui pouco mais de metade das corridas de Schumacher (250). Na média, Kimi marcou a volta mais rápida em 23,8% dos GPs que disputou. Schumacher, 30,4%. O que faz-nos crer que ainda vai demorar para que algum piloto supere Schumacher em uma das cinco grandes marcas (títulos, vitórias, poles, pontos e voltas mais rápidas) é que Raikkonen deve abandonar a F-1 em 2009 – e se for bi em 2008, talvez já nesse ano.

Uma explicação comumente dada pelos fãs de Ayrton Senna para justificar o fato é a de que na época não havia reabastecimento; logo, a melhor volta não era decisiva, e às vezes era algum piloto do “pelotão do meio” que ficava com a marca. Até certo ponto, esse argumento procede, uma vez que o recorde de Schumacher e o atual “reinado” de Kimi, nasceram nas voltas anteriores ao pit stop. (Por exemplo, após sua vitória no GP da França de 2007, os jornais italianos diziam: “Kimi provou ter o mesmo talento de Schumacher”).

Porém, olhando para as estatísticas dos anos em que Senna pilotava, sem contar 1994 – quando o reabastecimento voltou –, vemos que essa justificativa é um pouco evasiva: em 1986, por exemplo, Senna não fez nenhuma, enquanto que Nelson Piquet marcou sete vezes a volta mais rápida, Mansell a cravou em quatro ocasiões, enquanto que Berger foi duas vezes o mais rápido, assim como Alain Prost, e a que sobrou ficou a cargo de Teo Fabi (!).

Como, então, entender a performance de Ayrton Senna? Creio que, assim como as atitudes de uma pessoa são o que melhor define seu caráter, a melhor maneira de se analisar as voltas mais rápidas de Senna é ver como e quando elas foram obtidas. Segue a lista:

A tabela acima nos mostra que em 60% das vezes que Senna marcou a melhor volta, também marcou a pole; 55% das vezes, saiu vencedor; Em 40% venceu e fez a pole; e 75% das vezes terminou no pódio. Mas o mais interessante dessas marcas é que apenas nos anos de 1988 (3) e 1989 (4) Senna tinha um carro muito superior aos demais (sem contar Alain Prost). Em 90 (2) e 91 (2) seu carro tinha o mesmo nível de Ferrari e Williams, respectivamente, e nos demais anos (total de nove recordes) era mais fraco.

Das suas 20 melhores voltas, em 19 ele foi potencial vencedor: 10 vieram acompanhadas da vitória; Em quatro, ele abandonou quando estava na liderança; Em duas ele venceu, mas não levou: numa foi obrigado a ceder a posição e em outra foi desclassificado. Nas outras três, ele foi o segundo colocado: em duas liderou boa parte, e numa outra partiu da 13ª posição com um carro medíocre e chegou em segundo, sendo a prova interrompida. A única exceção é a corrida de Portugal, 1992: largou e terminou em 3º, com um carro demasiado inferior.

Outros números interessantes: 90% das suas voltas mais rápidas aconteceram em GPs onde ele venceu mais de uma vez, e em todos os GPs onde marcou a melhor volta, ele também marcou pole-positions. Isso significa que Senna, a exemplo do domínio em vitórias e poles, também tinha notoriedade em determinados circuitos quando se tratava da melhor volta.

Foi quatro vezes o mais rápido da corrida de Mônaco, lugar onde marcou 5 poles e venceu nada menos que 6 vezes. No Japão, basta dizer que foi onde ele ganhou seus três títulos, mas também venceu duas vezes (oficialmente) e em outras duas ocasiões teve a vitória “tirada”. Fez a pole três vezes seguidas. Nos EUA, permanece o maior vencedor, com 5 triunfos, e largou em 1º também em 5 ocasiões.

Na Alemanha, venceu três GPs consecutivos, todos eles partindo da pole. Na Itália, ganhou duas vezes, e esteve muito perto da vitória em outras três corridas (quando foi 2º), tendo marcado 6 poles ao todo. No Canadá e na Espanha, foram duas vitórias para cada circuito, sendo 3 poles no primeiro, e quatro nesse último. Já Portugal foi um GP que ele venceu apenas uma vez, embora tenha marcado duas poles. Em Donington, foi a única edição.

Por outro lado, vemos que no GP da Bélgica, onde venceu simplesmente 5 vezes e anotou 4 poles, e em Imola, onde estabeleceu o recorde de poles num mesmo circuito (com 8 largadas em 1º) e venceu 3 GPs, Ayrton jamais marcou a melhor volta. E é aí que entra a questão crucial: quantas vezes em sua carreira Senna precisou fazer a melhor volta?…

Falaremos mais sobre o assunto na 2a parte deste texto, a ser publicada segunda-feira.

Abraços

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

5 Comments

  1. Rubergil Jr. disse:

    Que bom que o GPeto está de volta! Temi que não voltasse mais…

    Só tem um ponto que acho que podia ser ajustado no site: as pesquisas e listagens de colunas sempre dão apenas 1 resultado por página. O ideal seria uns 10 resultados, para que se possa encontrar o que se procura de modo mais rápido , e o GPTotal é um verdadeiro tesouro de informações sobre velocidade.

    Abraços e bem-vindos de volta!

    Rubergil Jr.

    • bslnew disse:

      Concordo. Fiquei de ferias e demorei um pouco para voltar a ler. Tive que ir voltando pagina por pagina ate encontrar onde parei. Rs
      Acho q dificulta um pouco a pesquisa e também para termos noção dos assuntos que estão a tratar. Talvez no Facebook esteja mais organizado, mas eu gosto mais de ler por aqui.
      Na verdade, no momento, estou a ler as atrasadas e são ótimos artigos!
      Abs

  2. Ricardo disse:

    Nao sei se agrega, mas por vezes entre 84-87 Senna adotou a estrategia de poupar pneus para nao fazer troca, chegando ao final da corrida no limite das borrachas. Alem disso, os motores Renault turbo eram beberroes e era necessario poupar equipamento para nao ficar no meio do caminho. Ajudaria a explicar o fato de menos voltas rapidas?

  3. Mauro Santana disse:

    Grande Marcel!!!

    Que bom estarmos com o nosso querido Gepeto no ar novamente.

    Minha opinião ao assunto desta coluna é a seguinte:

    Caso a volta mais rápida da corrida credita-se 1 ponto, tenho certeza que estes números do Senna seriam bem maiores.

    Que venham as outras duas partes.

    Abraço!!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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