Decifrando o passado para entender o futuro

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Ano que vem, a Fórmula 1 vai voltar aos motores ditos "turbo" - só no nome. Vamos hoje relembrar uma história de motores diferentes.

Ano que vem teremos mais uma volta a motores pequenos na F1, desta vez atendendo ao apelo da natureza. Certamente os leitores do GPTo nunca esquecem dos motores da década de 60 que permitiram a Cooper, Lotus e BRM baterem o grande rival italiano, mestre dos fabulosos 12 cilindros, orquestras sinfônicas mecânicas.

Sabem a origem do motor Climax, não? Antes da 2a Grande Guerra os italianos tinham sido mestres também nos 1.5 litros, e a Mercedes ganhou deles em Tripoli com carros que nem sequer tinham sido testados antes, episódio contado aqui em uma das aventuras de Indianapolis Jones.

Mas hoje teremos um outro episódio a cargo desse arqueólogo automobilístico, que vai mostrar um exemplo do que se pode/deve fazer quando um cuidadoso preparo e engenhosidade são necessários, em uma situação relativamente análoga, numa espécie de referência para o que iremos apreciar no ano que vem e seguintes. Voltemos, mais uma vez, ao pós-guerra.

O legendário Alfred Neubauer, talvez o maior gênio das pistas que não pilotou nem projetou um carro, percebeu que os top drivers de antes da guerra já estavam na faixa dos 40 anos de idade. Não havia na Alemanha ainda arrasada e diminuída territorialmente um sistema para orientar e dar experiência a jovens pilotos para lidar com altas velocidades e condições de corridas.

Tinham mais coisas com que se preocupar, o que causava, literalmente um “generation gap” nesse segmento. Ele observou que na Grã-Bretanha fãs do automobilismo sem dinheiro para comprar carros de corrida puro-sangue tinham partido para construir eles mesmos pequenos veículos, usando peças compradas aqui e acolá.

Os motores, por exemplo, eram de motocicletas, variando de 500 a 750cc. Um desses inventores era o Capitão Colin Strang, que assim que voltou dos campos de batalha construiu um carro e com ele ganhou todas as corridas de que participou. Com esse nano-carro de corrida ele alcançava mais de 160 km/h.

Não foi difícil para o Cap. Strang encontrar gente que gostou da idéia e logo formaram o Clube dos 500, que reunia carros construídos artesanalmente com motores dessa cilindrada. A idéia chegou até a Alemanha e na região Rheinland diversos jovens se reuniram e criaram uma escola de testes técnicos de automóveis, e imediatamente começaram a construir um carro de teste.

Com imensos sacrifícios e enfrentando inúmeros problemas conseguiram em pouco tempo projetar e construir um midget car que se tornou uma sensação onde quer que fosse exibido, por sua engenhosidade e boa aparência.

O motor também era de 500cc, dois tempos, refrigerado a água, mas com refinamentos para melhorar a potencia, colocado na traseira. Ele foi chamado “Scampolo 500”. Rapidamente as autoridades se interessaram por essa nova classe de carros construídos por particulares e deram permissão para a moçada ir em frente, criando uma formula específica para midget cars.

A capacidade cúbica aumentou para 750cc e foi vedada a participação de carros construídos por fábricas.

Isto naturalmente não impedia que usassem peças de veículos existentes. Esse aumento de cilindrada foi possível porque a Alemanha ainda não tinha permissão internacional para participar de corridas e porque lá não era difícil encontrar motores de motocicleta com 750cc, com 2 cilindros e refrigeração a ar, em particular os fabricados pela BMW.

Logo foi construído outro carro, o LTE Juwell, com motor dianteiro. Os dois disputaram metro a metro todas as competições de 1948/49. Walter Komossa, o homem que construiu e pilotou o Scampolo tornou-se o campeão alemão de 1949. Seu maior rival foi Ferdi Lehder, com um LTE  Juwell.

Komossa ganhou um bom prêmio em dinheiro, 2000 marcos, concedidos pelo maior jornal alemão, Die Welt, de Hamburgo, por seu desempenho como piloto. Durante esse período outros carros foram aparecendo, como um que usava o motor do FIAT Topolino, de 500cc (sim, a versão paleozoica do atual Cinquecento).

Se pudessem ter competido em corridas internacionais esses carros não teriam feito má figura. Também alcançavam cerca de 160 km/h, pesando algo entre 250 e 300kg.

As corridas aconteciam em praticamente todos os famosos circuitos alemães. Em Hockenheim Komossa venceu na categoria com a média de 107,7 km/h. Em Nurburgring, muito mais difícil, sua média foi 102,9 km/h. O vencedor absoluto da corrida no inferno verde foi Toni Ulmen, com o Veritas Formula 2 de 2 litros (objeto de outra aventura de Indianapolis Jones aqui relatada), com média de 111,5 km/h, o que mostra do que esses carrinhos literalmente feitos em casa eram capazes.

Agora pense na F1 do ano que vem. Lembre que talvez não haja nenhum piloto brasileiro na categoria. Pense que, pior que isso, não estamos tendo um preparo adequado para nossos pilotos chegarem até as formulas mais potentes em condições de brilhar e não apenas competir.

Lembre que países como China e Inglaterra aproveitaram que iam sediar uma Olimpíada para dar um salto de qualidade e efetivamente subiram para as posições mais altas no ranking de medalhas.

Você está vendo algo parecido por aqui?

Baseado na obra de Floyd Clymer, “German Racing Car and Drivers”.

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

11 Comments

  1. Mário Salustiano disse:

    Carlos e amigos

    Carlos parabéns pelo texto e pela forma simples e direta como você aborda um tema tão rico, interessante como uma releitura do passado pode nos ensinar muito sobre o futuro, tem quem defenda que o todo que a humanidade precisa já foi descoberto apenas de tempos em tempos é feita um repaginamento e as pessoas acham que a roda foi descoberta, o estilo de pilotagem e as técnicas sofreram alterações interessantes nos anos 50 quando os carros passaram o motor para a traseira e ficaram mais leves, o uso do drift passou a ser muito mais técnico , permitindo o aumento da velocidade nas curvas em compensação a menor potência dos motores menores, isso permitiu a Cooper uma boa vantagem em 59 e 60 e mudou radicalmente o conceito da construção dos carros, revolução semelhante acompanhamos na chegada do carro asa e na sequência o turbo e suas doses estratosféricas de cavalagem.
    Na história mais recente tivemos o elemento do reabastecimento como um fator de influência no estilo de pilotagem, ter um carro leve ao longo da prova possibilitou a pilotos ascendentes uma boa vantagem no período, sou partidário que quem melhor se adaptou a esse período foi Schumacher e talvez isso explique em seu retorno um desempenho tão aquém do esperado, afinal pilotar um carro que não reabastece é diferente do que ele estava acostumado
    Ano que vem os estilos de pilotagem vão ser influenciados pela chegada dessa nova safra de turbos, mas não creio que será como a primeira passagem dos turbos na categoria, será menos brutal, afinal esses turbos de hoje são o espelho de uma era politicamente correta e devem ser portanto ecológicos, esperem motores “mansos” nada comparado ao dos anos 80, e vale desde já pela expectativa de quem melhor proveito vai tirar desse cenário.
    Aproveitando, especula-se que o motor da Ferrari vem se mostrando bem abaixo do esperado na fase de teste, o que pode ser o motivo do esperneio do Alonso e a sua vontade de sair da Ferrari, alguém sabe se isso procede?

    boa semana a todos
    Mário

    • Carlos Chiesa disse:

      Muito obrigado, Mario. Não li a nada a respeito de possivel decepção com o motor da Scuderia, o que me parece difícil pois esse sempre foi um dos pontos fortes dela, entregar motores potentes e confiáveis. Penso que Alonso foi se oferecer para a Red Bull porque esta tem Newey e a Ferrari não. Com o nivelamento dos motores e demais partes mecanicas importantes, sobrou a aerodinamica para fazer a diferença. E esse parece ser o ponto forte de Newey (tem ainda o mapa do motor, o sistema de descarga…).

  2. Mauro Santana disse:

    Belo texto Chiesa!

    Uma pergunta:

    Quando os motores V10 foram banidos da F1 no final de 2005, isso foi somente para redução de gastos?

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Rodrigo Felix disse:

      Amigo Mauro, isso também me intriga bastante… aliás a F1 é cascateira demais com esse papo de redução de custos. Primeiro pq ninguém está assim tão preocupado nem com os gastos e tampouco com o meio ambiente, para justificar o que foi feito em 2009, por exemplo.
      Outro ponto: extinguiram os testes ao longo do ano para conter gastos, mas em compensação com certeza algumas equipes investiram o dobro em simuladores de ultima geração… vai entender.

      ah, que pena q a melodia dos v-10 vai ficar na história, assim como os v-12.

      • Carlos Chiesa disse:

        Não sei se a CBA está contente. Espero que não, e que contorne um dos defeitos mais desagradáveis que nós, brasileiros, temos, que é o de não dar valor ao planejamento de médio e longo prazo.

      • Carlos Chiesa disse:

        Essa preocupação com a perda do ruído dos motores grandes preocupou todo mundo, ao ponto que foram feitos diversos testes para checar se esse “motorzinho” não iria perder o apelo junto aos fãs. Parece que resolveram.

    • Carlos Chiesa disse:

      Obrigado, Mauro. Até onde sei, sim, foi um modo da F1 se apresentar como menos perdulária, de sair do papel de vilã do meio ambiente/economia mundial etc..

  3. Fernando MArques disse:

    Já pensei na hipótese de não termos nenhum piloto brasileiro na Formula 1 ano que vem e imagino o quanto a CBA deve estar contente com isso …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Rodrigo Felix disse:

    Na minha opinião, uma nova configuração de motor traz sempre novas propostas de pilotagem. Sempre deduzi que essa atual de motores V8 2,4L, em uso desde 2006 foi de encontro do ESTILO de pilotagem dos talentos atuais – Hamilton e Vettel, principalmente. O torque do antigo V-10 era absurdamente mais potente, e sugeria pilotagem mais agressiva. Imagino que ano que vem esses novos motores podem fazer com que os atuais campeões se sobressaiam ainda mais ou acabem por ficar no limbo.

    Mas nada me tira da cabeça que essa nova configuração é uma artimanha da FIA para forçar a entrada de grandes fabricantes de turbos (leia-se Porsche) na categoria. Faz todo sentido.

    Parabéns pelo texto, Chiesa!
    Abraços a todos os gptos!

    • Carlos Chiesa disse:

      Muito obrigado, Rodrigo. Fiz essa pergunta ao Gigante e ele acha que a nova configuração não deverá influenciar muito no estilo de pilotagem. No entanto, fiquei
      sempre com a impressão de que determinados pilotos se adaptaram melhor à era turbo anterior do que outros. Lembro de ter ficado chocado com o jeito aparentemente brutal de Eddie Cheever conduzir seu Renault Turbo com aquela cavalaria desembestada colada nas costas. Percebi depois que tinha que ser assim mesmo.
      Entendo que o problema das equipes hoje é ter ao menos um piloto experiente, pois o desenvolvimento do caro como um todo deverá ser maior do que a adaptação ao estilo de pilotagem. Forte abraço.

      • rodrigo felix disse:

        legal! o importante eh o barulho, jah q esses motores do ano q vem n serao nada potentes. mas o q importa eh q finalmente a aerodinamica n sera tao determinante como hj

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