Bravo Charles!

Festa em meio ao luto
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Difícil fugir do obvio ao descrever a performance de Charles Leclerc diante de uma horda de ferraristas, todos sedentos por uma vitória em casa que não acontecia desde 2010 com… Fer… Fernando… Fernando o quê mesmo? A Ferrari não deu destaque para Alonso no especialíssimo pôster  que publicou para o fim de semana (mas reparem no “tamanhão” de Barrichello e Massa na arte, caras certamente muito queridos).

Leclerc não fez um arranque perfeito, diferentemente de sua defesa de posição até a chicane, em que podou com maestria um possível avanço de Lewis Hamilton por dentro, o que se transformaria numa ultrapassagem certa. Ele também teve um ritmo de prova consistente, resistindo toda pressão das Mercedes. A Ferrari era favorita, mas se não fosse a firmeza de Leclerc, teria jogado a corrida fora.

Esse receio teve como gatilho a rodada de Vettel. Sem uma Ferrari no jogo, a Mercedes pôde fazer variação de tática e, se tivesse um piloto no nível de Leclerc no carro 77, teria roubado a vitória…

É muito bom constatar que mais um piloto se apresenta como futuro campeão. Ele e Max Verstappen (que não teve seu dia) agora são uma ameaça jovem e direta a quem já foi jovem um dia: Hamilton.

Toda vez que vejo Leclerc com o número 16 no bico da Ferrari lembro da 312PB de José Carlos Pace em Le Mans 73. Puxa, faltou tão pouco pra ele ganhar aquela corrida… Escrevi sobre isso num texto com meu amigo Mauro Santana.

Quem levantou essa foi o chefe Edu Correa: Vettel não é o mesmo desde a introdução da atual fórmula de motores V6 turbo híbridos. Vale lembrar que em 2014, primeiro ano da fórmula, ele foi superado por Daniel Ricciardo dentro da Red Bull antes de se mandar para a Ferrari.

Sabemos que as técnicas de frenagem e principalmente de retomada de velocidade são um tanto diferentes com os carros atuais, dados os sistemas de recuperação de energia e o torque superior do motor a combustão, combinado à cavalaria extra do motor elétrico diretamente no eixo traseiro. Isso tudo num carro que hoje é mais pesado e tem muito apoio aerodinâmico desde 2017, quando ficaram mais largos (incluindo pneus) e mais compridos – eles estão enormes, são limousines com mais de 5 metros.

Toda essa combinação parece ter tirado a finesse de Vettel, que foi o maior devorador de recordes dos tempos do 2.4 V8 aspirado. Ele se apresentava como um piloto descendente matador, que hoje parece ter dificuldade de manter o mesmo ritmo e acaba superpilotando o carro.

Tendo a acreditar que Vettel ainda tenha lenha pra queimar. O problema é o psicológico. Não sei se pode se recuperar de uma espiral descendente. Só sei que um cara que fez o que ele fez na era dos V8 tem seu valor e seu talento.

Sim, Lewis Hamilton é uma força da natureza, um talento incontestável. Mas parece padecer de um mal que é o de depender do que lhe dizem ao rádio. Seu talento para pisar fundo é infinitamente maior que sua capacidade de leitura de corrida – o que explica por que, enquanto piloto da McLaren, perdeu várias batalhas para Jenson Button, um cara longe de ser velocista, mas que tinha um incrível olhar de alpinista.

Ele passou voltas demais na cola de Leclerc, paulatinamente derretendo seus pneus a ponto de errar e perder o segundo lugar nas voltas finais. Alguns até podem supor que a Mercedes errou ao não usar os pneus duros no último pit do inglês. A questão é que os pneus médios durariam o stint todo se Hamilton fizesse uma leitura mais apurada de como atacar Leclerc de modo preciso e definitivo.

Não foi o que aconteceu. Hamilton ficou todo o tempo recebendo ar quente na cara e jogou fora suas chances. Sim, Leclerc foi um oponente duro, que deixou pouco ou nenhum espaço em luta direta. Mas com 34 anos nas costas, já era pra Hamilton ser mais perspicaz. Astúcia ainda é mais importante que combatividade.

Dono de brilharecos esparsos, como em Melbourne, Valtteri Bottas falhou miseravelmente em tomar para si o protagonismo da corrida, no que seria a vitória mais come-quieto de toda a temporada.

Correndo com uma tática que lhe deu os melhores pneus para o fim da prova, o finlandês se viu repentinamente na condição de ser o piloto Mercedes a tomar de Leclerc a vitória, uma vez que Hamilton havia errado e caído para terceiro na volta 42. Ainda restavam 11 voltas e a diferença para o líder Leclerc era de ínfimos 1.8s – distância esta que caía a razão de dois décimos por volta.

Bottas foi se aproximando, aproximando, até ficar em condição de usar o DRS, abaixo de um segundo. Pois ele conseguiu a façanha de errar na volta 46, remar tudo de novo e errar novamente na volta 50, quando estava apenas meio segundo atrás.

Bottas é um sujeito cada vez mais difícil de defender. Sua posição só é hoje justificável porque Hamilton funciona melhor quando não tem rival como companheiro.

Durante a transmissão foi lembrado um dado um tanto incômodo. Já são 10 anos desde a última vitória brasileira na F1. Sim, Itália 2009, um inspirado Rubens Barrichello de Brawn GP, a breve.

Se o futuro não parece auspicioso, ao menos temos um passado riquíssimo. Os feitos dos pilotos brasileiros no esporte a motor internacional merecem nossos tributos. Sempre.

Jody Scheckter conquistou seu único título mundial pela Ferrari, em Monza, há exatos 40 anos. Depois de viver seu auge como piloto, nunca mais havia voltado ao palco de sua consagração – vale lembrar que o GP da Itália de 1980 foi disputado em Ímola, e ao final daquele ano complicado, Jody se aposentou.

Pois neste fim de semana, Jody voltou a pisar neste solo italiano tão especial. Vestiu novamente seu macacão branco, seu capacete tão conhecido e encontrou sua velha amiga, sua Ferrari 312T4 número 11, absolutamente impecável, como se os anos não tivessem passado.

Dessa reunião surgiu um dos momentos mais deliciosos. O lindo soar do flat-12 ecoando pelas longas retas foi um momento especial, daqueles que precisam acontecer mais vezes.

As duas voltas que Jody executou, sob aplausos calorosos dos tiffosi, nos ajudam a lembrar por que gostamos tanto desse esporte e como é importante reverenciar os feitos do passado.

O dono da bandeira quadriculada em Monza foi Jean Alesi, nome tão importante da F1 dos anos 90 e que, até a chegada de Schumacher, foi um grande nome da Ferrari.

Nada mais emblemático. Todos que acompanham meus textos sabem o quanto eu tinha medo de Leclerc se tornar um novo Jean Alesi – um cara com talento e combatividade altíssimos, mas que não reuniria todos os elementos para ser um grande campeão.

Esse meu medo já passou. Então podemos dizer que Alesi deu a bandeirada a quem definitivamente não é um novo Alesi!

Abração!

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

4 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Grande Texto Lucas!

    Foi um GP muito interessante, e esta vitória do Leclerc em Monza, me lembrou a vitória do Massa em Interlagos em 2006.

    Sobre o Pace, realmente faltou pouco para ele conquistar uma vitória histórica, e que certamente teria atraído as atenções da grande massa brasileira a respeito da mítica corrida de 24 horas.

    Grande abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Fernando Marques disse:

      Mauro, não sei se estou enganado mas aquela 2ª colocação no geral do Pace nas 24 Horas de Le Mans com a Ferrari foi o melhor resultado alcançado por um piloto brasileiro até hoje na historia da prova … até merece ser lembrada aqui no Gepeto

      Fernando marques

  2. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    faltou você dizer que o GP da Italia este foi outra boa corrida que a Formula 1 teve este ano. Gostei da prova e de ver a caça das Mercedes em cima do Leclerck. As ultimas 6 corridas(incluso Monza) foram dignas de assistir e ficar em frente a TV .
    Quanto ao Vettel, penso que ele tem que se aposentar e curtir a boa grana que ganhou na Formula 1. Desmotivou legal.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. MARCELO DA CONCEICAO BARROSO disse:

    Bela análise dos fatos. Foi um domingo de muitas reflexões pós corrida.

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