Carros de outro planeta I

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Um é o mais belo e elegante carro da antiguidade clássica do automobilismo, outro é feio e desgracioso como um polegar. Mas ambos, Alfa 158/159 e Ferrari 500, merecem de sobra a chancela de "Carros de outro planeta"

O RBR deste ano merece de pleno direito o título de “Carro do outro planeta”.

A designação, inteligentemente usada por Ayrton Senna para o Williams que levou Nigel Mansell a vitórias em repetição na temporada 92, poderia ter sido usada mais vezes na história da Fórmula 1. Carros superlativos, que passaram por cima da oposição, sempre existiram na categoria. Vamos recordar aqueles que merecem este título, hoje e em colunas futuras.

 

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Alfa Romeo 158 e 159

Na minha opinião, o mais belo e elegante carro da antiguidade clássica do automobilismo. Mesmo hoje, transmite uma sensação inigualável de leveza e velocidade.

Projetados e construídos entre 1937 e 1938 para combater os Mercedes e Auto Union, os Alfa tiveram de aguardar pelo final da II Guerra Mundial para brilhar nas pistas. Conscientes do tesouro que tinham em mãos, os italianos guardaram cuidadosamente sete Alfettas, como ficou conhecido o modelo, durante os seis anos de guerra, sendo objeto, inclusive, de desenvolvimentos e testes durante este período, a ponto de um piloto ter perdido a vida ao bater contra um caminhão durante um teste numa estrada aberta ao tráfego.

Eles foram projetados por Gioachino Colombo e eram equipados com motor dianteiro de 1,5 litro com oito cilindros em linha – daí a designação “158” – e compressor. Estima-se que debitava algo como 200 cavalos quando foi lançado. Esta potência foi sendo gradualmente incrementada nos anos seguintes.

Em 1946, os Alfa já estavam de volta às pistas e foram acumulando vitórias. Até o GP da França de 51, foram 27 vitórias seguidas, com apenas uma exceção. Quando a Fórmula 1 foi criada, em 50, o modelo 158 era o melhor carro à mão, beneficiando-se de pilotos talentosos – Nino Farina e Juan Manuel Fangio, campeões em 50 e 51- e também da fraqueza geral da oposição. Naquela altura, o único rival da Alfa com alguma chance era a Ferrari, mas com bem menos dinheiro e recursos, além de ter apostado no motor de 4,5 litros sem compressor, o que se revelou uma aposta errada. Assim, o primeiro carro de outro planeta da Fórmula 1 não encontrou um rival minimamente a altura. Resultado: estraçalhou a oposição, vencendo todos os GPs de 50 e quatro dos sete de 51.

No GP da Inglaterra 50, o primeiro da história da categoria, o concorrente mais próximo dos Alfa – um Maserati pilotado pelo Príncipe Bira – tomou quase dois segundos nos treinos. Na corrida, a vantagem dos Alfa – que terminaram nas três primeiras posições – foi de duas voltas. Nos demais GPs da temporada, marcaram todas as poles e só cederam o 2º lugar no grid uma única vez.

Em 51, seguiram evoluindo. Apesar de quase não se notar diferença no desenho do carro, o modelo foi rebatizado como “159”. Os freios a tambor foram melhorados e o motor ganhou mais cavalos, se aproximando dos 450 e girando em corrida a 9 mil RPM. Tal potência foi uma grande conquista dos engenheiros italianos, só sendo superada (quando considerada pela capacidade cúbica do motor) 25 anos mais tarde.

Também… O motor bebia a barbaridade de 2,5 litros de metanol por km, o que obrigava a equipe a espalhar tanques de combustível em cada espaço vago do chassi, dando aos carros a capacidade de embarcar quase 400 litros de combustível, o dobro de hoje! Mesmo assim, eram obrigados a fazer duas ou mais paradas para reabastecimento durante os GPs, que podiam ter até de 500 km de extensão. A diferença de peso decorrente do esvaziamento do tanque resultou em sérios problemas de regulagem da suspensão, mas eles foram ultrapassados pelos engenheiros.
O tempo da pole no GP da Suíça 51 caiu em seis segundos em relação ao ano anterior. Em Spa, a diferença foi ainda mais significativa: o pole foi doze segundos mais rápido!

Mas foi em 51 que a extraordinária série de vitórias da Alfa foi interrompida por aquela que seria a primeira vitória na Fórmula 1 da Ferrari, conseguida por Froilan Gonzalez no GP da Inglaterra. A vitória da Ferrari repetiu-se em Nurburgring e Monza, sinalizando que os dias de glória da Alfetta tinham chegado ao fim. O modelo ainda venceu a corrida final da temporada, na Espanha, dando o primeiro Mundial a Fangio. Nesta corrida, a Ferrari fez uma opção equivocada por pneus, o que facilitou a vitória do argentino.

httpv://www.youtube.com/watch?v=4w8on0N2gyU

 

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Ferrari 500

O abandono da Alfa mais o pouco interesse dos demais construtores pela F1 e uma manobra política muito bem urdida pela Ferrari fez com que o Mundial de Pilotos de 52 e 53 fosse disputado por carros de Fórmula 2, com motores de dois litros sem compressor ou 0,5 litro superalimentado. E isso abriu espaço para um dos mais extraordinários carros de corrida da história, o Ferrari 500.

Era feio e desgracioso como um polegar mas nenhum carro da categoria tem uma percentagem de vitórias maior do que este modelo, projetado por Aurelio Lampredi sob medida para a condução do italiano Alberto Ascari. O Ferrari 500 venceu todas as etapas do campeonato de 52 (sete ao todo, seis com Ascari). Em 53, a colheita foi apenas um pouco mais modesta: sete vitórias em oito provas, fechando uma sequência de 14 vitórias consecutivas no Mundial de F1. O carro perdeu apenas a última corrida de 53 – o GP da Itália, numa das corridas de final mais eletrizante da história.

Mas, como a Alfa antes dela, a Ferrari beneficiou-se da fragilidade geral dos adversários e, em 52, da ausência forçada de Fangio, que se recuperava de um acidente. Já em 53, a volta do argentino mais um carro razoável da Maserati incrementaram um pouco a disputa.

O motor do Ferrari 500 era um quatro cilindros em linha (a designação “500” derivava da capacidade cúbica de cada cilindro). A potência estava abaixo dos 200 cavalos, o que derrubou consideravelmente o desempenho dos carros em relação às temporadas anteriores. Nos GPs da Suíça e da Bélgica de 52, por exemplo, o tempo do pole foi quase doze segundos mais lento em relação ao ano anterior. Em 53, os tempos melhoraram, mas só um pouco.

Foi o Ferrari 500 que levou Mike Hawthorn à vitória no célebre GP da França de 53, disputado em Reims. Ele e Fangio lutaram pela vitória por 30 voltas, trocando a liderança da corrida nada menos do que onze vezes e cruzaram a linha de chegada separados por um mero segundo.

httpv://www.youtube.com/watch?v=Qw5jIJlwmHs

E foi também o 500 o protagonista de Monza 53 onde, na última volta, na Parabólica, Ascari – que liderava e era pressionado pelo seu companheiro de Ferrari, Farina, e também por Fangio e Onofre Marimon, ambos com Maserati – rodou, deixando a vitória para Fangio.

httpv://www.youtube.com/watch?v=7JLbTJiwA4A&feature=related

 

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Desde 52, já se sabia que o regulamento mudaria para o campeonato de 54. E este foi o fim da linha para o Ferrari 500 ainda que ele tenha participado de corridas pelas mãos de proprietários independentes até 57.

Bom final de semana a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

4 Comments

  1. Parabens Edu, como sempre, belo texto.
    Abs.
    Jovino

  2. alexandre disse:

    Edú;Voce tem que falar tambem dos Mercedes W196(inclusive os que correram carenados) e da Maserati 250F, a mais linda das maquinas de F1 dos anos 50.

  3. Caique Pereira disse:

    Texto espetacular, parabéns Edu!!

  4. Sandro disse:

    Mas… e as 500 Milhas de Indianapolis (1950-1960) que a FIA incluiu para que a F-1 fosse um Campeonato “Mundial” e não “Europeu”?

    W 196 – o melhor carro da decada de 50 na F-1?

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