Carros de outro planeta V

Silv3rstone
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Explosivo!
05/07/2013

Frágil, belo - e mortífero. O nosso próximo carro de outro planeta é o Ferrari 156, campeão em 61, mais conhecido como Nariz de Tubarão.

Frágil, belo – e mortífero.

O nosso próximo carro de outro planeta é o Ferrari 156, campeão em 61, mais conhecido como Nariz de Tubarão.

Foi o primeiro Ferrari de Fórmula 1 com motor traseiro, tendo sido equipado simultaneamente com dois motores V6, que diferiam entre si no ângulo do V. O mais antigo dos dois já havia equipado carros de F2 da equipe no final dos ano 50, enquanto o novo fora projetado durante a segunda metade de 1960 pelo italiano Carlo Chiti. Deixo ao encargo dos arqueólogos da Ferrari distinguir em que momento os 156 vencedores foram equipados com um ou outro motor mas informo que, em várias corridas, a equipe alinhou carros com os diferentes motores.

Os Nariz de Tubarão venceram cinco dos sete GPs que disputaram ao longo de 61: Holanda e Inglaterra, com Wolfgang Von Trips, Spa e Monza com Phill Hill e França, com Giancarlo Baghetti. A divisão de vitórias entre os três pilotos, mas o protagonismo eventual dos demais pilotos da Ferrari não permitiram que um deles monopolizasse para si o campeonato mas, afinal, estamos falando de carro e não pilotos de outro planeta…

61 foi um campeonato notável em muitos sentidos, inclusive pelos dois GPs perdidos pelo 156: Mônaco e Nurburgring, palcos de vitórias antológicas de Stirling Moss, pilotando um velho Lotus 18 da equipe privada de Rob Wlaker. A Ferrari não participou da corrida final da temporada, disputada nos Estados Unidos e vencida pela Lotus – desta vez a equipe oficial -, com Innes Ireland.

A temporada 61 marca o início de um novo regulamento de motores na categoria, anunciado pelas autoridades esportivas no final de 58. Os fabricantes ingleses de motores, Vanwall e Conventry Climax, não gostaram da proposta e lutaram durante os dois anos seguintes para mudar – sem sucesso – o regulamento. Enquanto isso, Ferrari e Porsche desenvolviam seus motores, tendo como ponto de partida os usados por elas na Fórmula 2.

O fato é que os ingleses não conseguiram recuperar o tempo perdido, as duas vitórias de Moss devendo-se prioritariamente às corridas extraordinárias que ele conduziu nos dois circuitos mais difíceis da temporada. Em Mônaco, depois de assumir a liderança na 14ª volta, Moss resistiu à pressão de três pilotos da Ferrari, Hill, Von Trips e Richie Ginther, que terminou em 2º, menos de quatro segundos atrás do vencedor. Em Nurburgring, Moss arrancou do 3º lugar no grid para a liderança e não mais a perdeu, vencendo com alguma tranquilidade.

Já nas demais corridas do ano – exceção da prova nos Estados Unidos – o domínio do Nariz de Tubarão foi total. Na Holanda, 1º e 2º lugares, numa corrida que se notabilizou por ter sido a primeira onde todos os que largaram completaram a prova. Em Spa, a equipe italiana monopolizou as quatro primeiras colocações da prova, um recorde, creio eu, nunca igualado. Na França, Hill e Von Trips lideravam quando abandonaram, deixando a vitória para Baguetti, que fazia o seu primeiro GP. Ele bateu o Porsche de Dan Gurney por um décimo de segundo. Mais extraordinário ainda do que vencer seu GP de estreia: Baghetti havia vencido as duas corridas de Fórmula 1 que havia disputado até então, provas extracampeonato, uma delas, em Nápoles, marcada para o mesmo dia do GP de Mônaco.

Mais domínio na Inglaterra: Nariz de Tubarão nos três primeiros lugares. Em Monza, vitória de Hill e o acidente fatal de Von Trips, que vitimou também treze espectadores, que assistiam à prova junto a cerca externa na freada para a Parabólica, mesmo ponto onde, em 70, Rindt perdeu a sua vida.

Deixo a descrição do terrível acidente por conta do amigo (infelizmente distante) Claudio Habara, reproduzindo texto enviado por ele ao GPTotal em 2003:

Wolfgang Alexander Reichsgraf Berghe von Trips tinha o título de Conde. Sua família era provinda da região de Colônia, na Alemanha. Estreou na F1 em Monza, em 1956, com uma Lancia Ferrari. Quer dizer, quase estreou, pois sofreu um acidente nos treinos, adiando sua efetiva estreia para o GP da Argentina de 1957.

Sua carreira foi curta e trágica, correndo quase sempre de Ferrari, andando poucas vezes com Porsche e Cooper. Em 1961, o piloto da Ferrari caminhava firmemente para 1º título alemão na F1, com duas vitórias, em Zandvoort e Aintree e 33 pontos ao chegar a Monza, penúltima prova da temporada. O rival a ser batido era seu companheiro de equipe, Phil Hill, que tinha a essa altura 29 pontos e uma vitória. O GP italiano de 61 foi disputado na temida e clássica pista completa de 10 km com o oval de alta velocidade. E Von Trips fez a pole.

Na largada, o novato Ricardo Rodriguez pulou à frente ao queimar a largada. Von Trips iniciou uma feroz disputa com Jim Clark e Jack Brabham, logo atrás de Hill. Ao fim da 2ª volta, os três entraram na reta oposta muito próximos. Na freada da Parabólica, à direita, Jim Clark mergulhou para emparelhar com Trips por fora ao mesmo tempo que Trips puxava seu carro para a esquerda para tomar a curva. A roda traseira esquerda de Trips foi atingida pelo bico de Clark e a Ferrari foi jogada com violência em direção ao barranco que ladeava a pista. O carro escalou o barranco atingindo uma tela de proteção e diversos espectadores, retornando à pista totalmente destruído. O acidente resultou em 14 mortos inclusive Von Trips, que foi ejetado de seu carro na hora do impacto. Brabham, que vinha muito próximo, escapou milagrosamente. Foi o pior acidente da história da F1. Após isso, a Ferrari, em atitude muito criticada na época, não retirou Phil Hill, deixando que ele vencesse o GP e o campeonato por um mísero ponto: 34 (com descartes) x 33. Em Sebring, a Ferrari não participou da prova em luto por seu piloto. Uma homenagem tardia.

Alguns poderão pensar que foi a tragédia que motivou a decisão de Enzo Ferrari mas não foi não; ele nunca teve qualquer sentimento pelos carros que construiu.

Por isso, nos meses seguintes ao título de 61, um a um os 156 foram sendo reduzidos a sucata, como a maioria dos carros usados pela equipe. Não sobreviveu um único modelo de um dos mais frágeis, belos e mortíferos entre os F1.

Abraços

Eduardo Correa

(Clique para ler os títulos anteriores dessa série: parte I, parte II, parte III e parte IV.)

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

7 Comments

  1. Fabio disse:

    A Ferrari usou o V6 a 65º apenas na prova de Mônaco, nos carros de Hill e von Trips; nessa corrida, Richie Ghinter já usou o V6 a 120º e foi claramente o mais rápido entre os pilotos da Scuderia, o que levou Carlo Chiti a brigar com Enzo Ferrari pela utilização desta última especificação na corrida seguinte, na Holanda, em todos os carros da equipe. Embora relutando (a briga pelo uso do motor chegou ao ponto de Chiti ameaçar sair da equipe), Ferrari autorizou a mudança, e a 156 se tornou praticamente imbatível na temporada.

  2. Mario Salustiano disse:

    Edu e amigos

    Por uma coincidência recebi a cerca de dois meses atrás um exemplar do livro “DINO- The little Ferrari” de Doug Nye, não o li ainda, mas dei uma folheada agora para ver se encontrava uma resposta para o ponto que voce levanta Edu, até tem, mas os textos estão bem extensos ,tem uma foto com os dois motores lado a lado e é possível visualizar suas diferenças ,um com angulo de 65° e o outro com 120°, acredito que no texto sobre o campeonato de 1961 deve ter uma descrição de quem usou aonde qual versão.
    Já li que esse motor nasceu em 1958 na F2 como voce menciona e a partir desse ano serviu de base para os motores produzidos nas competições (Esporte-protótipos, F2 e F1) os futuros V8 foram derivados desse projeto.
    Esse motor também chegou as ruas variando entre a versão 6 e 8 cilindros nos modelos Dino 246 GT, Dino 308 GT4 2+2 e na Ferrari 308 GTB, tendo também equipado as várias versões menores de Esportes-protótipos da Ferrati nos anos 60 , com versões variando os angulos de 60° a 90° além dos já citados 65° e 120°, curiosamente foi com esse V6 que a Lancia equipou os Stratos que competiram no mundial de Rally no inicio dos anos 70, tendo feito uma campanha vitoriosa entre 71 a 76
    O livro traz muitas tabelas no final bem detalhadas de todas as corridas que esses motores participaram ,por isso fui folheando e tirando por alto as informações acima, para mais detalhes terei de ler as 320 páginas..rsrs, essa tarefa farei mais para a frente e passo mais informações.

    abraços

    Mário

  3. Mauro Santana disse:

    Achei a continuação!

    Abraço!

  4. Mauro Santana disse:

    Olá Edu!

    Estava lendo a coluna Paixão e Vício, e não consegui encontrar a sequência.

    Pergunto:

    Chegou a ser escrita alguma continuação?

    Abraço!

  5. Mauro Santana disse:

    Modelo fantástico!

    Neste belo texto do Bandeira Verde temos uma foto FANTÁSTICA de Giancarlo Baghetti numa das duas curvas inclinadas de Monza em 1961.

    http://bandeiraverde.com.br/2011/08/16/calendario-do-verde-2011-monza-1976-%E2%80%93-parte-1/

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  6. Cristiano Buratto disse:

    Faz muito tempo que não escrevo aos GPtos, mas vamos lá. Segundo o statsf1.com, essa variação no ângulo das bancadas do motor V6 surgiu em 1962 (GP da Alemanha para Rodriguez, GP da Itália para Bandini), e segundo consta o modelo 156 só foi abandonado em 1964.

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