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No alto do pódio, a linguagem corporal era igual. Mesmo sem público, Pierre Gasly e Sergio Pérez se sentaram no pódio, colocaram as mãos sobre o rosto e muito provavelmente pensavam no enorme feito que tinham acabado de fazer, enquanto olhavam para o horizonte. Em mais um capítulo desse ano completamente atípico, a F1 nos brindou com outra corrida sensacional e numa atuação histórica de Sérgio Pérez, o anel externo do circuito de Sakhir nos presenteou com outro resultado inesperado, assim como ocorrera em Monza, com o triunfo de Gasly.

Corridas de recuperação acontecem de tempos em tempos, mas o feito de Sergio Pérez teve outro fator ainda mais impressionante. Se vinte anos atrás Rubens Barrichello tinha uma Ferrari nas mãos para conseguir sua antológica primeira vitória depois de largar em 18º, Sergio Pérez pilotou uma Racing Point, que mesmo tendo copiado de forma deslavada o carro da Mercedes de 2019, antes dessa corrida era apenas quarto no Mundial de Construtores. Logo na primeira volta Pérez foi atingido por um destrambelhado Charles Leclerc e com o abandono deste e também de Max Verstappen, Checo caía para 18º lugar, o famoso último lugar.

Se Pérez contasse com uma Mercedes ou um Red Bull, era normal uma remontada de Sergio rumo ao pódio, porém, o mexicano contava hoje com seu Racing Point de sempre e foi com esse carro, não nos esqueçamos, atingido com força por Leclerc na primeira volta, que Pérez escalou o pelotão com ultrapassagens precisas, ao mesmo tempo em que cuidava dos seus pneus, algo tão importante num asfalto de alta abrasão. Pérez ia ultrapassando um a um aos seus rivais do meio do pelotão, alguns com carros do mesmo nível do que o seu. Nas voltas finais, ultrapassou seu companheiro de equipe Stroll e depois Ocon para assumir a terceira posição. Isso já o faria ser o grande destaque do dia, mas então o destino, que fora tão cruel com Pérez semana passada, quando abandonou com o motor quebrado nas últimas voltas, lhe ajudasse a conquistar uma vitória emocionante.

Como acontecera em toda a temporada, a Mercedes matava à pau a concorrência, ainda mais com seu mais forte rival, Max Verstappen, fora de combate logo na primeira volta. Contudo, ainda havia surpresas acontecendo no reino de Toto Wolff. Mesmo saindo do lado sujo, George Russell largou melhor do que Bottas e apontou na primeira curva na frente. Russell administrou a corrida como se guiasse o W11 desde a primeira prova de 2020 e não deu chances à Bottas. Quando o nórdico ganharia fácil o lugar como destaque negativo da corrida, a Mercedes cometeu um erro crasso, que mudou toda a história da corrida. O novato Jack Aitken rodou seu Williams na última curva e por lá deixou sua asa dianteira. Safety-car na pista. Mesmo com ninguém ameaçando sua liderança soberana, a Mercedes resolveu chamar seus dois pilotos para colocar pneus médios para as últimas voltas.

Russell fez sua parada normalmente, mas Bottas demorou mais do que devia. E aparentemente um mecânico viu a caca que haviam feito. Simplesmente colocaram os pneus de Bottas no carro de Russell! O desespero foi tanto que colocaram os pneus antigos no carro de Bottas e mandaram-no de volta à pista, mas o estrago estava feito. Russell teve que retornar aos pits para colocar os pneus certos e tentar uma recuperação histórica. E estava no caminho para isso. Primeiro, ultrapassou Bottas após erro do finlandês, colocando outra mácula no final de semana de Valtteri. Russell ultrapassou facilmente Ocon e Stroll, com algumas voltas para o fim, mas com tempo para um ataque em cima de Pérez. Porém, o dia não era de George Russell. Um pneu furado fez com que o inglês retornasse aos boxes por uma quarta vez, sepultando qualquer chance de vitória de George.

Com tudo isso acontecendo, as portas para Pérez estavam abertas para uma vitória consagradora. O mexicano esteve perto da vitória em Sepang/2012, mas saiu da pista nas voltas finais quando estava nos calcanhares de Alonso. Depois muita coisa aconteceu na carreira de Pérez, que chegou à F1 como pay-driver e hoje é um piloto consolidado da categoria. Porém, ainda faltava uma corrida como a de hoje. Após 189 GP’s Sergio Pérez se tornou o piloto mais corridas antes de vencer na F1. E o fez em grande estilo. No entanto, o futuro do mexicano ainda é uma grande incógnita. Mesmo sendo muito mais piloto do que Lance Stroll (a ultrapassagem de Pérez sobre o canadense foi bem parecida com o que Russell fez sobre Bottas), o sobrenome do dono da Racing Point também é Stroll e Pérez acabou dispensado da equipe. Seu único lugar para estar na F1 seria a Red Bull, que ainda não definiu o companheiro de equipe de Verstappen em 2021, mesmo Albon em má fase. Se Checo ficar de fora da F1 em 2021 seria uma enorme derrota para a categoria, pois se é capaz de uma corrida monstruosa como essa, Sergio Pérez é mais do que capaz de estar na F1.

Além do erro imperdoável nos boxes, a exibição da Mercedes em Sakhir colocou mais lenha na discussão dos números superlativos de Lewis Hamilton nos últimos anos. Não irei cair na armadilha de dizer que “qualquer um pode ganhar uma corrida de F1 com o carro atual da Mercedes”, mas a atuação de George Russell relativiza ainda mais os enormes feitos de Lewis Hamilton, pois Russell fez exatamente o que Hamilton faria se fosse o próprio heptacampeão estivesse no carro 63 nesse domingo. Mesmo sem qualquer experiência prática no carro, instalado de forma apertada num cockpit projetado para uma pessoa menor do que ele, Russell fez uma corrida impecável em Sakhir, derrotando sem muitas cerimônias um sorumbático Valtteri Bottas, algo que Hamilton faz isso de forma tão comum como vamos comprar pão na padaria da esquina.

A falta de uma referência mais forte dentro da equipe dominadora da F1 faz com que Hamilton, com sua já boa experiência, poder administrar seu sarrafo de acordo com a situação das corridas. Contra Bottas, Hamilton sabe que para derrotá-lo e por consequência conseguir a vitória, o sarrafo não precisa ser tão alto. Quando existe a necessidade, como na disputa contra Verstappen em Hungaroring ano passado, Lewis pode elevar seu sarrafo e ser capaz de fazer ótimas exibições, mas se não há a necessidade (na luta contra Bottas), por que elevar o sarrafo? Historicamente, há a sensação de que Hamilton vence, domina e faz história nos últimos anos sem muito esforço, mas pessoalmente acho que Lewis tem reserva para mostrar muito mais. Simplesmente hoje não há necessidade de usar essa reserva. No entanto, a estratégia da Mercedes e de Toto Wolff pede um piloto acima da média e outro que consiga os pontos no Mundial de Construtores e, se possível sem incomodar o primeiro piloto. Papel que Valtteri Bottas vem fazendo nos últimos anos e o heptacampeonato da Mercedes no Mundial de Construtores mostra que essa fórmula, mesmo não sendo das mais populares, está dando certo.

De outro lado, George Russell mostrou que é mesmo um piloto com ótimo potencial, algo que já demonstrava na Williams, quando colocava o seu carro original no Q2 de forma usual, algo bem acima do potencial do seu Williams. Com um ótimo equipamento em mãos, Russell humilhou Bottas nas 87 voltas da corrida de ontem, incluindo uma ultrapassagem desmoralizante na única parte lenta do circuito, já prevendo que o futuro da Mercedes está em ótimas mãos.  Ter um piloto sem experiência no outro carro da Mercedes se mostrou uma experiência traumática para Bottas, que se enervou claramente na primeira volta quando foi superado por Russell, pois sabia que perder para um novato pegaria muito mal. O resto da corrida não foi muito melhor, com erros, ultrapassagens sofridas e um pálido oitavo lugar na bandeirada. O que está mais difícil: justificar Bottas na Mercedes ou Albon na Red Bull em 2021?

Completando um pódio completamente aleatório, Esteban Ocon conseguiu seu primeiro pódio na F1 com o segundo lugar. Piloto de origem humilde, Ocon sempre precisou mostrar serviço para estar associado a alguma academia e ter chance de ascender à F1. Nesse ano ele foi constantemente superado por Daniel Ricciardo na Renault, mas utilizando uma estratégia diferente, Ocon conseguiu a melhor posição da Renault no ano, ultrapassando Stroll após sua única parada. Stroll fez uma prova sem erros e completou um pódio dos sonhos para a Racing Point, mas a ultrapassagem que tomou de Pérez mostrou bem que se a hierarquia dentro da Racing Point tivesse apenas o talento como requisito, o mexicano estaria facilmente garantido em 2021. Por sinal, Lawrence Stroll dispensou um piloto que foi capaz de uma vitória arrebatadora para contratar um piloto que não vai ao Q3 por doze corridas consecutivas. E o ritmo de corrida de Vettel não melhora muito…

O anel externo de Sakhir é mais uma demonstração de como a F1 pode ter bons espetáculos em circuitos diferentes. O traçado até simples no Bahrein nos proporcionou uma corrida bem interessante em todos os níveis do pelotão.

Pietro Fittipaldi substituiu Romain Grosjean na Haas e sem experiência no carro (além do bólido ser um dos piores do pelotão) fez com que o jovem piloto entrasse no final de semana sem maiores expectativas e talvez por isso, Pietro não atacou em nenhum momento, fazendo um final de semana sem erros, mesmo que longe de brilhar.

No entanto, a surpreendente chegada de Pietro nessa e na próxima corrida significou o retorno do Brasil à F1, além do fator histórico de que pela primeira vez na principal categoria do automobilismo, três gerações de uma mesma família estiveram num Grande Prêmio. Um feito e tanto para o clã Fittipaldi. Barão, lá do céu, está muito orgulhoso!  

Semana passada houve potencial para que houvesse choro de tristeza no Bahrein, mas nesse domingo vimos choros de alegria, com e emocionante vitória de Pérez, além do primeiro pódio de Ocon. O ano de 2020 ficará marcado por outra temporada dominante da Mercedes e de Lewis Hamilton, mas não se pode acusar da F1 de não ter histórias boas para contar e ótimas corridas para se assistir. Ontem vimos um piloto desempregado ter a exibição de sua vida, se aproveitar dos erros de uma equipe tida como infalível, levar um time que, contando outras encarnações, não vencia desde 2003 e quebrar um tabu de cinquenta anos sem vitória do seu país. Sérgio Pérez merece um lugar na F1 em 2021, enquanto o México deve estar em festa com muito taco e tequila. E por resultados como esse, que eu digo: F1, eu te amo sua linda! 

Com essa coluna, finalizo mais uma temporada com a família GPTotal. Um ano que será lembrado por muitos anos, mesmo que pelos piores dos motivos. No entanto, não há mal que dure. Que 2021 seja de paz, SAÚDE e alegrias para todos nós! Estaremos juntos!

Abraços!

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    JC Viana,

    O GP de Sakhir foi uma corrida muito boa de se ver … a história dela está super bem contada.
    Mas aquela trapalhada da Mercedes me deixou com uma pulga atrás da orelha … aquele Pit Stop foi uma marmelada armação da equipe para que o Valtery Bottas não terminasse a corrida atrás do Russel. Como pode uma equipe hexa campeã, que domina como quer e pode a Formula 1 faz uma bobagem daquelas? … Só pode ter sido armação … para tentar preservar a imagem do Bottas que saiu bem arranhada neste fim de semana. O Finlandês tomou um passeio do Russel. Outrossim não sei como a Mercedes deixa um Russel dando sopa na Formula 1.

    No mais
    boas férias pra você.
    Bom natal e um feliz 2021!!

    fernando Marques
    Niterói RJ

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