Azares, trapaças e uma sensação estranha – final

Azares, trapaças e uma sensação estranha – parte II
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Após a grande frustração do GP da Hungria, a melhor exibição da carreira de Massa, a Fórmula 1 chegava ao novo circuito de Valência, na Espanha. Circuitos de rua tiveram uma semelhança naquele ano: pole-position de Massa em TODAS as provas. Naquela corrida, diferentemente das outras duas pistas no modelo, vitória de Massa.

Felipe consegue a primeira colocação 0,210s abaixo do tempo de Lewis Hamilton. Em princípio, tudo bem; porém, o pole-position largaria do lado sujo da pista. Em acordo, a mudança de posição aconteceu, para evitar que fazer a pole se tornasse, na verdade, prejudicial – Suzuka 1990 traz alguma recordação?

Na corrida, domínio total de Massa, só perdendo a ponta em poucos momentos referentes aos pitstops. Nas paradas nos boxes, aliás, dois momentos decisivos a favor de Felipe.

O primeiro, na parada do brasileiro: após abastecer, por muIto pouco Felipe não se chocou com a Spyker de Adrian Sutil. Punição? Apenas multa. Jackie Stewart questionaria a falta de consistência dos comissários, relembrando momentos em outras provas na temporada e da GP2, uma semana antes. Um peso, duas medidas.

O outro, no abandono de Kimi Räikkönen, que vinha na quarta posição e teve um… motor quebrado, depois de ter finalizado seu pitstop, levando consigo… a mangueira de combustível. Um prenúncio do que estava por vir.

Ao fim, Massa sai vencedor três vezes: ganha a corrida, se aproxima do líder Hamilton, e começa a abrir diante de seu companheiro de equipe, dando início a questionamentos internos na equipe italiana sobre privilegiar o brasileiro ou não.

Hamilton somava 70 pontos, seis a mais que Massa, que já abria 7 para Kimi.

O finlandês iria tentar uma cartada final para não perder espaço na Ferrari e seguir sonhando com o bicampeonato: a próxima corrida seria em Spa, onde Kimi havia vencido AS ÚLTIMAS TRÊS provas.

Nos treinos, a primeira fila ficou com os dois líderes do Mundial, Kimi partindo apenas em quarto. Dada a largada, porém, o piloto do carro nº 1 rapidamente chega à terceira colocação. Na reta, faz ultrapassagem pesada sobre Massa a partir da Kemmel, chegando à Les Combes na segunda posição. Bastaria mais uma volta para, no mesmo lugar, superar Hamilton.

Tudo parecia normal, dentro do script, o inglês nunca perdendo o finlandês de vista, mas jamais representando ameaça real para ele. Até que começa a chover na parte final da corrida.

Virou loucura. Virou loteria. Um festival de escapadas de ambos, que conseguiam controlar o carro e voltavam à pista. Mas Kimi, após aparentemente assegurar a ponta, roda e bate, dando adeus à vitória e, saberíamos depois, ao campeonato. Hamilton ganha a corrida. Massa, muito mais lento que o habitual, chega na segunda colocação.

A entrevista do brasileiro foi reveladora: “Quando vi aqueles dois brigando como se fosse a última volta da última corrida do campeonato, eu pensei justamente o contrário. Sabia que seriam seis pontos importantes e como há dois GPs perdi dez, não queria perder mais nada. Aí não arrisquei. Parecia um bundão guiando. Mas valeu a pena. Os oito pontos caíram no meu colo.”

Massa correu com a cabeça. Mas não foi apenas o segundo lugar que caiu no seu colo: no entrevero de Kimi e Lewis, mais do que apenas uma batalha pesada aconteceu: ao final da antepenúltima volta, Hamilton arrisca ultrapassar Kimi; o finlandês se defende perfeitamente, forçando o inglês a cortar a chicane. Como teve vantagem, Hamilton tira o pé, deixando Kimi assumir a ponta.

Mas só por alguns metros, logo tomando a primeira colocação.

Charlie Whiting diz, ainda durante a corrida, que a manobra não geraria punição. No entanto, após a cerimônia do pódio, Hamilton seria punido com um acréscimo de 25 segundos, caindo para a terceira colocação – e perdendo 4 pontos. Massa, que declaradamente correra como um bundão, somou mais dois pontos.

Kimi agora estava morto (17 a menos que Felipe e 19 atrás de Lewis), e as palavras de Jackie Stewart ganhavam nova vida: “aos olhos de muitos, [a decisão dos comissários] mostra mais uma vez que a Ferrari tem tratamento diferenciado”.

Depois de muita polêmica, o GP da Itália é um banho de água fria na disputa do título: a vitória histórica de Sebastian Vettel acontece em um dia em que Hamilton e Massa ficaram longe do pódio.

Menos mal para Felipe, que foi sexto, mesma posição em que largou. Já Hamilton termina numa brava sétima colocação, depois de ter muitos problemas nos treinos (ele largou apenas em 15º, mal conseguindo marcar tempo no Q2) e ainda ter de fazer um pitstop extra ao final da prova – o inglês chegou a ser segundo, em dado momento!

Era Felipe tendo sorte mais uma vez. No campeonato, Hamilton 78, Massa 77.

A Fórmula 1 então viajava para sua 800ª corrida, a primeira noturna. Uma prova que, todo mundo sabia, seria histórica. Só não se podia mensurar quão.

A trapaça

Massa conclui em Singapura seu 100% de aproveitamento nas pole-positions em pistas de rua naquela temporada: poucos apostavam nisso – e este que vos escreve se inclui entre eles. E ele fez uma pole monstruosa: 0,664s abaixo do segundo colocado, Lewis Hamilton.

No início, tudo ia bem: Massa conseguia manter uma vantagem superior a 3 segundos para Hamilton. Aí vem a batida de Nelsinho e a corrida vira de pernas pro ar.

Massa e Hamilton (e também Kimi, que era terceiro) vão aos boxes juntos. Importante que Kimi é prejudicado, pois tem de esperar o companheiro – isso já tinha acontecido outras vezes, lembram? – e, com o problema na bomba de gasolina, tem sua parada prolongada (ele ficou 17 segundos parado). Mas quando sai, Kimi encontra Massa na saída dos boxes, esperando que alguém o viesse socorrer.

Entre o momento em que Felipe para pela primeira vez até conseguir retornar à pista se vão precisamente 1 minuto e 46 segundos. Uma volta completa. A corrida do brasileiro estava acabada. Muito mais do que pela estratégia maquiavélica da Renault, pelo erro grosseiro da Ferrari.

O único ponto que se pode destacar negativamente é a performance de Felipe nesse retorno à pista: o brasileiro escapou da pista duas vezes, foi ultrapassado por Robert Kubica, rodou sozinho, e ainda causou a batida de Sutil. Por fim, ficou preso atrás de Sebastién Bourdais, nunca conseguindo ameaçar o francês. Certamente um ponto poderia ser conquistado…

Hamilton também perde dois possíveis pontos que poderia ganhar com uma segunda colocação, mas o resultado final é de grande lucro, já que abriu sete para Massa.

Dando sequência à excursão no Oriente, a Fórmula 1 viajava para o Japão.

Lá, Massa não consegue render nos treinos, fazendo apenas o quinto tempo, e para piorar a situação do brasileiro Lewis Hamilton crava a pole. Na largada, porém, a sorte parece sorrir para Felipe.

Kimi parte muito melhor que Hamilton. Numa reedição da disputa na Bélgica, o inglês se arrisca a alongar a freada e tentar por dentro. Inevitavelmente, escapa da pista, caindo para a sexta posição. Massa se viu obrigado a desviar de alguns carros e acaba ficando na mesma posição de início.

Logo no começo da segunda volta, Hamilton enxerga a oportunidade de ultrapassagem sobre Massa quando o brasileiro espalha na curva. A quinta colocação já era dele, mais de meio carro à frente. Seguindo seu traçado, Lewis vem contornar e é tocado por Massa, que tinha duas rodas na grama.

Felipe segue na pista, indo para sétimo; Hamilton cai para penúltimo.

Foi de propósito, não tenho dúvidas“, diria Hamilton após a prova.

Os dois se reencontrariam na turma do fundão em dado momento da prova: ambos foram punidos com um drive through, Hamilton, pela manobra diante de Kimi, na primeira curva; Felipe, pelo choque com Hamilton. Dois pesos, uma medida.

Massa ainda conseguiria angariar um ponto muito importante, depois de ultrapassagem arrojadíssima sobre Mark Webber – quase tão suicida quanto Barrichello seria na Hungria, dois anos depois, ao passar Schumacher.

Do Japão para a China, Hamilton marca mais uma pole, sua última no ano – foi ele quem mais largou em primeiro naquele 2008 –, e Räikkönen novamente larga à frente de Massa, o terceiro.

Diferente da prova anterior, em Shanghai nenhuma batida, nenhuma polêmica, nenhuma ultrapassagem arrojada. Pelo contrário: uma prova sonolenta. Massa jamais andou no mesmo ritmo de Kimi, que cederia a posição para o companheiro de equipe a 7 voltas do final.

Dois pontos muito importantes para Massa chegar com condições de disputar o mundial, em casa.

O Final

O placar apontava: Massa 87, Hamilton 94.

A Felipe só restava uma alternativa: vencer e torcer para que Hamilton não passasse da sexta colocação – é claro que, matematicamente, o brasileiro poderia ser campeão com um segundo lugar, mas não havia outra possibilidade.

Massa faz sua terceira pole seguida em Interlagos, sua sexta no ano, e conquista a vitória de maneira brilhante. Alonso, que declarava publicamente estar torcendo por Massa e disposto a ajudá-lo, conquista um brilhante segundo lugar. Kimi também faz a lição de casa e completa o pódio.

Hamilton, que queria a todo custo apagar a imagem do ano anterior, quando deu de bandeja o título na mesma pista, chega a momentaneamente perder o caneco: já sem pneus, foi rapidamente superado por Vettel – mas outro alemão, Timo Glock, vinha em piores condições e é ultrapassado pelo inglês.

Hamilton campeão mundial por um ponto (98 a 97), a mesma diferença pela qual perdera o campeonato de 2007.

Para Massa, o consolo de que fez o que pôde, se exibindo de forma brilhante em momento de grandiosa pressão, mais uma vez.

A reação do mecânico ferrarista é o melhor resumo da situação

Mas o Mundial ficou nas mãos corretas: ficou com o piloto que foi melhor ao longo do ano, que (se) arriscou mais e que, apesar de ter cometido vários erros, também foi bastante prejudicado por azares e erros da equipe, além de ter sido punido muitas vezes – algumas delas, de forma bastante questionável.

Fica claro, também, que Massa conseguiu conquistar a primazia na Ferrari muito por conta da má sorte que assolou Räikkönen: mais do que Lewis e Felipe, é o finlandês quem mais pode reclamar de 2008.

Massa não perdeu o campeonato ali: o título lhe escapou por um misto de azares, trapaças e uma sensação estranha.

No início deste texto, citei trecho de uma entrevista de João Havelange (relembre clicando aqui), e aqui vai a conclusão do que disse o centenário dirigente, recentemente falecido: “Quando o Brasil jogou com a Argentina, fui ao vestiário e disse que precisávamos ganhar o jogo para sermos campeões. Disseram-me que iam jogar pelo empate. Lembre-se de que o Rivellino não entrou em campo. Empatamos. Todo mundo agora só fala em política, nisso e naquilo, e não é nada disso. A Argentina tinha um bom time, ganhou da Holanda.

O “campeão moral” não existe: não foi a seleção na Copa em 1978, não foi Massa na Fórmula 1 em 2008.

Abraços!

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

2 Comments

  1. Fernando marques disse:

    Marcel,

    Não discuto o mérito do Hamilton em 2008.
    Muito pelo contrário. Hamilton já era um fenômeno.
    Mas em 2008 Massa se não me engano venceu mais corridas que o inglês. Merecia o título também.
    Mas é aquele negócio, Massa foi um bom piloto na fórmula 1, pelo menos até o acidente na Hungria. Mas nunca um piloto com naipe pra ser campeão.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Marcel Taques Pilatti disse:

      Fernando, a vitória “a mais” de Massa se dá justamente no GP da Bélgica – Lewis ganhou, Massa levou.

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