Brasil 85: outros tempos

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Minha estreia na Fórmula 1: Jacarepaguá, 1985.

Quase vinte e três anos atrás*, estreei na Fórmula 1 numa equipe ruim, mas esforçada. Meu team manager era um português folclórico chamado Chico Santos. EU me sentia o astro da equipe, o piloto revelação, o cara de quem todos esperavam o milagre para fazer a equipe arrasar com todas as outras, mas o Chico Santos fingia não ver isso – claro – para me pagar pouco ou quase nada.

Pilotava então uma Pentax MV-1, lentes de 2ª linha Tamron (a mais longa uma 200mm F2.8), filmes Kodak Ektachrome 64 asa mal rebobinados pelo Vitamina na Editora Três e uma Olivetti Lettera 22. Armamento fraco, meia-boca, se comparado ao dos concorrentes que pilotavam Nikon F3 e Canon F1 com lentes de 400 e 600 mm, e até sabiam usar o Telex, mas nada disso me intimidava. EU, finalmente, estava estreando na F1!

O objetivo da equipe era fazer de nosso veículo, o Anuário Fórmula 1 85/86, uma espécie de Autocourse luso-brasileiro e, acreditem, no que dependeu de mim, a dedicação foi total.

Minha estréia foi no GP de abertura da temporada 85, no Rio de Janeiro. Travado de emoção, recebi minha credencial conseguida via revista Istoé – Senhor numa sala do Hotel Intercontinental, protegida como o Fort Knox, e lá fui eu para Jacarepaguá pilotando o meio de transporte que havia descolado para me mover do aterro do Flamengo, onde estava hospedado no lendário e mofado Hotel Glória, até o circuito: uma Vespa PX 200E.

Já conhecia Jacarepaguá mas… não conhecia! Uma coisa é um autódromo preparado para uma etapa chulé do campeonato brasileiro, bem outra quando era a Fórmula 1 a fazer ponto ali. Mas aquele luxuoso antipasto feito por hospitality centers, tribunas VIP enfeitadas e celebridades globais pouco me interessavam, pois o que eu queria mesmo era ir para a pista, colar a barriga no guard-rail e fazer a melhor foto de todos os tempos. Respirar aquele monóxido de 1º mundo, ficar surdo com o urro dos motores e… gozar!

No pit-lane, meu olho clínico perceberia todos os truques técnicos que nem mesmo um ressuscitado Colin Chapman pescaria e, claro, conversaria longamente com Alain Prost, Nelson Piquet, Keke Rosberg, Niki Lauda e, obviamente, a estrela nascente que finalmente estreava numa equipe grande: “meu amigo” Ayrton Senna.

Quando acordei deste delírio já estava no box.

Calor, calor, calor.

Aquele início de abril no Rio foi mais do que quente. O Mundial daquele ano, em plena era turbo, tinha Niki Lauda e sua McLaren MP4 empurrada pelo motor Porsche como campeões reinantes. Seu colega era Alain Prost. Detalhe interessante era o fato de Lauda ter sido campeão em 84 por 0,5 ponto (meio!!!) de vantagem sobre o companheiro Prost. Pontuação maluca em função daquele GP de Mônaco paralisado antes do tempo para dar a vitória ao narigudo francês sobre verdadeiro vitorioso do dia, Senna de Toleman-Hart.

Mas, voltando ao Rio e seu GP de 85, é claro que nossa brancaleônica equipe não fez o anuário da F1 daquele ano tão bom quanto o Autocourse mas que eu me diverti, e muito, me diverti. E não só com os carros e pilotos da F1.

Ver a mulher do Elio de Angelis tomando sol no gramadinho que separava o pit-lane da mureta dos boxes foi tão ou mais inesquecível do que ver Riccardo Patrese negociando com o intratável acelerador de seu Alfa Romeo 185T a curva da Vitória. E que tal Piquet, animal como só ele sabia ser, fazendo o Cheirinho de Brabham BT53 de um jeito de dar medo ao Cristo Redentor, quanto mais a mim, que de santo nunca tive nada, mas estava a poucos metros de tal milagre?

Entrevistas? Fiz Alboreto, Cheever, Patrese, De Cesaris… a italianada toda, pois dos “astros” cuidaria o chefe Chico Santos, e dos outros alguém menos ignorante que eu na língua de Shakespeare. Falar com os caras não era fácil, mas era possível. Ainda não tinham chegado os tempos bicudos de box com divisórias, salinhas estanques defendidas por seguranças. Com De Angelis falei sentado num pneu. Piercarlo Ghinzani, aquele da Osella, no guard-rail do fim do box. Já Patrese catei dentro do Uno Turbo, lançado ali no GP, minutos antes da corridinha de apresentação do modelo da Fiat. Outros tempos…

Piquet naquele GP luziu talvez a única namorada feinha que teve em toda sua vida de piloto de F1, uma italiana chamada Manuela, feinha mas simpática, que me rendeu uma foto que meu manager portuga decidiu ser boa o bastante para ser publicada em página dupla, uma das quatro deste tipo de todo o anuário. Ela sob o guarda-sol que protegia seu amado antes da largada, sorrindo para o garanhão que, naquela altura era “só” bi-campeão do mundo de F1. Que honra fazer este click…

Mas minha melhor foto não foi essa, na minha opinião, mas sim uma do Patrick Tambay espremendo seu Renault RE60 na curva da Vitória durante um dos treinos. Tudo no foco, luz perfeita, a mãozinha dele aparecendo sobre o volante, a cabeça inclinada… show de imagem! Mereceu uma página do anuário, e mais: pouco depois, na seqüência de curvas que sucedia a reta, Tambay deu um porrão e largou seu carro por ali. Entre os pedaços não recolhidos, sobrou a aleta da asa dianteira direita, imediatamente acrescentada a minha galeria de amuletos da paixão, troféu de guerra genuíno, valioso, suado, raro.

Anos depois tal amuleto sumiu. Minha mãe jogou fora. Entendi, então, as razões do matricídio.

Meu GP de estréia foi assim, emocionante. Venceu Alain Prost. Piquet quebrou, Senna também, mas eu consegui cruzar a linha de chegada, e ser confirmado pela minha equipe para mais GPs. Dali em diante foram cinco anos de F1 no Rio, até chegar o dia em que a F1 saiu de Jacarepaguá e voltou para Interlagos. Minha pista, a pista “de casa”. Nesse período, muita coisa havia mudado na F1 e em mim. Passei da Pentax para a mais competitiva Canon. Meu chefe de equipe não era mais o português Chico Santos, minhas lentes melhoraram e cresceram mas a F1 perdera boa parte da graça para quem queria, como eu, simplesmente trabalhar fazendo o que gosta.

Entrevista? Agende com meses de antecedência ou satisfaça-se com as coletivas. Cada vez menos lugares bons para fotografar, com muitos locais vetados estupidamente em nome da segurança. Credenciamento? Mais fácil tirar visto para os EUA com dezenove anos, sem emprego assinado em carteira e se chamando Hassan ou Ali… Ver algo no box? Como? Tudo blindado, proibido, cercado! Uma festa do “não pode”.

E naquele dia de 1990, da curva do Pinheirinho, fiz meus últimos clics daquela que seria a 1ª vitória de Ayrton Senna em sua cidade natal. Seria, pois ele e Satoru Nakajima se estranharam na subida da Junção, e quem venceu foi Alain Prost, o mesmo que faturou em Jacarepaguá meu GP de estréia. Aquele com sol, com a mulher do De Angelis, Uno Turbo, Vespa…

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*Coluna publicada originalmente em março de 2008.

Roberto Agresti
Roberto Agresti
"Rato" de Interlagos que, com sorte (e expediente), visitou profissionalmente Hockenheim, Mônaco, Monza, Suzuka e outras. Sempre com uma câmera na mão e uma caneta na outra.

5 Comments

  1. Nelson C. Granja disse:

    Querido Agresti, essa foi minha última aparição num Pit Lane de Fórmula 1. Não me lembro bem como mas você conseguiu uma credencial para mim, ganhei até uma mala da Good Year, passamos uma noite na casa da minha irmã. No dia da corrida me lmbro que fomos num Fiat 147 e tinha mais 2 amigos seus. Duvidas? Te mostro a mala, que vez por outra uso quando viajo de carro.

  2. Lucas Giavoni disse:

    TENHO esse anuário 85 em casa… Comprei por uma ninharia miserável num sebo, mas pela ótima qualidade (não deprecie o próprio trabalho, o livro é ótimo!), pagaria até 10x o que paguei…

    Ah, a Era Turbo… [e escrevo a frase suspirando como uma wastegate]

    Abração!

  3. Mauro Santana disse:

    Esta coluna é fantástica, e junto com as duas colunas do Tite “O Rio de Janeiro Continua Lindo”, e também a outra coluna sua ” Nelson e Ayrton: Eram eles mesmos”, são as minhas preferidas.

    Na época em que este anuário foi lançado, eu me meu pai o compramos, e tenho também o de 84 com o Lauda na capa.

    Um show!!

    Parabéns mais uma vez Agresti!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-Pr

  4. wladimir duarte sales disse:

    Roberto,
    comprei este anuário 84/85 num sebo e fiquei maravilhado com a riqueza de detalhes, inclusive as resenhas sobre as atuações dos pilotos no campeonato de 84. A análise da atuação de Rosberg: “…é um fora de série, um Villeneuve, um Peterson, …” me deixou impressionado. Só lamento o enaltecimento exagerado ao François Hesnaut com doses cavalares de sorte chamado Alain Prost. Todos os elogios possíveis à conquista de Nikki Lauda, que mesmo ausente por duas temporadas voltou em 82 já como piloto de ponta! Os resumos de cada corrida foram muito bem elaborados, meus parabéns. A publicação continua até hoje? Onde posso adquirir o desse ano:

    • Arlindo Silva disse:

      Acho que atualmente só é vendida a edição em formato digital.

      Eu tenho todos até 1997. Volta e meia me flagro lendo eles como se fosse a primeira vez.

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